Consultor Jurídico

É absurdo todos advogados serem grampeados por erros de poucos

29 de junho de 2010, 15h48

Por Paulo Magalhães de Araújo

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Ao exercer plenamente seus direitos constitucionais de liberdade de pensamento e expressão o juiz federal em Mato Grosso do Sul Odilon de Oliveira declarou em artigo no site da ConJur: “Existem bandidos que se tornam advogados (…) vivem a enlamear a beca que vestem”. Ainda com relação a classe dos advogados disse: “… como em toda profissão, há malfeitores”. Isso para explicar e justificar autorizações judiciais de escutas indiscriminadas de advogados, tanto de investigados quanto de qualquer profissional do Direito que viesse a se comunicar com algum preso recolhido no Presídio Federal de Campo Grande/MS.

Não resta dúvida que o magistrado conhecido na mídia nacional como “Paladino da Justiça” pela condenação e sequestro de bens de inúmeros indivíduos da região da fronteira do Brasil com o Paraguai (a maioria absolvidos pelos Tribunais Federais por falta de provas ou irregularidades nos procedimentos) tem razão quanto a existência de maus profissionais em todas as carreiras. No caso dos juízes, por exemplo: alguns poucos vendem sentenças, outros promovem extorsões, alguns desviam valores do erário, exigem dinheiro para “facilitar a vida” de presos etc. Porém seria absurdo admitir que: devido a existência de poucos bandidos que se tornaram juízes todos os demais, honestos e honrados, tivessem seus telefones “grampeados” ou autorizadas escutas em seus gabinetes. Então questiona-se: porque uns poucos advogados bandidos podem servir como mote para autorizar que todos os demais sejam monitorados, bisbilhotados e desconhecida suas prerrogativas?

As associações de juízes (nacional e federais) e de procuradores da República têm se manifestado favoráveis ao monitoramento e gravação de entrevistas entre advogados e seus clientes, contudo não esclarecem à população que estes “acompanhamentos” autorizados judicialmente e que são o cerne da celeuma na maioria não estavam afetos a advogados investigados ou suspeitos de pratica criminosa. As autorizações judiciais ofertadas pelos juízes federais de Mato Grosso do Sul diziam respeito aos presos e a todos que mantivessem contato com eles. Dessa forma, o certo, como a monitoração e as gravações autorizadas objetivavam àqueles que visitavam os presos (parentes ou amigos), quando estes fossem se entrevistar com seus advogados (que não estivessem sendo investigados) os equipamentos deveriam ser desligados — cumprindo desta forma o que determina a lei com referência as prerrogativas dos defensores.

O fato de haver ordem judicial para determinada ação não quer dizer que obrigatoriamente se trata de algo legal. Se a ordem judicial não tem respaldo, se foi expedida à revelia da lei, se não é especifica para advogados investigados e sim genericamente para todos os advogados, então trata-se de uma ordem ilegal — não obstante ser judicial é absurda, irregular.

Se assim não fosse, o abuso de autoridade e até a pena de morte estariam legalizados no Brasil. Imagine um juiz que expede mandado de prisão ou de busca e apreensão contra determinada pessoa com a finalidade de intimidá-lo ou constrangê-lo — terá expedido uma autorização judicial, contudo ilegal, sem respaldo. Da mesma forma se uma determinada autoridade judiciária determinar a execução, através de autorização judicial, de um indivíduo sob a alegação de que ele é um perigo para a sociedade não torna a morte desta pessoa legal. Então porque se está tentando iludir a população que as gravações efetuadas no interior do Presídio Federal de Campo Grande pelo simples fato de terem sido executadas com autorização judicial são legais e devem ser aceitas como tal?

Outro detalhe que precisa ser devidamente esclarecido é o fato dos presos estarem sendo monitorados em seus momentos íntimos quando mantém relações sexuais com suas companheiras. As associações dos juízes e procuradores da República alegam que não são verdadeiras as afirmações sob o argumento de não existência de gravações dessas imagens que comprovem haver sido desrespeitado o direito de intimidade dos presos. O que essas associações deveriam trazer à baila e esclarecer aos desavisados é que o monitoramento se difere da gravação. Monitorar é ver, ouvir sem gravar — como se fosse uma babá eletrônica ou aquelas câmeras instaladas nos condomínios para visualizar os carros que entram e saem das garagens em que os porteiros acompanham a movimentação mas não existe nenhum equipamento gravando as imagens.

