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"TV Justiça revela democracia do Judiciário"

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20 de junho de 2010, 10h00

Giovana Cunha - Spacca - SpaccaSpacca" data-GUID="giovana-cunha-spacca.png">Se existisse uma disciplina chamada televisão jurídica, a maior especialista da matéria no país seria a jornalista Giovana Cunha. Responsável pela consolidação e ampliação da TV Justiça nos dois anos em que o ministro Gilmar Mendes presidiu o Supremo Tribunal Federal, Giovana trabalha agora como consultora nessa área da comunicação e tem entre seus principais projetos a implantação da TV LFG, a emissora de ensino à distância da Rede de Ensino LFG, do ex-juiz Luiz Flávio Gomes.

Cria da Rede Globo, onde iniciou a carreira e trabalhou por oito anos, Giovana ficou orgulhosa o dia que ouviu de um juiz a crítica de que estava transformando a TV Justiça numa Globo. "Eu respondi que estava lisonjeada de conseguir transformar uma TV pública no formato de maior e melhor emissora do país, com aquela qualidade que é extremamente aplaudida". A crítica ou elogio se deve ao fato do apuro técnico e estético que ela imprimiu na imagem e na programação da TV oficial do Judiciário durante o período que ocupou o cargo de coordenadora da emissora. "Qualidade e elegância nem sempre precisam de dinheiro", diz ela.

Tanto quanto a qualidade da TV Justiça, sua independência também é motivo de orgulho de sua ex-dirigente. As transmissões das sessões do plenário do Supremo Tribunal Federal se tornaram um sucesso mundial, mas nunca foram editadas ou censuradas. Mesmo quando cenas menos recomendáveis foram capturadas pelas câmeras, a tesoura não entrou em ação. “Isso é a democracia no Judiciário”, garante.

Ao final da gestão do ministro Gilmar mendes no Supremo, Giovana também deixou a coordenação da TV Justiça, mas não o ofício de fazer "televisão jurídica". Seu desafio agora é dar suporte técnico para a implantação da TV LFG, uma ousada experiência de ensino à distância desenvlvida pelo ex-juiz Luiz Flávio Gomes, dono da Rede LFG de Ensino. "Com o ensino à distância podemos levar os ensinamentos dos maiores especialistas para alunos nas regiões mais remotas do país", diz Giovana.

Nessa entrevista a ConJur, a jornalista fala de sua experiência de lidar com ministros do Supremo como se fossem estrelas de TV e das peripécias para geras as imagens do julgamento de Hildebrando Pascoal, no Acre, em 2009. Participaram da entrevista os jornalsitas Lilian matsuura e Mauricio Cardoso.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é a reação dos ministros diante da transmissão direta das sessões do Supremo pela TJ Justiça?
Giovana Cunha — Hoje é unanimidade que a sessão deve ser ao vivo. Os ministros já se acostumaram, mas houve um tempo em que havia muito resistência. O momento de maior tensão foi quando houve a discussão entre o ministro Gilmar Mendes e o ministro Joaquim Barbosa. Mas nem naquele momento ouviu-se a palavra editar ou cortar. A democracia existe dentro do Judiciário hoje.

ConJur — Em algum momento houve orientação sobre não liberar essas imagens para as outras emissoras?
Giovana Cunha — Não, até porque não tinha como, o trecho já estava no Youtube. Nós liberamos as imagens para todos os veículos de comunicação, sem cortes e com o selo da TV Justiça. E foi um momento no qual poderiam ter dito para não soltar as imagens, mas não, está ao vivo mesmo. Eu achei isso de uma democracia maravilhosa.

ConJur — No período em que você esteve na TV Justiça, houve algum momento de pressão?
Giovana Cunha — Não. Eu nunca fui pressionada para tirar isso ou aquilo. Em dois anos nunca sofri nenhum tipo de censura.

Conjur — Os ministros tem o comportamento pautado pela transmissão?
Giovana Cunha — Se você sabe que está sendo visto, e ao vivo, tem que ter o mínimo de postura, porque o que diz ali vira lei. Acho que a conduta deles é nesse sentido, de saber que estão ao vivo.

Conjur — A partir da experiência do Supremo, seções de outros tribunais também serão transmitidas?
Giovana Cunha — Houve uma tentativa grande para que isso acontecesse, mas há uma resistência. Já os que não têm nada contra, não possuem equipamento para isso. Nessa gestão conseguimos colocar além do Supremo, as seções do CNJ e do Tribunal Superior Eleitoral e posteriormente as do Tribunal Superior do Trabalho.

Conjur — E como é possível transmitir todas?
Giovana Cunha — Uma das idéias é fazer vários canais com multi programação e deixar um canal só para sessões. Já existem alguns Tribunais Regionais que estão conseguindo filmar suas seções, e aí só vai depender deles e do presidente do Supremo disponibilizar a transmissão. Então, eu acho que isso é uma tendência, aos poucos todo mundo vem para a TV.

