Gravação em presídio

Não há seminaristas morando nas prisões

Autor

  • Ricardo Nascimento

    é juiz federal mestre e doutorando em Direito. Foi presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp).

26 de junho de 2010, 11h14

[Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo deste sábado (26/6)]

Os presídios federais abrigam presos considerados de alta periculosidade, cujas ações causaram graves danos à sociedade. Não há seminaristas morando lá. 

Com o objetivo de auxiliar no combate ao crime organizado, esses estabelecimentos prisionais dispõem de equipamentos de gravação de vídeo e áudio, inclusive dentro dos parlatórios, onde ocorrem conversas entre os presos e seus advogados. 

Tais sistemas são ativados quando há autorização judicial, concedida após análise séria e rigorosa por parte do magistrado em caso de suspeita fundamentada de que o advogado tem envolvimento nos crimes praticados por seus clientes, hipótese em que há desvirtuamento de sua atuação profissional. 

A colheita de provas corre em absoluto segredo de Justiça. A gravação em áudio de visita íntima (não é feita a gravação em vídeo nessa hipótese), também permitida por lei, segue praticamente o mesmo padrão de monitoramentos telefônicos, ou seja, após autorização do juiz, convencido pelos indícios que lhe foram apresentados, os diálogos são gravados e avaliados. 

Quando não dizem respeito a práticas criminosas, são desprezados.

O problema não está na existência dos equipamentos, mas no seu uso sem autorização judicial. Façamos um paralelo com as escutas telefônicas: elas são permitidas por lei e só podem ser realizadas por ordem judicial. 

As escutas clandestinas é que são ilegais. Nessas hipóteses, é preciso apurar a origem da gravação clandestina e punir os culpados, mas isso não pode servir de pretexto para questionar a existência do sistema de gravação. 

Os advogados são indispensáveis à administração da Justiça, o diálogo entre eles e seus clientes é inviolável, essa é uma garantia da sociedade e dela não podemos abrir mão, mas o caso em análise está longe dessa situação. 

O poder público tem o direito e o dever de dispor de toda a tecnologia permitida pela legislação para combater a criminalidade, mas isso não significa que irá usá-la indiscriminadamente. 

Os equipamentos de gravação não deveriam existir, assim como não deveriam existir presídios, os policiais não deveriam portar armas de fogo e os juízes não deveriam viver o dilema de determinar o encarceramento de seus semelhantes. É claro que somos contra isso, mas esse não é o mundo real. 

Uma gravação em áudio da conversa entre um advogado e seu cliente, no presídio federal de Mato Grosso do Sul, autorizada judicialmente -sobre a qual podemos tratar porque chegou ao conhecimento público-, permitiu às autoridades policiais que abortassem um plano de sequestro do filho do presidente da República e de outras autoridades. Tal fato, se ocorresse, traria repercussões lamentáveis ao país e abalaria a sensação de segurança da comunidade. 

Apenas esse episódio já demonstra a necessidade da existência dos equipamentos de escuta ambiental. Entretanto, o debate democrático sobre a questão é fundamental para encontrar o ponto de equilíbrio no conflito contemporâneo entre os direitos e garantias individuais e a segurança da sociedade. 

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