Conversa em parlatório

Gravação afronta estado democrático de Direito

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28 de junho de 2010, 9h20

Assistimos, estarrecidos, nos últimos dias, denúncias sobre violações de prerrogativa da advocacia, como as instalações de equipamentos para gravação de vídeo e áudio em parlatórios onde ocorrem as conversas entre os advogados e seus constituintes dentro dos presídios federais do país, sob a alegação de secombater a suposta prática do crime organizado. Esses lamentáveis episódios que vêm acontecendo no Mato Grosso do Sul e no Paraná representam um atentado contra a privacidade, a  intimidade do preso, configurando crime, por infringir vários dispositivos da Lei 9.296/1996, além de ofender ao Estatuto da Advocacia, e também à Constituição Federal. Por isso, o Presidente da Sociedade de Advogados Criminais do Estado do Rio de Janeiro (Sacerj), Antonio Carlos Barandier, manifestou, em nota: “o seu repúdio à medida que afronta o Estado Democrático de Direito, insulta a Constituição, contunde as prerrogativas dos Advogados e dos encarcerados, proclamando o caminho do autoritarismo”.

Da mesma forma, o presidente da da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio de Janeiro, Wadih Damous, em pronunciamento acerca dos fatos, considerou inaceitável a gravação das conversas  entre o cliente e advogado nos presídios do Brasil, ressaltando, ainda, que a Resolução 8, de 30 de maio de 2006, do Conselho de Política Criminal e Penitenciária, determina o cumprimento dos princípios constitucionais conferidos aos presos, sobretudo, no que diz respeito à inviolabilidade da privacidade dos seus encontros com os advogados, em todas as unidades prisionais.

A entrevista pessoal e reservadamente do advogado com seu cliente longe de ser um privilégio é prerrogativa legítima, jamais se admitindo, em qualquer hipótese, sua quebra. É bom lembrar que o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética da OAB preveem como apanágio o direito e o dever de guardar sigilo profissional. Tal postulado é universal nos países civilizados, não podendo ser considerado um benefício atribuído ao advogado, mas, ao contrário, constitui uma garantia constitucionalmente assegurada a fim de se alcançar um julgamento justo ao réu, com a plenitude do direito de defesa.

Convém lembrar que o Brasil é signatário de Convenções e Tratados Internacionais, ratificados pelo Congresso Nacional, os quais consideram os tratamentos humilhantes, atingindo a tutela da privacidade e da intimidade, aplicados às pessoas segregadas, sob a custódia do Estado, delitos contra a humanidade. Ademais, a Corte Européia de Direitos Humanos já  entendeu que o segredo profissional se encontra resguardado no âmbito internacional, pois sua inobservância envolve o rompimento de direitos absolutos e inalienáveis, estando estes na mesma hierarquia dos interesses públicos pr evistos no Estado Democrático de Direito. Logo, a mencionada medida ilegal adotada pelo governo deverá ser examinada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

A Suprema Corte no pedido de  Extradição de Cesare Battisti decidiu que as limitações estatais não servem de justificativa para concretizar desrespeitos a direitos fundamentais dos presos, especialmente quanto ao exercício da inviolabilidade de comunicação particular entre o advogado e seu cliente. O Ministro Celso de Mello assim especificou: “O acesso a tais direitos, na realidade, há de ser assegurado, sempre, sem qualquer discriminação, a todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros (independentemente de sua condição social, econômica ou funcional), que, eventualmente, se achem sob a custódia do Estado”.

Inadmissível num Estado Democrático de Direito permitir a inobservância da inviolabilidade do advogado, pois ele é indispensável à administração da justiça (artigo 133 da CF), prestando um serviço público, além de exercer função social na causa de seu constituinte. Tal violação atinge o direito de defesa, a legalidade, comprometendo ainda a independência e a liberdade, compromissos que compõem a trincheira de desempenho profissional do advogado. Como adverte Ruy de Azevedo Sodré: “sem liberdade, não há advocacia. Sem a intervenção do advogado não há justiça. Logo, a atuação do advogado é condição imprescindível para que funcione a justiça”.

[Artigo alterado às 14h para acréscimo de informações]

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