Preço do sigilo

Brasil está fora do mercado de privacidade de dados

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7 de maio de 2010, 13h24

Quando George Orwell previu em seu livro 1984 o fim da privacidade, ele não imaginava que a busca pelo sigilo poderia se tornar um mercado. Segundo o futurologista alemão, Gerd Leonhard, quem quiser ter privacidade no futuro terá de pagar por ela e isso já é fato na Europa e nos Estados Unidos. Esses países já mantêm agências reguladoras sobre o assunto e contam com empresas e profissionais especializados no tema. Enquanto isso, no Brasil, não há nem mesmo definição de regras básicas sobre o sigilo.

O advogado Renato Opice Blum, que participou do Global Privacy Summit, em Washington, um dos maiores eventos do setor, conta que presenciou a participação de mais de 1.500 profissionais e mais de 50 expositores com empresas de soluções de proteção de dados, investigação, advocacia e profissionais que se autointitulam consultores de privacidade. Algumas empresas já criaram até o cargo de vice-presidente da área de privacidade.

Quanto maior o avanço da tecnologia, menor é a privacidade dos cidadãos. Na web, as empresas além de terem acesso ao RG e endereço dos usuários conseguem definir perfis de comportamento e consumo. “No futuro, vai aumentar o valor da informação, tanto a lícita como a ilícita. Teremos o uso da tecnologia para tratamento de dados, porque hoje a informação ainda está em estado bruto”, afirma o advogado.

Entre os países da América Latina, Argentina, Chile e Uruguais já têm regras bem definidas. Mas, os mais criteriosos são mesmo os europeus. Lá, a legislação chega a impedir os países de fecharem negócios com empresas que não tenham os mesmos cuidados que eles têm com os dados de seus cidadãos. Por isso, o vácuo na legislação brasileira complica até o fechamento de contratos que vislumbram troca de dados e informações entre países.

Para se ter uma ideia, um dos artigos da Diretiva Europeia proíbe os Estados-membros de tratar os dados pessoais de forma se sejam reveladas “origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde ou à vida sexual”. Fica clara ainda a punição pela divulgação de informações falsas.

Como a Europa tem força econômica, eles podem ter um mecanismo mais rígido, segundo o advogado Marcel Leonardi, professor da Faculdade Getúlio Vargas, que estuda o assunto. “Na Europa, há até um grupo permanente de estudos de privacidade que chegou a recomendar que a Microsoft fizesse algumas mudanças no seu sistema de dados dos usuários do Messenger, por exemplo, para se adaptar ao mercado europeu. E a empresa acaba adotando aquele padrão mundialmente”, explica Leonardi.

Esse movimento é percebido em outros países também. As agências reguladoras de privacidade, reunidas no Global Privacy Summit, em abril, divulgaram uma carta cobrando medidas de proteção de dados de empresas online, principalmente em relação ao Google, e que esses sistemas obedeçam às regras de cada país. O padrão europeu acaba prevalecendo por ser o mais rígido.

E no Brasil
Sem ao menos ter contato com empresas estrangeiras, o Brasil já sente em sua rotina a falta de regras claras. Segundo Leonardi, na prática de telemarketing, por exemplo, as empresas colhem e trocam dados sem o menor critério. “Sabe-se que é eticamente condenável, mas se não há punição, as empresas abusam”, explica.

No Brasil, as empresas têm até dificuldade de fazer um arquivo comportamental. “Uma empresa que vende um produto não sabe até que ponto pode abrir esses dados aos seus parceiros. Os clientes nos perguntam sobre essa operação e nós respondemos com base na jurisprudência”, afirma Opice Blum. Segundo ele, as previsões legais no Código Civil, Código de Processo Civil são genéricas. “Nesses artigos está garantida a intimidade, mas não detalham quais são esses dados.”

“Alguns países tem uma definição clara do que são dados sensíveis, têm uma política mínima de guarda de dados pessoais, métodos de controle de idade, por exemplo”, conta Opice Blum. “No Brasil há apenas uma tentativa de definição do que é um dado sensível, que já está prevista em 40 países. São dados proibidos de serem tratados, o que pode ser o nome, endereço, RG, até a raça, religião, etc”, explica o advogado.

O Brasil tem mais de 20 projetos de lei que tocam no assunto privacidade. Porém, são textos direcionados a segmentos específicos como cartão de crédito, celulares, spam e até na troca de documentos eletrônicos. Essas regras, mesmo se aprovadas, não atendem à necessidade de ter uma regra básica que regulamente a privacidade. "O lobby dos setores se movimenta, mas hoje os bancos de dados se cruzam e não adianta ter regras por por setores. Ou se tem um tratamento uniforme ou não adianta nada", afirma Leonardi.

Veja os principais Projetos de Lei sobre o tema.

PL 3.797/2008
Permite o uso de GPS para localizar pessoas desaparecidas.

PL 3.893/2008
Sigilo de e-mail corporativo.

PL 4.345/1998
Institui a obrigatoriedade de as empresas operadoras de cartões de crédito oferecerem uma versão de cartão de crédito com foto digitalizada.

PL 3.016/2000
Dispõe sobre o registro de transações de acesso a redes de computadores destinados ao uso público, inclusive a Internet.

PL 18/2003
Veda o anonimato dos responsáveis por páginas na internet e endereços eletrônicos registrados no país.

PLS 279/2003
Dispõe sobre a prestação dos serviços de correio eletrônico, por intermédio da rede mundial de computadores – Internei, e dá outras providências.

PLS 337/2003
Define o crime de veiculação de informações que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, na rede internet, ou em outras redes destinadas ao acesso público.

PLS 367/2003
Coíbe a utilização de mensagens eletrônicas comerciais não solicitadas por meio de rede eletrônica.

PLS 21/2004
Duciomar Costa Disciplina o envio de mensagens eletrônicas comerciais.

PLS 21/2004
Disciplina o envio de mensagens eletrônicas comerciais.

PLS 36/2004
Dispõe sobre mensagens não solicitadas no âmbito da rede mundial de computadores (internet).

PLS 146/2007
Dispõe sobre a digitalização e arquivamento de documentos em mídia ótica ou eletrônica, e dá outras providências.

PL 2.246/2007
Veda o uso de telefones celulares nas escolas públicas de todo o país.
 

PL 2.339/2007
Altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, na parte relativa ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

PL 2.634/2007
Dispõe sobre a implantação do Sistema Nacional de Cadastro da Saúde a ser utilizado no armazenamento e gerenciamento, on line, dos registros clínicos dos pacientes.

PLS 121/2008
Proíbe as empresas de cartões de pagamento de autorizarem transações relacionadas com jogos de azar e pornografia infantil via rede mundial de computadores.

PLS 296/2008
Obriga os estabelecimentos de locação de terminais de computadores a manterem cadastro de seus usuários.

PL 2.899/2008
Obriga as operadoras de telefonia fixa e móvel ao pagamento de multa em razão de danos decorrentes da ineficiência em garantir a privacidade de seus usuários.

PL 3.030/2008
Dispõe sobre o uso de criptografia em peticionamento eletrônico.

PL 5.298/2009
Dispõe sobre a identificação dos usuários dos serviços de correio eletrônico.

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