Pedido do paciente

Eutanásia está cercada de polêmicas e dissonâncias

Autor

  • Thiago Alves Miranda

    é doutorando em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ) mestre em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM/MG) pesquisador visitante no grupo de pesquisa em Direitos Humanos e Vulnerabilidade pela Universidade Católica de Santos-(UNISANTOS/SP).

26 de junho de 2010, 8h00

Fundamentado-se em estudos de diversos e renomados autores e na legislação vigente e atinente , portanto, cingindo pesquisa bibliográfica , enquanto metodologia, objetiva-se neste estudo , refletir sobre a eutanásia, adotando como ponto de partida o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o biodireito. Deste modo, fazendo compreender a eutanásia em face do ordenamento jurídico pátrio, usar-se-á como pilares para tanto, princípio constitucional e ramo do Direito que tem como imprescindível a vida desde a sua concepção .

Ver-se-á, portanto, entrelaçados os três institutos, cuidando-se de assinalar as suas principais características, incluindo as suas historicidades, revelando por fim o cenário de convergência e divergência que os circundam.

Nesta linha intelectiva e em seara conceitual, tem-se:

Eutanásia, apud Vieira (2000):

“A eutanásia, é o ato de terminar deliberadamente com a vida de um paciente, mesmo que a seu próprio pedido ou por solicitação de seus parentes próximos, é um procedimento que contraria a ética, não impedindo que o médico respeite a vontade do paciente de aceitar que o processo da morte obedeça seu curso natural na fase terminal da doença.”[1]

Princípio da dignidade humana, conforme preceituado por Moraes (2003):

"A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos." [2]

Biodireito, segundo Diniz (2006):

[…] "estudo jurídico que, tomando por fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os destinos da humanidade.” [3]

Em face das reflexões necessárias e referidas, natural fora, ao longo desse estudo, a elaboração de variadas questões, dentre as quais: O ordenamento jurídico brasileiro permite a prática da eutanásia? O princípio da dignidade da pessoa humana constante da nossa carta magna é assente quanto à eutanásia? O Biodireito pode ser considerado um novel ramo do Direito?

Ainda em sede de perscrutação, surgiu a denominada questão principal deste artigo, qual seja: A luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do biodireito, pode-se afirmar qual o tratamento jurídico dispensado a eutanásia no Brasil?

Isto dito infere-se que o presente estudo demonstra motivos merecedores de observação e que justificam a importância da pesquisa realizada quer seja na seara teórica, quer seja no campo prático.

Nesta esteira intelectiva, vê-se revelados estudiosos de disciplinas várias, dentre elas, o Direito. Estudiosos estes, preocupados não só com o caráter hodierno e efervescente do tema, mas dantes, com a plenitude do homem enquanto ser sobre o qual recaem deveres e prerrogativas.

Assim, e atentando-se para o atinente a um Estado Democrático de Direito, pode-se inferir que o mote escolhido é adequado às linhas de pesquisas do curso de pós-graduação pretendido, dentre outros motivos, por asseverar cogente a reverência aos princípios, as normas e disciplinas que norteiam o exercício de direitos e o cumprimento de deveres inerentes à vida.

Eutanásia, princípio da dignidade da pessoa humana e biodireito: breve histórico e sucintas considerações

Etimologicamente, o vocábulo eutanásia procede do grego (eu = boa, thanatos = morte), significando então "morte apropriada" ou "morte digna". Afirmam alguns estudiosos que o termo foi empregado pela prima vez no século II d.C. por Suetônico[4]. – Já outros, atribuem a autoria do termo a Francis Bacon (1623)[5] , visto que no século XVII, em sua obra intitulada : “História da vida e da morte”[6], trouxe o vocábulo à baila.

Assegurava Bacon[7] que: “o médico deve acalmar os sofrimentos e as dores não somente quando este traz a cura, mas também quando serve de meio para uma morte doce e tranquila”.

