Conversa reservada

Advocacia repudia gravação de conversa com cliente

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22 de junho de 2010, 13h02

A publicação da informação de que conversas entre advogados e clientes podem ser gravadas dentro dos parlatórios de presídios federais repercutiu no mundo jurídico. Advogados criminalistas são unânimes ao repudiar tal medida. Para eles, a vigilância fere não só as prerrogativas do profissional da advocacia, mas também a intimidade dos presos.

Diante das suspeitas, o Plenário do Conselho Federal vai denunciar o Estado brasileiro à OEA (Organização dos Estados Americanos). A proposta, feita pelo conselheiro Guilherme Batochio, foi aprovada por unanimidade pelo Pleno da OAB nesta terça-feira (22/6). "O Brasil poderá responder por isso lá fora sem prejuízo das demais medidas que serão adotadas na esfera própria contra os responsáveis por tais violações aos direitos humanos e as prerrogativas dos advogados", declarou Batochio.

O advogado André de Almeida — eleito nesta terça-feira (22/6) presidente da International Bar Association — tem assento e voz na OEA e prometeu dar curso ao caso lá fora.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, vai se reunir com o diretor do Sistema Penitenciário Federal, Sandro Torres Avelar, e o assessor especial do Ministério, Aldo Costa, na sede da OAB Nacional, às 16h desta terça. Eles tratarão da denúncia feita pela OAB de instalação, pelo governo, de equipamentos de gravação de áudio e vídeo nos parlatórios (salas reservadas para a conversa entre advogados e presos) das quatro penitenciárias federais do país.

“A Corte Europeia de Direitos Humanos entendeu que o segredo profissional representa um capítulo dos Direitos Humanos, pois a sua violação normalmente envolve a quebra do direito a um julgamento justo e o direito à privacidade. E estes são direitos inalienáveis numa sociedade democrática”, afirma o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron.

Toron critica, ainda, o posicionamento frequetemente veiculado de que o sigilo entre profissional e parte representa uma proteção a delinquentes. "Se um advogado não for capaz de conferir ao seu cliente instruções confidenciais, com essa vigilância, a sua assistência perderia muito da sua utilidade", afirma.

Para ele, "as garantias individuais estão no mesmo patamar de importância que o interesse público. Isso porque se não tiveram a mesma relevância, não viveríamos em um Estado Democrático de Direito".

O advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho aponta que o “mais elementar do direito de defesa é a conversa pessoal e resevada entre advogado e cliente. Sem isso, não existe nada em termos de defesa”. Segundo Malheiros, a gravação com autorização judicial pode ser considerada ilegal. “Uma ordem nesse sentido ainda que apontada como prova judicial seria ilícita”.

Malheiros relatou que, em uma ocasião, foi impedido de visitar um cliente. Insatisfeito, fez a representação contra o diretor do presídio, que ligou para ele assim que soube da representação. O diretor afirmou que ele, advogado constituído, poderia visitar seu cliente sempre que quisesse, mas que a ordem atingia apenas uma situação. No dia anterior a sua visita, uma mulher que se passava por advogada tentou entregar uma arma para aquele mesmo preso. “Esse problema existe. É necessário processar as pessoas que fazem isso. Mas sem impedir o direito de defesa”, assevera Malheiros.

Segundo o advogado criminalista Antonio Sérgio Pitombo, essas gravações não deveriam acontecer porque a conversa entre advogado e cliente é protegida por lei e só poderia ser quebrada, “diante da hipótese de ocorrência de um crime”. “Isso é gravíssimo e também viola a intimidade do preso. O fato de ele ser preso não tira dele as garantias constitucionais”, ressalta.

Para Pitombo, instituições como Ministério Público poderiam intervir em casos como os relatados pela OAB de Mato Grosso do Sul. “Falta um pouco mais de proatividade do MP, que por sua vez, poderia proteger mais os presos”, diz. “O problema é que não obstante a lei de execuções penais tenha mais de 20 anos, ela é tratada na administração pública, onde as arbitrariedades acontecem”, indica.

“Inconformismo” foi a palavra utilizada pelo advogado criminalista e conselheiro da OAB de São Paulo, Fernando José da Costa, para definir o que pensa sobre a situação apontada por advogados de Mato Grosso do Sul. Ele explica que existem dispositivos na Constituição Federal e no Estatuto da OAB que tratam da inviolabilidade das comunicações. Ele completa que “a Lei 9.296, que regulamenta a inviolabilidade, ainda criminaliza sua quebra”.

“Da mesma forma como não pode o advogado ilegalmente interceptar a comunicação feita pelo autoridade policial ou MP, que investigam ou formulam a acusação, não cabe a nenhuma autoridade violar a reservada comunicação entre advogado e seu cliente”, pondera Costa.

O advogado ressalta, ainda, ser contra o sistema adotado nas prisões de segurança máxima. “O advogado é obrigado a falar com seu cliente através de um telefone com limitada comunicação, e um vidro com estruturas metálicas que impedem não só conto físico, como a própria visualização das partes. Tais medidas da mesma forma ofendem preceitos constitucionais”, finaliza.

Repúdio
Em sessão extraordinária convocada por seu presidente, o advogado Ademar Gomes, o Conselho da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp) deliberou por unanimidade enviar oficio o Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, apresentando repúdio à ação daquele órgão, por ter instalado equipamentos de áudio e vídeo nos parlatórios das penitenciárias federais do país, para gravar conversas mantidas entre advogados e seus clientes presos. Para o Conselho, “o Ministério da Justiça feriu gravemente o Estado democrático de Direito, praticou uma violência contra a Constituição, numa atitude somente encontrada nos tempos negros da ditadura militar”.

Ainda no documento, o Conselho lamenta, também, que o Poder Judiciário “esteja contribuindo para essa violação de prerrogativas, concedendo autorização para o monitoramento dessas conversas, sob a alegação de que as gravações são um importante meio para captar provas".

O Instituto de Garantias Penais (IGP) também lamentou o fato e divulgou uma nota de repúdio. O instituto considera uma afronta à Constituição a prática.

Leia aqui o ofício da Acrimesp.
Leia aqui a nota do IGP.

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