Serviços públicos

Livre concorrência pode prejudicar consumidor

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6 de maio de 2010, 10h15

Apesar das premissas de livre mercado serem hoje quase uma unanimidade, a defesa da concorrência justa nem sempre quer dizer inibir atos de concentração. Monopólios podem muito bem servir tanto ao interesse do consumidor quanto ao do Estado. Um deles é o dos cartões de crédito no Brasil, cujo mercado é majoritariamente dividido entre apenas duas bandeiras. A inexistência de fragmentação, no entanto, permite ao fisco federal, por exemplo, manter o controle sobre todas as operações, além de ter funcionado para levar o serviço a todos os cantos do país.

A avaliação foi feita pelo ex-ministro da Fazenda e hoje deputado federal Antonio Palocci Filho (PT-SP), em seminário que inaugurou o novo Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, em São Paulo. O evento, dedicado ao debate sobre concorrência, aconteceu nesta terça e quarta-feiras (4 e 5 de maio), e reuniu especialistas e autoridades sobre o tema. O Cedes é um fórum recentemente criado no país com o apoio da iniciativa privada, sob a direção de João Grandino Rodas, especialista em Direito Empresarial e reitor da Universidade de São Paulo.

A tônica do debate foi levantada pelo advogado Tércio Sampaio Ferraz, especialista em Direito Empresarial, que também palestrou. Segundo ele, hoje a questão da concorrência está amalgamada à dos direitos do consumidor. “A própria lei que regula a concorrência tem função social, por proteger o consumidor”, disse o advogado.

Para o deputado Antonio Palocci, no entanto, há exemplos de monopólios benéficos ao consumidor. Segundo ele, no caso de uma abertura de mercado para a operação do transporte público, ocorreria um caos no sistema. “Com a desregulamentação, possivelmente as vans cobrariam menos pelo serviço no começo, até quebrarem as empresas de ônibus. Depois, aumentariam seus preços indiscriminadamente”, exemplificou. Isso porque há filões de mercado que são regulados pelo Estado e precisam ser operados por apenas alguns participantes. No que chamou de monopólios naturais, o ex-ministro inclui também o setor de aviação e de energia elétrica. “Slots livres nos aeroportos não ofereceriam segurança.”

Outro setor que, embora já tenha sido aberto, permanece sob “monopólio natural” é o de exploração de petróleo, em que a Petrobrás dá as cartas no Brasil. Para Palocci, setores que demandam pesquisa tecnológica e científica precisam de investimentos de massa, o que só é possível por meio de concentrações. O mesmo ocorre no setor farmacêutico. “Regulamentação de direito de patente, por exemplo, garante a sustentação da inovação”, afirmou. “Em setores que operam com economia de escala, a concentração é extremamente benéfica para o consumidor.”

Para Tércio Sampaio Ferraz, a fusão entre as cervejarias Antarctica e Brahma, que causou temor de monopólio no setor de bebidas, não só não quebrou outras marcas, como Kaiser e Schincariol, como permitiu a entrada do produto em outros países, como a Argentina. “Também não houve alteração nos preços, e outras cervejarias pequenas cresceram”, avalia. O advogado trabalhou na fusão que deu origem à Ambev.

De outro lado, ele citou um exemplo de como a livre concorrência pode ser prejudicial ao usuário dos serviços. No caso das operadoras de telefonia celular, para manter os preços competitivos, as empresas reduzem a qualidade dos serviços. “Quando a banda não suporta a demanda, bloqueia o serviço ao usuário, com a famosa frase ‘esse número de telefone não existe’”, diz, irônico.

Palocci também se mostrou contrário à ideia de estímulo à concorrência no setor bancário. Segundo ele, a carta branca dada ao setor imobiliário nos Estados Unidos foi o que deflagrou a última crise financeira mundial, devido à falta de controle. “Acreditou-se haver uma teia de relações que protegeria o sistema, mas o que houve foi uma implosão generalisada”, diz.

De outro lado, o deputado também rebateu as propostas de super-regulamentação do setor financeiro. “Tabelamento de preços promoveria a maior das mamatas do sistema. De quem o banco cobrava menos, vai cobrar mais. Já quando o risco ficar mais alto que o retorno, a instituição simplesmente não vai emprestar”, opina.

Conselho soberano
Tema que permeou as discussões nos dois dias do evento, o questionamento judicial de decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça não é visto como um problema para Antonio Palocci. Segundo ele, nos Estados Unidos, de onde importamos nosso modelo de agências reguladoras, não existe órgão assemelhado ao Cade. “Todos os procedimentos vão para a Justiça. Não há problema com a quantidade de recursos, porque é assim que se forma uma sabedoria jurídica no país”, afirmou. “Debates que percorrem as instâncias do Judiciário tornam as instituições mais fortes.”

Pela manhã, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, havia dito que o excesso de intervenções judiciais questionando decisões do Cade não contribui para um “Estado respeitável”. Ele sugeriu que apenas os tribunais tivessem competência para avaliar essas questões, o que dependeria de novas reformas no Judiciário.

Quem também não concordou com a ideia do ministro do Supremo foi um ex-colega, o atual ministro da Defesa Nelson Jobim, que já presidiu o STF. À revista Consultor Jurídico, ele afirmou que a supressão da primeira instância nos julgamentos desse tipo aceleraria o processo, mas apenas por eliminar uma das fases, o que não resolve para quem espera anos para que os acórdãos do Cade tenham efeito definitivo.

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