sistema prisional

Legislativo não consegue evitar colapso a curto prazo

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1 de maio de 2010, 14h00

[Editorial publicado na edição deste sábado (1/5) no jornal O Estado de S.Paulo]

Sem condições técnicas e orçamentárias de expandir o número de vagas do sistema prisional no mesmo ritmo em que aumentam as prisões que têm sido feitas pela polícia e as condenações judiciais, o governo federal elaborou projeto para autorizar o monitoramento eletrônico de 80 mil presos – o equivalente a um quinto da população carcerária do País. A medida terá por objetivo desafogar os estabelecimentos penais, liberando criminosos de baixa periculosidade, que seriam controlados por tornozeleiras eletrônicas.

Por causa da superlotação e da insalubridade das prisões, o Brasil foi recentemente denunciado por ONGs ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Além de criticar o governo por não ter implantado o protocolo da convenção contra a tortura, de 2007, a entidade exige das autoridades brasileiras providências urgentes para coibir maus-tratos nos presídios.

Esta não foi a primeira vez que o Brasil sofreu uma denúncia num organismo multilateral por desrespeito aos direitos dos presos. Há alguns anos, a situação carcerária do Espírito Santo, onde foram descobertos presos encarcerados em ônibus, adolescentes detidos em contêineres e uso de tranquilizantes em unidades de internação de menores infratores, foi objeto de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

O sistema prisional abriga quase 480 mil presos e tem um déficit estimado em cerca de 180 mil vagas. E, como o número de detidos e apenados vem crescendo a uma taxa de 7,3% ao ano, não há investimento em ampliação no número de carceragens e penitenciárias que dê conta da demanda. Entre 1995 e 2009, o número de presos triplicou. Por causa da superlotação, os estabelecimentos penais não conseguem educar os presos, para que possam ser reintegrados ao convívio social. Esse é um dos fatores responsáveis pela alta taxa de reincidência criminal no País, que se situa em torno de 70% (ante 16% na Europa e nos EUA). Foi por isso que, há uma semana, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, afirmou que o modelo penitenciário brasileiro está próximo da "falência total".

Para tentar evitar esse colapso, o governo federal prometeu liberar, nos próximos dias, R$ 470 milhões para a construção de centros de detenção provisória, que irão acolher 32 mil presos que hoje se encontram amontoados em delegacias de polícia. Dispondo de apenas 15 mil vagas, as carceragens policiais estão tão abarrotadas quanto os presídios, abrigando 58 mil pessoas que aguardam o julgamento, segundo estimativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), subordinado ao Ministério da Justiça. O problema é que, por incompetência administrativa, falta de projetos adequados e entraves ambientais, vários Estados não conseguiram sequer gastar os recursos já repassados pela União. Segundo a Caixa Econômica Federal, algumas unidades da Federação mantêm parados R$ 806 milhões destinados à construção de presídios.

A crise do sistema prisional foi agravada, nos últimos anos, pelas mudanças ocorridas no perfil da criminalidade. Entre 2000 e 2010, o número de presos envolvidos com tráfico de drogas pulou de 9% para 22% da população carcerária. Isso ocorreu porque, em face da expansão do narcotráfico, em 2006 o Congresso aumentou o rigor da legislação penal, elevando a pena mínima de três para cinco anos de reclusão para os traficantes e limitando a concessão de liberdade provisória. Essa conjugação de sanções mais severas e menos benefícios agravou o problema da superlotação do sistema prisional. E, para tentar desafogá-lo, o Executivo, caminhando numa linha oposta à adotada pelo Legislativo há quatro anos, quer substituir o encarceramento pela coerção eletrônica, por meio de tornozeleiras.

A ideia não é nova. Há vários projetos sobre a matéria no Congresso. E a decisão do governo de preparar mais um, a oito meses do término do mandato do presidente Lula, mostra que legisladores e dirigentes não conseguem se entender nem dispõem de alternativas de curto prazo para evitar o colapso do sistema prisional.

 

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