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Delação é arma da Justiça italiana contra a máfia

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16 de maio de 2010, 8h49

Os chefes da máfia eram ignorantes, mas agora são administradores como em qualquer empresa legal. A constatação é do representante do Conselho Superior da Magistratura da Itália e ex-diretor-geral do Servizio Nazionale Antimafia, Antonio Patrono que afirmou serem atualmente os novos chefes formados nas mais diversas áreas e terem uma formação mais refinado. Ele participou do Fórum Internacional de Justiça (For-Jus), nesta sexta-feira (14/5), em São Paulo.

Patrono afirma que a Cosa Nostra é a organização criminosa mais antiga da Itália, com quase 200 anos. Ela se originou entre agricultores e quando o campo não era mais fonte de enriquecimento, migrou para a cidade. Segundo o representante da magistratura italiana, a organização nunca teve o hábito de agir de maneira violenta, mas por uma década, durante confronto entre grupos rivais muito sangue foi derramado.

Assim como a economia se modificou com o passar dos anos, a máfia também se adequou às novas situações. “Tendo inclusive alcance em outros países”, acrescenta. Em 1900, parte dessas famílias migrou para os Estados Unidos.

De acordo com Patrono, no início dos anos 80 houve uma chacina comandada pelo grupo de mafiosos de uma cidade chamada Corleone. O grupo era submisso a Cosa Nostra e tentou se desvencilhar desse comando. Depois da série de atentados e assassinatos as autoridades e a sociedade se movimentaram e muitas modificações aconteceram. Além do bloqueio de tudo que pertencia à máfia, foi introduzido também o instrumento da colaboração na legislação italiana.

Segundo ele, um dos instrumentos que tem se mostrado eficaz para conhecer e combater a máfia é a colaboração, ou delação premiada. Até mesmo pelo funcionamento do sistema no país a colaboração dá mais benefícios para o criminoso disposto a contar tudo que sabe. “Na Itália a pena é muito rigorosa com o mafioso, por isso também existe um interesse por parte deles em colaborar e ter uma redução na pena”, explica.

Enquanto um criminoso comum pode receber quatro visitas da família, o mafioso tem direito a apenas uma. As horas de sol também são menores. E para evitar que o integrante continue comandando o crime de dentro do sistema prisional, todas suas correspondências são abertas. As prisões sempre ficam em lugares isolados, as notícias dos jornais são filtradas, e nem advogados e autoridades podem entrar com celular dentro do presídio, que possui também o bloqueio do sinal.

O acusado fica seis meses preso contando todos os crimes que cometeu, como funciona a organização e apontando as pessoas envolvidas. Se o Judiciário entender que essa pessoa colaborou de forma efetiva ele receberá muitos benefícios e proteção policial. Entre as benesses, redução de dois terços da pena, pensão para a família, troca de identidade, entre outros. Se for comprovado que a família do colaborador corre um risco real de vida, ela também receberá escolta.

Todos esses benefícios passam por uma avaliação rigorosa antes de serem concedidos. Se for comprovado que voltou a trabalhar para a máfia, delatou pessoas inocentes ou mentiu, perde automaticamente proteção policial e retorna para uma prisão comum.

O objetivo principal do grupo criminoso é enriquecer e ganhar importância. As frentes de atuação ficam basicamente na corrupção de autoridades, tráfico de drogas, de armas e extorsão. “Os homicídios e ataques não eram comum entre os integrantes da Cosa Nostra porque não interessavam para eles estarem na mídia”, aponta.

Durante muitos anos o grupo lucrou com a heroína, mas com o tempo esses ganhos diminuíram fazendo com que as máfias migrassem para outros setores. Uma das principais frentes da Cosa Nostra hoje é construção, principalmente as licitações.

“É muito comum ver um canteiro de obras interrompidas no sul da Itália”, diz Patrono. Na Sicília, por exemplo, muitas estradas são feitas pelas empresas que os mafiosos indicam. Quando não indicam as empresas, fornecem o material. Eles enriquecem a cada fase do processo da obra, seja na empresa vencedora, no material de construção de baixa qualidade e superfaturado.

“Depois de 10 anos é necessário refazer tudo e a nova estrada custará quatro vezes mais do que a antiga e mal feita”, lamenta.

Outra área de atuação da organização que ganhou repercussão internacional foi o tratamento do lixo. Na Itália, o governo promoveu licitações para o tratamento adequado do lixo. As organizações criminosas, além de vencerem a licitação, fizeram uma campanha na comunidade dizendo que essas indústrias seriam prejudiciais para o local. Houve ainda um movimento político contra construção das unidades.

Uma interceptação indicou que o negócio era rentável para a organização. “Entra lixo e sai ouro”, dizia o mafioso grampeado.

Patrono é otimista quanto ao combate às organizações que dominam o sul do país. "O Estado vencerá, mas terá que pagar um preço alto por isso", diz. Estima-se que a máfia gerou um prejuízo de um trilhão de euros até agora.

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