A eutanásia alcançou o seu auge em 1859 na Prússia, quando discutido um plano nacional de saúde e proposto que o Estado se responsabilizasse por prover os meios para a prática da intervenção em pessoas que desprovidas de competência para instá-la.

No Brasil, as faculdades de medicina da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, entre os anos de 1914 e 1935, produziram inúmeras teses abordando o assunto.

Pelo que analisado percebe-se que as atitudes diante da morte sofrem variantes, pois em consonância com a cultura, a ideologia, a religião e os dogmas impostos pela sociedade. Assim, quando se trata de direito a liberdade de escolha, o caso em questão suscita vozes diversas e ecoa pelos mais variados segmentos.

Para alguns, na prática a eutanásia não acastela a morte, apenas defende a escolha da mesma como opção exclusiva ou a melhor em dada circunstância; para outros é inconcebível buscar qualquer justificativa para a eutanásia, mesmo que seja com o escopo de defender o livre arbítrio.

Na linha do antagonismo vemos as seguintes posições:

Platão[8]: “a medicina deve se ocupar dos cidadãos que são bem constituídos de corpo e alma […], deixando morrer aqueles cujo corpo é mal constituído.”

Moraes (2000)[9] : “O direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como o direito de liberdade que inclua o direito à própria morte.”

Hoje, a terminologia eutanásia, segundo os especialistas resulta da interrupção da vida de um paciente, a seu rogo ou de parentes próximos, caracterizando-se para uns tantos como procedimento que busca por fim ao sofrimento de pessoa em estado terminal ou vegetativo e para outros como via aética e inaceitável, pois se dá à revelia do processo natural de aceitação da morte; conforme Oliveira (2001) [10]:

[…] “a eutanásia alcança três níveis de manobras para lidar com a morte:

1. Acabar com a vida indigna, na hipótese do autor proporcionar a morte da pessoa por entender que ela leva uma vida intolerável. É a hipótese do enfermo hostil e agressivo, afetado por uma esquizofrenia do tipo paranóide, caracterizada por idéias delirantes de perseguições e alucinações;

2. Acabar com a vida de doente sem perspectiva médica de alívio para suas intensas dores físicas ou torturas morais. É o que ocorre com o portador de câncer inoperável e multimetástico;

3. Acabar com a vida do paciente, antecipando-lhe a morte inevitável, que já estava em curso, na hipótese do prognóstico concluir que a pessoa está irremediavelmente chegando ao fim com cruciante agonia. É o caso do terrível acidente de trânsito que leva ao esmagamento da medula ou coluna raquiana da vítima".

Divide-se ainda a eutanásia em duas categorias, a depender dos elementos que a envolve, quais sejam: o desígnio ou intenção e o resultado da ação, daí decorre a “eutanásia ativa”, e a “eutanásia passiva” (ortotanásia)[11] , ou seja, a não concretização de ação terapêutica que apropriada em dada circunstância .

No que tange a legislação atinente, vale atentar para o que constante na nossa Constituição, visto que a esta assegura o direito a vida.


Porque oportuno, importa relevar, que interessa ao presente estudo o entendimento sobre a eutanásia em solo nacional, visto que possível esta prática em países outros a exemplo da Holanda e Espanha[12].

Constituição Federal

 

Malgrado preservar a Magna Carta o direito à vida no caput do artigo 5º; o direito à integridade física e moral e a dignidade humana no artigo 1º, inciso III; e a saúde como direito de todos e dever do Estado no artigo 196, respectivamente:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […] grifo nosso.

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…]

III – a dignidade da pessoa humana;

[13][

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 

É insuficiente a interpretação de natureza doutrinária e jurisprudencial a respeito da eutanásia no Direito Brasileiro.

