Vida pregressa

Especialistas divergem sobre ficha suja

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6 de maio de 2010, 20h14

O procurador geral da República, Roberto Gurgel, e o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Fernando Neves, discordam do juiz Marcelo Roseno, do Ceará, e entendem que é possível impedir a eleição de candidatos que respondem a processos penais e de improbidade administrativa. Os três especialistas participaram, nesta quinta-feira (6/5), do painel “A vida pregressa dos candidatos, aspectos constitucionais”, no Congresso Brasileiro sobre Direito Eleitoral, que acontece em Brasília.

O debate sobre a vida pregressa dos candidatos ganhou força nas eleições municipais de 2008, quando vários tribunais entenderam que os juízes eleitorais poderiam analisar as fichas dos candidatos. O TSE decidiu que não seria auto aplicável o artigo 14, parágrafo 9º da Constituição Federal e a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF 144. Segundo o juiz Marcelo Roseno,”o STF interpretou de forma muito ampla o conceito da presunção de inocência e entendeu que não seria possível barrar as candidaturas dos candidatos que a opinião pública chama de ficha suja”. .

Marcelo Roseno é autor de uma pesquisa publicada em 2008, na qual analisa a moralidade para o exercício do mandato, sob a luz da teoria dos direitos fundamentais. Para ele, o cidadão deve atender a três requisitos, se quiser concorrer a um cargo eletivo. “Deve atender às condições de elegibilidade, previstas no art. 14, parágrafo 3º da CF, e não incorrer a nenhuma hipótese de impedimento. Além disso, deve obter e manter o seu registro”. O juiz disse que percebe na justiça eleitoral “uma decisão de sancionar diversos ilícitos eleitorais com a cassação do registro ou do diploma”. 

O juiz eleitoral lembrou que a Constituição Federal (artigo 14, parágrafo 9º) remeteu à lei complementar a criação de hipóteses de inegibilidade, dando origem à LC 64/90, pela qual a inegibilidade no campo criminal só operaria efeitos após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A Emenda Constitucional de Revisão 1 de 1994 acrescentou os valores da probidade administrativa, moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.  

Para Marcelo Roseno, mesmo com a Emenda de 94, não houve nenhuma alteração na LC 64/90. Com base nas leis vigentes, “a Justiça Eleitoral não pode barrar candidaturas”, disse. E não seria somente por considerar a presunção de inocência. Para ele, “não há lei que fixa o que seja vida pregressa do candidato. No campo criminal nós temos o critério do artigo 1º, inciso I, alínea “e” (CF), mas sob o aspecto da improbidade administrativa não temos lei”, disse. E no entendimento do STF, fica ainda mais difícil, pois não se restringe ao campo penal. “O Supremo entende que nem lei complementar poderia fixar inegibilidade antes do trânsito em julgado”.   

Falta legislação
O procurador geral da República, Roberto Gurgel, discorda. Para ele, mesmo com o quadro normativo atual “é possível sim, impedir que candidatos com folhas penais possam vir a se tornar parlamentares”.  Gurgel disse que o MP não desconhece as dificuldades diante do STF, mas os procuradores vão insistir em cobrar a ficha limpa dos candidatos. “Não há mais como tolerar que persista a eleição dessas pessoas”, disse. Segundo ele, o MP não se conforma “com o primado da presunção de inocência, na medida que vem de encontro aos postulados constitucionais, a moralidade e a probidade para o exercício do mandato, que são pressupostos intrínsecos à elegibilidade”.

Roberto Gurgel disse que razões invocadas, como a presunção de inocência, “na verdade escondem razões de conveniência pessoal”. Se referindo à campanha popular que deu origem ao projeto de lei 518/2009, que conta com mais de dois milhões de assinaturas, o PGR afirmou que “é preciso aproveitar o momento de uma mobilização sem precedentes da sociedade e tirar proveito dessa vontade social que pressiona o Legislativo e o Judiciário”. Mas, Roberto Gurgel defende uma atuação incisiva do Ministério Público e parece não acreditar na aprovação do projeto. “Dificilmente teremos a solução mais adequada, do ponto de vista mais ortodoxo, porque essa depende do Legislativo que, infelizmente, nesses momentos acaba impedido, ainda que por uma minoria, não exercitando adequadamente as suas atribuições”. 

Princípios fundamentais   
O advogado Fernando Neves, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral, considera possível construir uma restrição constitucional à elegibilidade que não parta do transito em julgado da sentença condenatória. Neves entende que a atuação do MP, anunciada pelo PGR, ainda que não obtenha êxito, será importante “na medida em que vai dar transparência e vai dar informação ao eleitor que é o grande responsável pela escolha dos candidatos”. Mas, disse que não acha prudente deixar a critério do juiz eleitoral a definição do que é falta de moralidade para o exercício da função pública, porque o entendimento dos tribunais são muito diversos, com exageros por parte de alguns juízes.

O ex-ministro do TSE entende que inegibilidade não pressupõe culpa. “Alguém pode ser inelegível por vários tipos de impedimento que não estão ligados à culpa”, disse. Entre os exemplos, citou o parentesco ou o exercício de função pública, a falta de filiação partidária e domicilio eleitoral. “Outro empecilho é a sentença condenatória transitada em julgado, porque tem como conseqüência constitucional a suspensão dos direitos políticos”.

Para Fernando Neves, o princípio da presunção da inocência “diz respeito a cumprimento de pena que resulta do processo criminal. O magistrado quando é submetido a processo criminal, no recebimento da denúncia é afastado da função e não há decisão transitada em julgado. O próprio STF, no caso do ex-presidente Collor, confirmou a pena aplicada pelo Congresso Nacional, de perda de direitos políticos por oito anos, sem sentença condenatória transitada em julgado”.

Com base na Constituição, Fernando Neves disse que é possível aplicar a inegibilidade sem sentença condenatória. Ele combina o princípio fundamental previsto no artigo 1º da CF, de que toda eleição se dará pelos termos da Constituição, com o artigo 14, parágrafo 9º, pelo qual se deve proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa dos candidatos. “Essa representação se dá nos termos desses dispositivos”,  afirmou. “O princípio da presunção da inocência não pode ser utilizado para negar um direito ao cidadão de ver respeitado outro princípio que tem a ver com cidadania, soberania, moralidade pública e com a coisa pública”, concluiu o advogado.  

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