Crise de formação

"Juiz se guia por premissas, não pela prática"

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6 de maio de 2010, 17h40

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, criticou, nesta semana, o questionamento excessivo no Judiciário de decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade. Para ele, há uma distância entre o conhecimento técnico dos conselheiros e o dos juízes. A afirmação gerou debates em um seminário sobre Direito Concorrencial, que ocorreu em São Paulo. Em palestra feita no evento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, fez coro com Jobim, sugerindo que ações dessa natureza tramitassem somente a partir da segunda instância federal. Mais tarde, o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP) discordou, dizendo à plateia que a judicialização fortalece o que chamou de “sabedoria jurídica” concorrencial.

Responsável pela polêmica, o próprio ministro Nelson Jobim se encarregou de explicar a afirmação, diante do mesmo público que ouviu, durante dois dias, especialistas em concorrência no seminário de lançamento do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, em São Paulo. O novo fórum empresarial é dirigido pelo reitor da Universidade de São Paulo e ex-presidente do Cade, João Grandino Rodas, e tem apoio da iniciativa privada.

Para o ministro da Defesa, a dificuldade dos juízes em entenderem questões de Direito Econômico está na formação do magistrado. “A ordem jurídica aprendida é a do Direito romano-germânico, enquanto a natureza do Direito Econômico está no common law norteamericano”, explicou. “O ingresso na magistratura tem competência prometida, e não demonstrada”, disse o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. De acordo com ele, os juízes brasileiros, em sua maioria, não têm formação em economia.

O direito, no sistema do common law, é positivado por decisões dos tribunais, com base em usos e costumes, e não em atos legislativos. A jurisprudência é o fundamento que aperfeiçoa o entendimento. Já o direito romano-germânico, adotado no Brasil, vai buscar nas normas sua principal sustentação.

Isso faz, na sua opinião, com que os juízes não se responsabilizem por seus atos. “Juízes se comprometem com premissas, e não com consequências práticas”, diz. “É o que leva um juiz a dizer, depois de decidir, estar em paz com sua consciência”, afirmou. O presidente do Cedes, João Grandino Rodas, concordou. Segundo ele, o objetivo do novo centro de estudos é justamente analisar os resultados práticos das demandas jurídicas.

Para Jobim, que já foi deputado federal pelo PMDB e relator do texto da Constituição Federal, o método usado pelo Legislativo para a elaboração de normas só piora essa relação. “Quanto mais ambígua é uma norma, mais votos ela recebe”, resume. “Isso causa arrepios à academia.” Segundo ele, é comum a preferência por adjetivos e advérbios que não querem dizer absolutamente nada. O ministro chegou a deixar a tribuna, iluminada por refletores, para falar sentado à mesa dos debatedores. “A luz no rosto me dá vontade de confessar”, disse, causando risos.

As limitações dificultaram a inclusão das agências reguladoras na Constituição, conta o ministro. Importada dos EUA, a ideia não encontrava lugar na tripartição de Poderes, já que não se adequava a nenhum. “Agências existem para atender necessidade da lei, e não do governo”, disse. Acabaram vinculadas ao Executivo, mas como autarquias autônomas. O mesmo vale para os tribunais de contas, como comparou o ministro em entrevista à ConJur. A discricionariedade dos tribunais tem sido questionada abertamente pelo Executivo, que reclama de decisões que atrasam a conclusão de obras públicas.

Durante sua palestra, Jobim demonstrou cansaço. Depois de ocupar posições de destaque na cúpula dos três Poderes federais, como deputado, ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal e agora ministro da Defesa, ele afirmou ser o cargo atual “a última rua pela qual espero passar”. Questionado pela ConJur, desconversou. “Vou até onde minha mulher deixar.”

Para o desembargador Carlos Abrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, dizer que os juízes desconhecem a lógica concorrencial não corresponde à realidade. “O ministro Jobim que é da Defesa tem o viés de atacar porque desconhece os fundamentos da Escola da Magistratura e as parcerias feitas para dotar o juiz de prática nas áreas de economia, administração e afins”, afirma. A judicialização das decisões ocorre, segundo o desembargador, porque não há contencioso administrativo, e se a Justiça fosse ágil ninguém a procuraria para eternizar uma causa.

“É fundamental criar o contencioso administrativo, pois é inimaginável e incompreensível que o procedimento administrativo depois de uma longa tramitação não sirva para absolutamente nada se a Justiça der uma simples liminar. As decisões do Cade deveriam ter relevo e somente caberia liminar pelo colegiado do Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal. Mesmo assim que ela perdurasse por 180 dias, e se não houvesse julgamento, automaticamente perderia sua eficácia”, sugere.

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