Deve-se fazer ressalva, dentre outras, a interpretação de Pontes de Miranda[14], que preceitua a necessária defesa à integridade do corpo: […] “o objeto da integridade física pode consistir em não ser atingido o corpo da pessoa, e não a propriedade deste corpo, advindo daí que o direito à integridade corporal é um bem em si, protegido pelo Direito.”

Princípio da dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana é valor que norteia o ordenamento jurídico brasileiro e conforme o expendido preceituado no artigo 1º, inciso III da nossa Constituição. Deste modo, vê-se que se destinou àquela a condição de princípio, constituindo-se em inviolável; e ainda capaz de aglutinar outros ,a exemplo da liberdade, igualdade e a autonomia.

Neste ponto e focando-se no âmbito do Direito Constitucional, tratar-se-á do mote escolhido, alicerçando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, que é tido como principio constitucional basilar; sendo assim, capaz de nortear as demais normas do arcabouço jurídico.

Seguindo esta esteira intelectiva, vê-se o Estado como aquele que tem o dever de preservar a vida humana (bem jurídico supremo); isto é, o poder público está compelido a promover o bem-estar dos cidadãos e impedir que sejam mortos ou postos em situação de risco, conforme preceituam os referidos artigos da nossa Constituição Federal.

Deflui disto exposto, para alguns, que a ação da eutanásia seria ilícita, ante o ordenamento jurídico pátrio, visto que por sua natureza, provoca, direta ou intencionalmente, a morte de alguém enfermo. – Por conseguinte, jamais se consubstanciará lícito ceifar a vida de um paciente, nem sequer para não vê-lo sofrer ou não fazê-lo sofrer, ainda que ele o peça expressamente. Nem o paciente, nem os médicos, nem os familiares tem competência para decidir ou provocar a morte de uma pessoa.

Em contrapartida, há os que defendem a dignidade do direito a morte, pensando incluir-se esta no princípio sob comento. Para tanto, afirmam que a dignidade da pessoa humana se traduz pela possibilidade do indivíduo dirigir sua vida e construir sua personalidade em consonância com a sua própria consciência, desde que não violados direitos alheios.

Esse poder de autonomia a que se referem também atinge os momentos derradeiros da vida do indivíduo. Todavia, não pode ser desprezada a vontade do paciente, visto que apenas ele tem a consciência do quanto o seu estado afeta a sua essência.

Em tempos de conhecimento dos limites dos atos de natureza científica e do ameaço que recai sobre à dignidade humana, a denominada obstinação terapêutica afigura-se como um ato que vai de encontro ao sentido humano e se consolida como violação à dignidade da pessoa , e por via de conseqüência a direitos basilares .

Nesta direção, assevera BADOUIN e BLONDEAU (1993)[15] :

[…] “em uma época consciente, mais que nunca, dos limites do científico e das ameaças de atentado à dignidade humana, a obstinação terapêutica surge como um ato profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus direitos mais fundamentais".

Como em se tratando de eutanásia nada é tão pacifico , ajuízam e ao mesmo tempo indagam Meirelles e Teixeira apud RAMOS [16]:

[…] “é possível entender que o acharnement subverte o direito à vida e, com certeza, fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, assim como o próprio direito à vida. Se a condenação do paciente é certa, se a morte é inevitável, está sendo protegida a vida? Não, o que há é postergação da morte com sofrimento e indignidade […] Se vida e morte são indissociáveis, e sendo esta última um dos mais elevados momentos da vida, não caberá ao ser humano dispor sobre ela, assim como dispõe sobre a sua vida?"

Ante o exposto, infere-se que não obstante as vozes dissonantes, o fundamento jurídico e ético do direito à morte digna é a dignidade da pessoa humana, o que princípio constitucional inviolável. Deste modo, deve-se estar atento para que o aferro ao pensamento de que não se pode deixar um paciente terminal ou em estado vegetativo assim permanecer, possibilita a retirada da subjetividade deste indivíduo, podendo, outrossim, atentar contra sua dignidade posto que sujeito de direito.

