Direito e economia

"Desenvolvimento requer marco legal adequado"

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15 de maio de 2010, 9h39

"Não há desenvolvimento econômico sem um campo legal bem desenvolvido”. A parceria entre Direito e Economia visando ao desenvolvimento econômico e o bem estar da sociedade é bem-vinda por Frédéric Jenny, doutor em Ciências Econômicas e professor de Economia na Essec Business School, em Paris. Jenny é também juiz da Corte de Cassação da França e presidente da Comissão de Direito da Concorrência e Política da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 

Jenny juntou-se a outros grandes nomes do Direito e da Economia no seminário sobre Direito Concorrencial, que marcou o lançamento do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES), em São Paulo, na semana passada. Em entrevista exclusiva ao Consultor Jurídico, o juiz falou sobre sobre a lei da concorrência na Europa, as licitações brasileiras e a situação da China.
De retorno à França, o professor respondeu, por email, a seguinte entrevista para a Consultor Juridico (se preferir, clique aqui para ler a entrevista em inglês):

Advogados e economistas especialistas em direito concorrencial na Europa sustentam que o único objetivo do Artigo 81 da Constituição Europeia é o bem estar do consumidor. Outros acreditam que considerações de políticas públicas, como ambiental e cultural, também são relevantes nesta previsão. O senhor poderia nos dizer qual o  seu ponto de vista nesta material?
Nos anos 1990 havia uma convergência internacional na definição de qual o objetivo específico da lei de concorrência. Este movimento é parte do que foi descrito como “soft convergence” (convergência suave). O consenso que emergiu foi de que o objetivo da lei de concorrência é proteger o bem estar do consumidor e tem havido um movimento em um número de jurisdições contrarias ao sentido mais amplo de  “interesse publico” que costuma ser aplicado às leis da concorrência. O objetivo reconhecido do artigo da Constituição Europeia é proteger o consumidor. Os governos podem querem promover objetivos sócio políticos, mas a lei da concorrência não é o instrumento correto para promover esse tipo de interesses. A lei de concorrência pode ser dispensada quando há contradições entre a proteção do consumidor e a obtenção de objetivos sócio-políticos, mas esta dispensa deve ser limitada ao que é estritamente necessário para atingir objetivos não econômicos e deve ser revisada periodicamente.

O senhor acredita que a Lei de Concorrência da União Europeia, que é válida para um conjunto de países, pode permitir também que os países considerem suas leis específicas?
Na área da legislação concorrencial não existe um modelo único para todos. As leis nacionais de concorrência devem ser desenhadas tomando em consideração o contexto legal do país, bem como o contexto sócio-político. Na Europa, as leis nacionais podem ser diferentes (embora não contraditórias) da lei europeia. Por exemplo, a França, onde há cadeias de supermercados muito poderosas, adotou a proibição do abuso do poder de compra, que não tem equivalente na lei europeia. Mas há ainda importantes características do sistema legal europeu que podem ser interessantes em países não europeus. Por exemplo, assim como o sistema brasileiro, o sistema europeu é baseado em um processo administrativo que é revisto pelo tribunal. Como é verdade na Europa, no Brasil há um alto nível de envolvimento público em vários setores então deve haver muitas lições a ser aprendidas ao comparar os dois sistemas de concorrência (em áreas como a relação entre as autoridades concorrenciais e os reguladores setoriais, etc.). O que é importante não é considerar que as leis da concorrência na Europa ou em outras jurisdições são modelos a ser seguidos mas considerar a experiências destes países para ver o que é bom para o Brasil.

O Brasil adotou outro sistema de leis de concorrência. Por que é importante para as áreas econômicas e jurídicas do Brasil conhecer mais profundamente a lei de concorrência da União Europeia?
Leis concorrenciais são relativamente novas em muitos países. Eu diria que é importante estudar o regime de concorrência de países em que a lei a e a política concorrencial é um importante elemento de política pública, se não por outra razão que nós podemos aprender lições de suas experiências e evitar algumas das dificuldades que eles enfrentaram. A Europa é um conjunto de países onde a aplicação da lei concorrencial e a política de competição são importantes elementos da política econômica. Mas há ainda outros países que têm uma longa experiência da aplicação da lei de concorrência e da política de competição.

A lei de concorrência no Brasil somente passou a ser mais acionada a partir do fim dos anos 1980 com a abertura dos mercados. Atualmente o Brasil está tentando assumir um papel internacional mais ativo. O senhor poderia comentar os avanços do Brasil nessa área do Direito?
O Brasil não apenas adotou uma política de concorrência mais ativa no passado recente, mas tem também sido um participante muito atuante no debate sobre concorrência internacional. Em termo de feitos domésticos, o desenvolvimento mais marcante no Brasil tem sido a luta contra os cartéis, que tem sido muito bem sucedida, uma das mais exitosas em todo o mundo. No âmbito internacional, o Brasil, por exemplo, tem participado muito ativamente nas discussões do comitê de concorrência da OCDE, onde é um dos mais importantes observadores. É crucial que um país como o Brasil, que é confrontado com um número de problemas comum a muitos países em desenvolvimento (como, por exemplo, a existência de uma grande economia informal ou uma grande desigualdade na distribuição de renda e de riquezas) mas também ter uma parte de sua economia altamente desenvolvida ajuda países similares (por exemplo, a Índia, que tem uma lei concorrencial menos desenvolvida, a China, que ainda está engatinhando, etc.), pelo compartilhamento de suas experiências sobre os potenciais benefícios, as dificuldades e fraquezas da aplicação da lei de concorrência. Mas, países desenvolvidos têm muito o que aprender com a experiência do Brasil. Por exemplo, eu considero muito marcante (e muito avançado) o trabalho de advocacia feito pela SEAE com outros ministérios através de comitês de trabalho interministeriais.

