Função social

Empresa e sociedade devem conciliar seus interesses

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27 de junho de 2010, 7h08

A sociedade passa por um momento de transformação, no qual o objetivo maior deve ser de coordenação de interesses. Portanto, além daqueles individuais do empresário, os interesses da sociedade também são legítimos e devem ser atingidos. É o que afirma o desembargador do Tribunal Federal Regional da 2ª Região, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao alertar que o não cumprimento deles pode incorrer desrespeito às normas da Constituição Federal.

"Vivemos em um regime capitalista, com a livre iniciativa e busca legítima ao lucro, mas também voltado para interesses maiores, da própria sociedade como um todo", pondera o desembargador, que falou sobre "Função social da empresa: noção, configuração e efeitos práticos" em palestra promovida pelo escritório Souza, Cescon, Barrieu e Flesch Advogados, em São Paulo.

A expressão função social, como explica o desembargador, abrange obrigações empresariais que envolvem as áreas ambiental, trabalhista, consumerista e concorrencial, e está prevista na Lei das S.A. (Lei 6.404, de 1976), no Código Civil, na Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101, de 1995) e ainda na Constituição Federal, “no artigo 170, quando trata dos princípios da ordem econômica, ainda que implicitamente”, interpreta Nogueira da Gama.

Função social da empresa e responsabilidade social são dois conceitos que não podem ser confundidos, alerta o desembargador. A segunda, apesar de não ser uma obrigação, é uma forma de atingir o reconhecimento da sociedade. “Em uma viagem aos Estados Unidos, perguntei onde deveria comprar um computador. Uma loja foi indicada em detrimento da outra que demitia os funcionários e não pagava recisões trabalhistas”, exemplifica.

Para ele, responsabilidade social é um novo paradigma. “Antigamente o objetivo era pura e simplesmente o lucro, sem qualquer outra consideração. Agora, o empresário e a própria sociedade empresária passam a ter outras referências. O lucro ainda é objetivo fundamental, mas pode haver uma consciência ambiental, respeito às normas de proteção ao trabalho e a normas mínimas de concorrência legítima”, aponta.

Ao citar notícia do jornal O Globo sobre incentivos estatais para empresas que seguem as boas práticas da responsabilidade social, o desembargador afirma que o momento começa a se mostrar propício para empresas que tenham essa consciência. A reportagem dizia que o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) concederá empréstimos com juros menores para empresas que seguem as boas práticas sócioambientais estipuladas pelo Inmetro.

Segundo Nogueira da Gama, “o empresário começa a criar consciência no sentido de tentar resolver, voluntariamente, sérios problemas sociais. Com isso, aquele que age dentro das boas práticas, terá acesso a um financiamento com juros mais baixos, o que trará benefícios para a própria concorrência”.

Mas o entendimento do Judiciário para função social também precisa ser correto para não causar insegurança jurídica. Um advogado que assistia à palestra na plateia afirmou que a Justiça Trabalhista costuma aplicar esse conceito de uma forma errônea, ao não permitir que um funcionário seja demitido. Em sua resposta, o desembargador explica que no período de transformação, “muita coisa acaba sendo mal interpretada. Ocorrem sem dúvida alguns abusos”.

Nogueira da Gama afirma que a legislação trouxe para o ordenamento jurídico a noção de preservação da empresa, e por isso, os casos devem ser analisados concretamente. “Para a empresa continuar funcionando, às vezes, é preciso tomar medidas drásticas, como a redução do número de trabalhadores, o que vai beneficiar os que não foram demitidos”, observa. “Trata-se de harmonização de interesses, e não um em detrimento do outro”, completa.

A preservação da empresa também se tornou prioridade quando se trata de fraudes. Pela lei atual, se existe um caso de crime de gestão fraudulenta de uma empresa, a Justiça irá, em primeiro lugar, buscar os bens do “mau sócio”, e posteriormente, o da pessoa jurídica. Essa medida é a desconsideração da personalidade jurídica. “Dentro da função social da empresa, umas das vertentes é a sua preservação, então, ela deve ser preservada contra os maus sócios”, diz.

A legislação anterior previa que houvesse primeiro o esgotamento do patrimônio da empresa, para depois procurar o do sócio. “Aquele que utiliza da pessoa jurídica para praticar abusos e fraudes tem que ser punido, não como pessoa jurídica. Isso significa que devemos invadir primeiro o patrimônio do mau sócio, deixando bem claro que os outros não devem ser atingidos”, esclarece o desembargador.

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