Em face dos mencionados avanços tecnológicos, incluindo as descobertas biotecnológicas, questionamentos das mais variadas ordens pululam, dentre estes surgem os que pertinentes ao princípio ora sob análise. Assim sendo, e pretendendo fixar normas que providas de capacidade para determinar a ética e suas implicações no que tange as descobertas biotecnológicas, bem como arrefecer os ânimos quanto aos questionamentos referidos, surge o Biodireito.

Isto dito e cuidando de analisar a eutanásia com fundamento nos preceitos extraídos deste novo Direito, mister faz-se consignar o que adiante segue.

Biodireito

 

De chofre, importa consignar que não cabe ao presente estudo discutir sobre a incorreta ou correta nominação deste novo ramo do direito. Isto dito porque, ainda pairam as discordâncias quanto a disciplina, senão vejamos:

GARRAFA [17]

“O neologismo que estão tentando implantar, chamado ‘Biodireito’, é um aleijão. Se a Bioética já veio como uma nova disciplina e requer um pouco de cada uma e a sua grande força é a multidisciplinaridade, imaginem se começam com a Biofilosofia; a Bioeconomia; a Biomedicina; a Biobiologia; a Biopsicologia? Não é essa a concepção.[…]Faço um apelo para as pessoas que estão querendo colocar a palavra ‘Biodireito’ na rua que pensem duas ou três vezes. Se ‘Biodireito’ significar o Direito trabalhando as questões biotecnológicas, concordo, mas se significar o ‘Biodireito’ com respeito à Bioética, discordo flagrantemente e digo que isso é uma impureza conceitual e um erro metodológico e epistemológico grave."

Já para Elida Séguin (2001)[18] :

“O Biodireito como ciência disciplina as relações médico-paciente, médico-família do paciente, médico-sociedade e médico-instituições, e os diversos aspectos jurídicos que surgem dentro, fora e por causa destes relacionamentos, introduzindo a noção de saúde moral à saúde física. […] Kant ensinou que a violação do Direito ocorrida num ponto da terra é sentida por todos […]”

Pensando poder caminhar juntos ou associarem-se a bioética[19] e o biodireito, percebe-se que a eutanásia importa aos dois, assim como outras questões a exemplo de inseminação artificial, inseminação assistida, aborto, relação medido-paciente, transgênicos, e tantas outras. Entretanto, neste artigo fixarão entendimentos na seara do biodireito.


Neste sentido, oportuno asseverar segundo, Belinguer[20]: “Bioética é termo utilizado como referência aos problemas éticos derivados das descobertas e da aplicação das ciências biológicas”.

Segundo Diniz e Guilhem (2002)[21] :

[…] “por ser a bioética um campo disciplinar compromissado com o conflito moral na área da saúde e da doença dos seres humanos e dos animais não-humanos, seus temas dizem respeito a situações de vida que nunca deixaram de estar em pauta na história da humanidade”.

Controvérsias à parte tem-se que a biotecnologia[22] nos sujeita a pensar na vida e nos valores alicerçados durante séculos e que conduzem nosso comportamento em face das questões que tratam da vida e da morte.

Em se tratando da eutanásia, podemos referir que o universo da alta tecnologia médica e da biotecnologia[23] nos possibilita hoje condenar uma pessoa a restar em um leito por anos a fio. Todavia, em meio a estes acontecimentos, surgem indagações, a saber: E a dignidade do ser humano? Como perceber o direito do indivíduo de morrer com dignidade?

Ante referidas proposições , infere-se que o denominado biodireito vem-se impondo, cabendo aos estudiosos perceber este novo ramo da ciência jurídica.

Nesta linha de entendimento, pode-se afirmar que o biodireito, é um novo Direito, pois, em verdade, ainda gesta; nesse tem-se em vista o homem enquanto ente biológico, cuidando-se de observá-lo desde o instante de sua concepção até destino final de seu corpo físico.