Como parte do novo papel que o Brasil está desempenhando, está se abrindo um espaço para o debate no campo legal com a fundação do Cedes – Centro de Estudos de Direito Econômico Social, de cujos seminários o senhor participou na semana passada. Poderia o senhor comentar essa iniciativa?
Eu fundei em Essec (universidade onde eu leciono na França) o Centro Europeu de Direito e Economia. Eu sou também um economista que se tornou um juiz. Então é fácil entender que eu pessoalmente acredito que juntar direito e economia é extremamente importante. Não há desenvolvimento econômico a não ser que haja um marco legal muito adequado e bem desenvolvido. O direito concorrencial é um exemplo de setor em que o direito e a economia estão intimamente relacionados. Mas é também verdade que a competição, enquanto contribui para o bem estar do consumidor, e em particular dos mais vulneráveis consumidores ou dos mais vulneráveis fornecedores, tem um impacto social que poderia não ser percebido particularmente nos países desenvolvidos (ainda que no passado tenha sido muito bem observado). Eu penso que já é tempo de trazer à tona as interações entre o direito, a economia e a dimensão social. Então a iniciativa do Cedes é extremamente interessante e eu a apoio com entusiasmo. .  

As áreas em que é mais difícil haver equilíbrio na competição são aquelas em que participam empresas estatais. Para enfrentar outros gigantes privados, a Petrobras é obrigada, no Brasil, a lutar no tribunal para derrubar barreiras que impõem limites. Sendo controlada pelo Estado, a Petrobrás só pode comprar ou contratar através de licitação. Toda vez que contrata um fornecedor, sua decisão vai parar na Justiça. Como uma saída, ela usa uma lei especial que facilita o processamento de suas operações, mas não tem sido muito clara para resolver o problema. É possível para uma empresa que opera numa indústria tão competitiva enfrentar estas restrições e permanecer competitiva?
A questão da competição entre empresas estatais e o setor privado é muito complexa, O problema tem sido extensivamente estudado no contexto da União Europeia, que é uma região em que a controle estatal é uma parte integral da lei de concorrência. Uma das possíveis justificativas para as empresas estatais é o fato que elas desempenham uma função especial considera de interesse nacional (quando se pensa na prestação de serviço público como um objetivo estratégico). Mas quando uma estatal também compete com empresas privadas, os agentes do mercado enfrentam diferentes restrições e vantagens. Por exemplo, uma estatal pode enfrentar regulação mais estrita limitando sua habilidade para operar livremente que seu competidor privado, mas ela também pode gozar de melhor acesso ao crédito do que seus competidores. Eu penso que duas dimensões do problema são importantes: primeiro, analise o conjunto de restrições e de vantagens das empresas do setor público e pergunte ate que ponto as restrições impostas às empresas públicas são estritamente necessárias para elas atingirem seus objetivos sociais ou para limitas as desigualdades entre os agentes do mercado. Em segundo lugar, verifique se as empresas do setor público são justamente compensadas pelos custos extras que elas arcam por causa das restrições que elas enfrentam para cumprir suas obrigações sociais.

 Pode a fusão de companhias em conglomerados, movimento natural que responda à turbulência econômica, empurrar os concorrentes em desvantagem a desenvolver novos produtos em diferentes nichos do mercado? Podem as fusões ser vistas como um natural movimento da livre empresa e do livre mercado?
Todas as formas de fusão são um desenvolvimento natural na vida das empresas. Elas podem ter razões de eficiência (como cortar custos fixos ou permitir pesquisa mais produtiva; podem ainda permitir a retirada ordenada de empresas mal sucedidas, etc.), Mas quando elas levam à redução da concorrência (seja horizontal ou verticalmente, seja direta ou indiretamente), podem impor um custo à sociedade contra as potenciais vantagens que elas podem aportar. Normalmente fusões em conglomerados têm menores consequências anticompetitivas do que fusões horizontais ou verticais. Mas deve-se examinar caso a caso. Alguns dos problemas suscitados pela fusão de conglomerados estão ligados à possibilidade de operações financeiras cruzadas ou de falta de transparência de custos.

 A China é o mercado consumidor que cresce mais rapidamente, mas seu ordenamento político obtuso atrapalha o desempenho de empresas estrangeiros em seu território, como comprova o episódio envolvendo a Google. O que aconteceu é emblemático ou apenas um caso isolado? O que ainda falta para que a China se torne terreno fértil para o livre mercado?
Como você sabe, a China aderiu à OMC em 2001 e está se movendo num ritmo impressionante de uma economia controlada para uma economia de mercado. Os problemas da transição são graves e complexos. A China teve de adotar uma série de leis para sustentar uma economia de mercado (como lei de propriedade intelectual e lei de concorrência) e para elevar o nível de seu setor público (em particular para eliminar a ineficiência das empresas públicas ou consolidar as empresas estatais que aumentam os problemas de desemprego). O que podemos ver  são um progresso considerável e a abertura de Mercado em setores como o da industria automobilística, do setor de máquinas-ferramenta, do setor de agro-alimentos, etc. Mas Roma não foi construída em um dia. Então não é surpresa que o progresso na abertura dos mercados, que é impressionante, eventualmente enfrente dificuldades. Por exemplo, até um par de anos havia dúvidas sobre até que ponto as leis de fusões poderiam ser usadas para controlar o investimento estrangeiro direto e discriminar entre as empresas domésticas e as estrangeiras. Mas esse temor foi afastado. Dito isto, você deve também lembrar que a competição de mercado é resultado do desenvolvimento regulatório dos mercados mas também do contexto legal, sociológico e político da economia.

 

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