No caso específico das câmeras instaladas nas celas íntimas denunciadas pelos ex-diretores do Sindicato dos Agentes Penitenciários Federais os juízes federais que atuam (ou atuaram) como corregedores do Presídio Federal de Campo Grande sabem perfeitamente que o equipamento instalado e denunciado não é o equipamento original — aquele autorizado e montado pelo Ministério da Justiça quando da construção do prédio da prisão. Os diligentes juízes federais sabem perfeitamente (devido aos documentos que tem em mãos — depoimentos, relatórios, perícias …) que as câmeras oficiais instaladas nas celas íntimas pela administração pública foram retiradas por ordem expressa da própria administração e deveriam saber que assim procedeu o DEPEN ao identificar o mau uso dos equipamentos. As câmeras denunciadas pelos membros do sindicato dos AGEPENs foram instaladas à sorrelfa, clandestinamente, sem autorização oficial e muito menos judicial depois da retirada das câmeras oficiais por ordens superiores. Se estas câmeras clandestinas não eram autorizadas, se foram colocadas à revelia, não precisa ser muito inteligente para perceber que estavam sendo utilizadas de forma não regulamentar, criminosamente. E mais, se essas câmeras “particulares” estavam disponíveis (e ainda estão até hoje) nas celas onde os presos mantém relações sexuais, certamente alí não se encontram para gravar festas de aniversário ou casamento — pelo menos a lua de mel d´algum detento importante para satisfazer a lascívia de quem as utiliza (ou utilizou). O que não se entende é o esforço hercúleo, quase desesperado, que os juízes federais de Mato Grosso do Sul estão a empreender para negar a utilização das câmeras clandestinas, colocando em risco a própria credibilidade e das instituições que os apoiam.

Quanto ao risco de sequestro que teria passado o filho do presidente Lula, a Ministra Ellen Grace e outras autoridades tão propalado por todos os interessados na aceitação das gravações como fato de importância primordial para a segurança pública, o tal conluio entre Fernandinho Beira-Mar e Juan-Abadia para o cometimento de diversos crimes e o envolvimento de advogados neste “plano”, seria de bom alvitre àqueles que estão a apoiar o assassinato do Estado de Direito, da democracia, da Constituição Federal e demais leis deste país que leiam com atenção toda a “Operação X”. Antes de prestarem indiscriminadamente apoio aqueles que parecem estar sendo injustamente atacados, confirmem se são verdadeiras as suposições trazidas à público conferindo datas, observando onde se encontravam recolhidos os envolvidos e se podiam ter contato entre sí, comprovando se existem gravações de áudio e vídeo que dê suporte as lucubrações sobre a tal conspiração, esclarecendo se os advogados monitorados foram presos, indiciados, denunciados ou tinham algo a ver com a fábula. Quem sabe ao final, confrontado os fatos comprovados materialmente (através de documentos) com as estórias contadas sem suporte para desculpar ato falho haverá de ser descortinado que a “Operação X” é tão “verdadeira” quanto o “ataque” ao Presídio Federal que nunca existiu.

No que se refere especificamente a Associação Nacional dos Procuradores da República o posicionamento da instituição não podia ser diverso — tem obrigação moral de apoiar os juízes federais sul-mato-grossenses. Isso porque devem saber que agentes penitenciários buscaram suporte com os procuradores da República no Mato Grosso do Sul e informaram que determinado preso havia afirmado que o traficante Juan Carlos Abadia havia sido compelido a pagar U$ 4 milhões de dólares para não ser prejudicada sua extradição para os EUA e o Ministério Público Federal não foi capaz de reduzir a termo as declarações dos agentes, não se interessou pela declaração do preso (que estava escrita), não tomou nenhuma providência para apurar se verdadeira ou fictícia a versão de extorsão. Coincidentemente alguns dias passados o referido preso que delatava a pratica criminosa foi transferido às pressas para uma penitenciária do interior de São Paulo e o s agentes penitenciários que informaram o fato à Procuradoria da República proibidos de ter contato com demais presos no presídio — certamente para que não tomassem conhecimento de outras irregularidades. O que está em jogo não é se houve ou não a exigência do dinheiro, a questão é saber porque os “Fiscais da Lei” federais não tomaram providências, restaram inertes e não se interessaram em buscar a verdade dos fatos — ao menos se os agentes penitenciários estavam procedendo a falsa comunicação de crime.

E isso é somente a ponta do iceberg. Inúmeros outros fatos foram acobertados, práticas criminosas sepultadas, procedimentos criminais e administrativos desvirtuados, dependendo apenas de uma investigação isenta de corporativismo e dirigida à busca da verdade para esclarecer os fatos.

Finalmente não poderíamos encerrar sem admitir concordar com o juiz federal Odilon de Oliveira que advogados bandidos devem ser tratados como bandidos, assim como juízes marginais como marginais, mentirosos como ímprobos e honestos como tal. Cada um com a sua parcela de responsabilidade. O que não é possível admitir é desvirtuar a lei, acobertar ilegalidades, ultrapassar os limites da decência, utilizar o serviço público para satisfazer interesses pessoais, desconhecendo a lei maior que rege nossa nação.

O juiz é a peça mais importante da Justiça quando é puro, quando busca a verdade, quando está imbuído do sacerdócio. Todavia quando se traveste, quando mente, quando subtrai a verdade acaba por enlamear a toga, assim como o mau advogado enlameia a beca.