Conforme já aludido, entende-se objetivar o biodireito fixar normas que munidas de competência para determinar a ética e suas implicações no que concernem as descobertas biotecnológicas.

No que tange aos princípios sobre os quais se fundamenta o biodireito , verifica-se consenso , dentre outros , quanto , a saber :

1) Princípio da dignidade da pessoa humana;

2) Princípio da autonomia da pessoa;

3) Princípio da beneficência ou do risco benefício;

4) Acesso eqüitativo aos benefícios da ciência biomédica; e,

5) Confidencialidade dos diagnósticos e dados genéticos.

Ciente deve-se estar de que tanto a Biotecnologia quanto o Direito são áreas do saber que devem ter por escopo maior servir a sociedade, e por assim serem, estão permeados de questões além das que peculiares e próprias de cada um, as que de cunho ético-social que demandam sejam reguladas, se enquadrando aqui a eutanásia.

As questões pertinentes aos novos direitos ou direitos de quarta geração têm cunhos polêmicos, tendo aspectos sem dúvida, positivos; mas, que pela novidade recheados de receios , pois das conseqüências negativas que podem advir ante os avanços da biotecnologia . Todavia, no que tange ao Direito, faz-se mister prepara-se para o enfretamento de questões que envolvem a eutanásia , munindo-se de princípios , normas , etc..

Oportunamente, deve-se reiterar e consignar, que à chamada quarta época dos direitos, alia-se um extraordinário progresso no campo da biologia, em face da bioengenharia e da biotecnologia. Isto dito, teriam tais direitos, por escopo prestar valoração e regular os efeitos e conseqüências da biotecnologia frente à sociedade.

Sabe-se hoje, pois da nova biologia e ciências outras, que inúmeras questões de ordem prática dependerão do Biodireito para regulamentação.

Importa dizer, que as questões que surgem face as novas tecnologias, dentre estas a biotecnologia, criam para o mundo jurídico a necessidade de enfrentamento, deixando nítida a necessidade da interdisciplinaridade, reexames e novos estudos no que diz respeito à denominada epistemologia jurídica .

BOBBIO[24],ciente de referidos aspectos, levanta questões sobre os denominados novos direitos tomando como ponto de partida os direitos humanos e levando em consideração o avançar da eletrônica, da física , da química e da biologia , dentre outras vertentes das ciências .

Esse mesmo jusfilosófo[25]··· faz visível em seu escrito, o quanto se vem acelerando o processo de multiplicação dos direitos, em face do crescimento de bens que passíveis de tutela, etc..

Como bem assevera LUHMANN (1985) [26], o Direito não pode simplesmente concordar com as estruturas jurídicas lógico-normativas apenas, afastando-se das finalidades axiológicas, revestindo-se tão somente de puras normas positivadas; tem o Direito que ir no caminhar da história.

No Brasil, enquanto se aguarda por regulamentos e normas concernentes aos direitos em questão, além da legislação já referida, tem-se, por exemplo, no campo do Biodireito, a observação quanto ao respeito à integridade psicológica e física das pessoas.

Cientes e seguros, alguns operadores do Direito, afirmam que muitos dos temas referentes à biotecnologia não são carecedores de tratamentos jurídicos; não são tidos, portanto, como jurídicos, ou de interesses jurídicos. – De encontro a isto, estudiosos outros pensam, que a biotecnologia tem em si mesma aspectos jurídicos, em sua maioria, pois envolvendo aspectos políticos, econômicos, e outros, demandam tratamento jurídico nacional e internacional e de variados ramos do Direito.

Quanto às controvérsias, nota-se, trazem à realidade, discussões de caráter: ético, científico, processual, para citar alguns, abrangendo as mais diversas áreas do Direito e também de disciplinas outras.

