Direito e Economia

Brasil ainda se converte ao capitalismo, diz Barroso

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10 de maio de 2010, 14h20

O Brasil ainda se converte ao capitalismo. Lenta, cerimoniosamente, e com um pouco de culpa, na opinião do advogado e professor Luis Roberto Barroso. “A valorização da iniciativa privada esbarra na consciência comum de que a riqueza está ligada sempre a processos injustos e ilícitos, como se fosse fruto de um grande golpe”, disse em seminário sobre Direito Concorrencial, em São Paulo, ao lado da secretária de Secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares. O evento, que aconteceu em São Paulo nos dias 4 e 5 de maio, serviu de pontapé inicial para o recém-nascido Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, dirigido pelo reitor da Universidade de São Paulo, João Grandino Rodas, e apoiado pela iniciativa privada.

Segundo o constitucionalista, o problema já estava no nascimento do regime democrático, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. “A área econômica da Constituição envelheceu em seu primeiro ano”, diz. A queda do Muro de Berlim, em 1989, é tida pelo advogado como símbolo da abertura à circulação de pessoas e bens. O texto constitucional original, no entanto, restringiu o capital estrangeiro e manteve os monopólios do petróleo, gás, telecomunicações e energia. “Passamos boa parte da década de 1990 consertando isso.”

Apesar da livre iniciativa ser um princípio fundamental brasileiro, a cultura centralizadora cristalizada na Constituição dificultou a desestatização, prejudicando, por tabela, a livre concorrência. Barroso fez questão de deixar claro que a opinião é de um ex-esquerdista. “Já cheguei a escrever que o mundo caminhava inexoravelmente para o socialismo”, afirmou. “Economias de mercado se mostraram mais efetivas aos objetivos humanistas. Migrei de ideias.” O advogado foi um dos que defenderam, no Supremo Tribunal Federal, a privatização do Banco do Estado do Rio de Janeiro, o Banerj, em 1997.

Uma sociedade que viveu a onipresença do Estado por meio do controle de preços, segundo Barroso, custa a deixar o que ele chamou de “oficialismo”. “A bênção do poder público é necessária para qualquer empreendimento”, critica.

Adversários da disputa
Barroso também elogiou a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça, o Cade. Segundo ele, o órgão é importante por tornar claros os limites para o mercado. “A norma só é o que o intérprete diz que ela é. O Cade ocupa essa função”, explica. Ele também defendeu a divulgação das punições dadas pelo conselho. “Podem ser prejudiciais à imagem da empresa, mas, numa sociedade democrática, as decisões têm que ser públicas.” A publicidade, na sua opinião, funciona como forma de dissuasão. “O melhor sistema sancionatório não é só o que pune.”

Para a secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Mariana Tavares, a aplicação de punições tem se tornado mais efetiva. “Já houve penas restritivas de liberdade a administradores envolvidos com cartéis, embora ainda em fase de recurso”, diz, referindo-se às primeiras sanções criminais.

A prática de cartéis, de acordo com Mariana, chegava a ser organizada pelo próprio Estado durante o regime militar, por meio do Conselho Interministerial de Preços. “A primeira investigação feita pela secretaria, no setor de aço, começou depois que as empresas avisaram oficialmente que iriam aumentar os preços em 15%”, conta. Segundo ela, a Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, chegou a avisar que "a banda agora tocaria diferente" e a prática não seria mais tolerada. “Elas não acreditaram, e foram punidas.”

Barroso também falou sobre as ameaças à concorrência que liminares expedidas pelo Judiciário podem causar. Segundo ele, não é desejável que a Justiça interfira, por exemplo, com liminares em licitações. “Isso idealmente, mas é diferente no mundo real”, disse à revista Consultor Jurídico.

Anistia comum
O advogado, que defende o ex-militante italiano de esquerda Cesare Battisti contra a extradição decidida pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro, comentou ainda sobre os efeitos da decisão da corte de manter vigente a anistia dada pela Lei 6.683/1979. A lei perdoou crimes cometidos tanto por militantes contrários à ditadura quanto a agentes públicos que torturaram e mataram nos porões do regime. Segundo ele, a interpretação da corte é uma mensagem de que o perdão pelos crimes de 30 anos atrás alcançou ambos os lados. “Então, por que extraditar alguém com base em uma condenação política dada há tanto tempo?”, opinou.

Battisti aguarda a decisão do presidente Lula para saber se será enviado de volta à Itália para cumprir pena por quatro assassinatos, ou ganhará asilo político no país.

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