ConJur — A TV Justiça foi autorizada a gravar o Júri do Hildebrando Paschoal em 2009[ex-deputado federal pelo Acre. Está condenado a mais de 100 anos de prisão por homicídio, tráfico de drogas e corrupção, entre outros crimes]. Como foi esse caso?
Giovana Cunha — O juiz que presidiu o Júri pediu para não filmar, mas o sindicato dos jornalistas provocou o CNJ, que por sua vez, autorizou a TV Justiça a gravar e a garantir a distribuição do conteúdo para as outras emissoras. Garantimos a distribuição para todas as emissoras de TV que quiseram. Na filmagem, preservamos a imagem do réu, das testemunhas e dos jurados. Foi difícil encontrar planos de que não mostrava o rosto das pessoas. No início de cada seção era feito um alerta dizendo que o julgmaento estava sendo gravado e pedindo para as pessoas não olharem para o lugar em que estavam as câmaras.

ConJur — A TV Justiça gravou outos julgamentos?
Giovana Cunha — Não. Tentamos fazer o dos Nardoni [Alexandre Nardoni e sua mulher Ana Carolina Jatobá, julgados e condenados em março deste ano, em São Paulo, pela morte da filha dele Isabela, de 5 anos], mas entramos em contato com a assessoria de imprensa, falamos com o juiz responsável por essa área, e não fomos bem recebidos. Falaram que não queriam transformar o julgamento em um circo.

Conjur — Você considera oportuna a transmissão de um julgmaento no Júri Popular?
Giovana Cunha — Sim. Claro que, com a transmissão pela TV, existirá não só o julgamento dos jurados, mas também o de toda opinião pública. Os julgamentos são públicos, quem quiser pode sentar lá e assistir. Ao gravar e transmitir o julgamento completo eu evito que as emissoras editem e mostrem só aquele trechinho que chama mais a atenção. Porque uma coisa é mostrar o final da sua frase, e outra é mostrar sua frase inteira: no final da sua frase você se condena, mas do inicio ao fim você se explica.

ConJur — Com a televisão, não se corre o risco de transformar o julgamento em um grande circo?
Giovana Cunha — A televisão tende sempre a e editar para mostar a parte mais sensacionalista, que vai dar mais Ibope, vai mostrar a hora que o cara se exalta, a hora que o cara grita. Um bom exemplo foi o que aconteceu no julgamento do sargento gay [sargento Lacy Araújo, preso e condenado por deserção em 2008, depois de assumir que era homossexual em entrevista à revista Época] no Superior Tribunal Militar, as emissoras só pegaram a hora em que ele sai gritando do tribunal.

ConJur — A edição na TV atrapalha o jornalismo?
Giovana Cunha — Sim, claro. Se o material não for editado dessa forma, o telespectador não terá de consumir o produto que o editor escolheu. Com isso ela poderá formar sua própria opinião: o réu se irritou e gritou porque não ouviram ele. E assim, você consegue montar todo esse quebra-cabeça.

ConJur — É como resumir as sessões do Supremo ao episódio Joaquim e Gilmar?
Giovana Cunha — É uma distorção. A briga não começou naquela seção. Então, tinha que ter assistido as outras sessões, no qual o Gilmar Mendes fala que o assunto já havia sido discutido na ausência do ministro Joaquim Barbosa. Quando faço essa divulgação na íntegra eu permito que o cidadão tenha essa visão crítica.

ConJur — A divulgação pela televisão ou pela internet multiplica a publicidade do processo quase ao infinito.  De que forma a TV Justiça trabalha essa publicidade nas reportagens?
Giovana Cunha — Quando contávamos a história de alguém, era sempre com o seu consentimento. Tivemos entrevistados que aceitaram relatar a sua história mas preferiram não se identificar. Fizemos dessa forma em muitas reportagens sobre mudança de sexo. O que importa é a história.

ConJur — Você contaria sua história na TV?
Giovana Cunha — Se eu estivesse vivendo um problema muito sério na justiça não me mostraria, porque a mídia condena muito rápido. A gente leva uma vida inteira para construir uma reputação, mas pode perder em um minuto, que é o que dura uma reportagem. A imagem da TV é muito forte, não se esquece facilmente a imagem das pessoas, principalmente quando elas fizeram coisas erradas.

ConJur — Os ministros são acessíveis para dar entrevistas para a televisão?
Giovana Cunha — Alguns. O ministro Marco Aurélio é extremamente aberto com a imprensa. Outros ministros também recebem bem a imprensa como o Eros Graus e Celso de Mello.

ConJur — Os outros não recebem a imprensa?
Giovana Cunha — Eles recebem, mas estes que citei são os que recebem melhor. Alguns são muito discretos e avaliam quais são os momentos em que podem se expor. Há situações específicas, como no dia internacional da mulher, as ministras queriam mostrar o trabalho das mulheres frente ao judiciário. Em alguns momentos querem aparecer, mas não gostam de opinar.

Conjur — Elas não gostam de opinar?
Giovana Cunha — É, elas não gostam de opinar. Eu gostaria imensamente que elas gostassem, porque acho muito legal a posição que a mulher atingiu hoje no mercado de trabalho.