Compete, portanto, ao biodireito, fundamentado nos valores e princípios acolhidos pela sociedade, galgar as soluções apropriadas para o avanço contínuo da biotecnologia. De fato, o Direito não pode, sob qualquer pretexto,se afastar das transformações sociais e científicas que de modo permanente vêm ocorrendo, sendo azado referir:

IHERING[27]:

“a norma jurídica viveria numa torre de marfim, isolada, à margem das realidades, auto-suficiente, procurando em si mesma o seu próprio princípio e o seu próprio fim. Abstraindo-se do homem e da sociedade, alhear-se-ia da sua própria finalidade e de suas funções, passaria ser uma pura idéia, criação cerebrina e arbitrária.

Por outro vértice, a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro[28] preceitua que é defeso evocar a lacuna jurídica. O juiz deve, não obstante a omissão da lei, decidir em consonância com os costumes, a analogia e os princípios gerais do Direito[29]. Destarte, impossível é argumentar com o vazio jurídico, mas tão somente com a lacuna da lei. Entretanto, o magistrado não deve desprezar a prudência, e o legislador, por seu turno, deve lançar olhar para a máxima de Carbonier: “não legislar já é uma forma de legislar”.

Conclusão

 

Pretendeu-se no presente estudo analisar de modo simples, mas, sem beirar a superficialidade, a eutanásia com fulcro no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e do biodireito. Para tanto, fundamentou-se o artigo no que positivado em nosso ordenamento jurídico, bem como em estudos de diversos e conceituados autores que tratam do tema sob os mais diversos aspectos.

Atingindo mais frontalmente o tema escolhido, e levando em conta a questão principal, cumpre referir perceber-se que o tratamento jurídico proporcionando a eutanásia é disciplina que suscita controvérsias.

Em verdade o que se afigura é que o legislador não se referiu de modo frontal à eutanásia, não instituiu um tipo autônomo. Contudo, em sede de legislação penal, dispensa à eutanásia tratamento de delito privilegiado, facultando a redução de pena (de um sexto a um terço) em face de quem praticara a intervenção por motivo de relevante valor social ou moral.

Desse modo em se observando a lei penal, bem como os princípios constitucionais, em especial, o da dignidade da pessoa humana, tem-se no direito moderno, os que percebem a eutanásia como prática de natureza criminosa configurando-se em fidedigno homicídio. Portanto, não se revestindo referida intervenção de piedade ou bondade capaz de sequer justificá-la.


Em contrapartida, é impossível negar as tenazes tentativas de alguns em consagrar tal prática no ordenamento jurídico, premiando-a com a licitude.

Não bastassem as controvérsias que surgem em face das interpretações que recaem sobre a legislação vigente e atinente, há ainda os posicionamentos de ordem doutrinária, que tornam a eutanásia matéria cercada de polêmicas e dissonâncias.

Isto posto, e em face dos avanços tecnológicos que dia-a-dia proporcionam o estender das vidas, infere-se que o biodireito, enquanto ramo da ciência jurídica que visa observar o homem da concepção à morte , fulcrado em princípios consagrados na Constituição Federal, dentre eles o da dignidade da pessoa humana , impõe-se.

Por fim, faz-se mister consignar resulta deste trabalho, malgrado as controvérsias que pairam sobre a eutanásia, o entendimento de que as reflexões sobre esta à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do biodireito, tem importância inconteste, visto que, respectivamente, a saber :

1) O princípio da dignidade da pessoa humana tem o condão de fazer ver cogente a proteção do bem maior do indivíduo, qual seja, a sua vida; rechaçando qualquer prática que atente contra esta; e ,

2) O biodireito, observando os avanços tecnológicos, fundamentado nos valores e princípios consagrados em nosso ordenamento jurídico, e, atento a necessidade do Direito quanto a enfretamentos de questões que envolvem a eutanásia, por exemplo, é ramo da ciência jurídica capaz de fixar normas que providas de competência para determinar a ética e suas implicações no que concernem as referidas descobertas tecnológicas. Compete, assim, ao biodireito, fulcrado nos valores e princípios já consagrados, alcançar as soluções apropriadas para o avanço sucessivo da biotecnologia.

Referências

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[1] VIEIRA, Oscar Vilhena (org.). Direitos humanos. instrumentos internacionais de proteção. 2.ed., São Paulo: Paloma (Série Legislação), 2000.

[2] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13 ª ed._ São Paulo: Atlas, 2003.

[3]DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito, 3a. ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 9

[4] Historiador latino. Disponível em:<http://wwww.wikipedia.com >.Acesso em :19 Jan 2009.

[5] BACON, Francis (1561- 1626). Disponível em

[6] "Historia vitae et mortis",

[7]BACON, Francis. Novum Organum. Disponível em: < http://ateus.net/ebooks/geral/bacon>.Acesso em 19 Jan 2009.

[8]PLATÃO. A República. 8. ed. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996

[9] MORAES, Alexandre de.Direitos Humanos Fundamentais .3ª.ed.São Paulo: Atlas , 2000.

[10] Revista Jurídica CONSULEX. Eutanásia no Direito Comparado. Ano V. nº 114, 15 out 2001, p. 16.

[11] Orto: certo, thanatos: morte =morte certa

[12] Neste país consideram-se despenalizadas as práticas de eutanásia passiva (não prolongação artificial da vida) e de eutanásia ativa indireta. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br>.Acesso em: 24 Mar 2009.

[14] MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, volume VII/16/17. São Paulo: Borsoi, 1954.

[15] BAUDOUIN, Jean-Louis, BLONDEAU, Danielle. Éthique de la mort et droit à la mort. Paris: Press Universitaires de France, 1993.Disponível em :< http://www.dji.com.br/>. Acesso em: 22 Fev 2009.

[16] RAMOS, Carmem. Consentimento livre, dignidade e saúde pública: o paciente hipossuficiente. In: Lúcia Nogueira et al (orgs.). Diálogos sobre direito civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

[17]GARRAFA, Volnei. Professor da Universidade de Brasília e Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética. Disponível em:< http://www.dhnet.org.br/direitos>.Acesso em : 24 Mar 2009.

[18] SÉGUIN Elida. Biodireito. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001.

[19] Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas bios (vida) + ethos (relativo à ética).Disponível em :

[20] BELINGUER, Giovanni Professor de Medicina do Trabalho em Roma.

[21] DINIZ, DÉBORA e GUILHEM, Dirce.O que é bioética. São Paulo: Brasiliense , 2002, p.69.

[22] Biotecnologia é o conjunto de conhecimentos que permite a utilização de agentes biológicos (organismos, células, organelas, moléculas) para obter bens ou assegurar serviços. Disponível em : <http://www.ort.org.br/biotecnologia>.Acesso em: 23 Mar 2009.

[23] Biotecnologia representa o conjunto de métodos aplicáveis às atividades que associam a complexidade dos organismos e seus derivados, conciliadas às constantes inovações tecnológicas. Disponível em : < http://www.brasilescola.com/biologia/biotecnologia.htm>.Acesso em: 23 Mar 2009.

[24] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, RJ: Campus, 1992.

[25] Op.Cit.

[26] LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II, trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.

[27] IHERING, Rudolf von. L´esprit du droit romain, t. 3, § 43, p.16. Disponível em http://www.goffredotellesjr.com.br>. Acesso em: 24 mar 2009.

[28] LICC – decreto-lei 4657 de 4/9/42.

[29] Artigo 4º. da LICC.

Autores

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    é professor de Direito da Faculdade Pitágoras, especialista em Direito da Tecnologia da Informação pela Universidade Gama Filho e palestrante nas áreas de Direito Digital, Crimes Informáticos, Segurança da Informação e Conscientização sobre o uso das novas Tecnologias.

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