Conjur — Quem é o público da TV Justiça?
Giovana Cunha — Os indivíduos com mais de 25 anos de idade são 85%. São pessoas que estão entrando na faculdade ou estão saindo dela para prestar concurso público. A audiência da TV Justiça na classe A e B é de 79%, na classe C é de 13% e nas classes D e E, 8%. Na internet, os homens são 74%, as mulheres 26%, enquanto 37% tem entre 35 e 44 anos. Ou seja, os homens assistem mais pela internet e as mulheres assistem pela TV. A predominância é do público feminino, 59%. E esses dados são de setembro de 2009.

Conjur — Como que foi o processo de adesão da TV para as novas mídias?
Giovana Cunha — O ministro Gilmar Mendes firmou uma parceria com o Google para ter a página oficial do Supremo no Youtube e as mídias eletrônicas vieram no vácuo do Youtube. São 4 mil vídeos assistidos por dia em média.

ConJur — O grande momento do canal do STF no Youtube foi a entrevista do ministro Gilmar Mendes?
Giovana Cunha — A entrevista do então presidente do Supremo está entre os 70 vídeos mais acessados do Youtube no Brasil, com 40.700 acessos. Eu conduzi a entrevista e garanto que não houve nenhuma censura.

ConJur — E ele se saiu bem?
Giovana Cunha — Muito bem, respondeu tudo. Teve de responde várias perguntas pouco amistosas sobre o caso do Daniel Dantas. Para mim foi um prazer fazer parte de uma gestão de um ministro muito corajoso, que não tem medo da opinião pública mesmo que ela esteja contra ele. Ele age dentro da lei e depois explica suas decisões.

Conjur — Você recebeu críticas de magistrados?
Giovana Cunha — Uma vez um juiz disse que eu estava transformando a TV Justiça na Globo. E eu respondi que estava lisonjeada de conseguir transformar uma TV pública no formato de maior e melhor emissora do país, com aquela qualidade que é extremamente aplaudida. Ele quis me atingir, mas acabou me elogiando. Qualidade e elegância nem sempre precisam de dinheiro.

ConJur — Por que você deixou a TV Justiça?
Giovana Cunha — Minha missão foi cumprida. Quando fiquei sabendo que meu secretário não ficaria, me posicionei que eu também não porque fizemos uma dupla. Quando fui para a TV Justiça fui convidada por uma pessoa que me deu a liberdade de criar. E a partir do momento que ele não estaria mais ali, eu também não estaria. Entrei na TV com o ministro Gilmar Mendes e com o secretário de Comunicação Renato Parente e saio com eles.

ConJur — E agora, o que você está fazendo?
Giovana Cunha — Fui responsável pela criação e desenvolvimento dos formatos da TV da Rede de Ensino LFG.  E agora vou fazer com que formatos que foram desenvolvidos sejam mantidos para manter a qualidade. Fiz o formato visual, uma vinheta mãe para a TV, a vinheta de cada programa, e criei uma identidade visual. Desenvolvi cartelas, alguns programas vão ter cartelas que os professores usam para fazer anotação.

ConJur — Como é dar aula pela TV?
Giovana Cunha — Temos o modelo de ensino do Telecurso 2º Grau, que virou uma mini-novela para ensinar, no qual ficamos avaliando a interpretação dos atores. Nesse novo formato desenvolvemos uma plástica bonita, tem um grande especialista dando a aula e o aluno fico sentado na poltrona maravilhosa da sua casa. O ensino à distância permite o acesso aos melhores especialistas de cada área do Direito. Aquele formato da educação à distância, o rosto do professor o tempo todo falando com aquele áudio parecendo dentro de latinha é insuportável.

ConJur — O que é a TV LFG?
Giovana Cunha — Já existe uma rede de TV por satélite, onde são transmitidas as aulas da Rede de Ensino LFG  para unidades espalhadas no Brasil inteiro. E agora, eles estão criando essa televisão, que tem uma plataforma idêntica à de uma televisão. Ela começa na área jurídica, mas depois vai atingir outras áreas.

ConJur — Que tipo de cursos ela transmite?
Giovana Cunha — São cursos de atualização. Um advogado que precisa se atualizar das novas jurisprudências, por exemplo, poderá ver a TV, que ela irá trazer toda a informação, de tudo que aconteceu de novo nos tribunais superiores naquela semana, com comentários, com troca de informação pela internet.

Conjur — A televisão pode substituir a escola?
Giovana Cunha — O ensino à distância é uma vitamina para quem está estudando para passar num concurso, por exemplo, ou para quem está precisando de atualizar conhecimentos. O método é ilimitado, ou seja, o aluno pode tomar um comprimido ou pode tomar 10: depende só da disponibilidade, da vontade de passar, de como é disciplinado.

Conjur — O aluno poderá acessar os vídeos sobre um assunto especifico?
Giovana Cunha — Ele tem um tipo de biblioteca na sua TV. É só acessar o curso que tem o que o aluno está procurando e assistir. A TV começa com uma grade de seis programas fixos. Funciona por assinatura e é acessível em todo o país.

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