Eleições na rede

Internet ainda confunde Justiça eleitoral

Autor

19 de junho de 2010, 9h06

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estivesse inspirado pelas suas tão famosas metáforas futebolísticas, diria que a questão da liberdade de expressão do cidadão e dos candidatos durante as eleições na internet terá de ser resolvida no “tapetão”.

Considerando a enxurrada de ações e representações contra blogs e sites, intensificada na última semana, pedindo punições para propaganda eleitoral antecipada, é fácil presumir que, até o dia 3 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral e os tribunais regionais terão muito trabalho para julgar questões envolvendo as eleições na rede mundial de computadores.

O cidadão que acompanha as notícias pela imprensa deve estar se perguntando se pode, por exemplo, declarar o voto em sua página na internet, seja num blog ou perfil em rede social. Em princípio, tal atitude pode se configurar como uma manifestação individual, amparada pelo direito de livre expressão do pensamento, a menos que seja enquadrada na lei eleitoral como propaganda antecipada.

Apesar do esforço dos órgãos de controle em aplicar a lei eleitoral, é notório que a tentativa de aplicar punições anteriormente utilizadas para os veículos de comunicação convencionais, como tevê, rádio e jornal, não funcionam na internet, sobretudo pela infinita capacidade de reprodução e compartilhamento de informação, cujo controle é impossível de ser feito.

Um dos principais exemplos disso é o caso do blog amigosdopresidentelula.blogspot.com, alvo de uma representação do Ministério Público Eleitoral. O MPE pede que o Google, responsável pela hospedagem da página, retire-a imediatamente do ar e forneça os nomes dos responsáveis pelo conteúdo, para que possam ser penalizados.

A notícia foi divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral na quinta-feira (17/6). Quem acessasse o endereço nesse mesmo dia encontrava somente um aviso, informando que a página mudara de endereço, para osamigosdopresidentelula.blogspot.com.

O caso talvez sirva para o entendimento de como o controle na internet é difícil, ou mesmo impossível, de ser feito. Sem contar que, tradicionalmente, há um enorme cooperativismo entre os internautas, cuja mobilização para difundir determinado conteúdo proibido alcança uma velocidade gigantesca, reproduzindo uma notícia entre centenas, ou milhares, de outras páginas.

Um teste simples demonstra como a questão é complexa: digitar no Google palavras-chave com o nome de José Serra ou Dilma Rousseff, seguido de blogspot, por exemplo, resultará numa lista de endereços contra e a favor dos candidatos, todos semelhantes aos que foram alvo do Ministério Público Eleitoral.

As redes sociais também cumprem um papel importante nesta questão. No Facebook, existem ao menos duas páginas do tipo “Eu quero ‘nome do candidato’ para presidente do Brasil” – um de José Serra, outro de Dilma Rousseff. O do tucano tem 8.325 pessoas que compartilham informações com o perfil. Para a petista, são 12.834.

O advogado especialista em Direito e Tecnologia da Informação Alexandre Atheniense afirma que não existe um controle efetivo de “absolutamente” nada na internet. “As ferramentas digitais são infinitas, portanto, ainda não há mecanismos de controle efetivo sobre o que acontece na esfera virtual”, diz.

Para ele, na questão específica da propaganda eleitoral na rede, os eleitores ou blogueiros que tiverem interesse em manifestar o apoio a determinado candidato podem fazê-lo, desde que respeitando os princípios básicos da liberdade de expressão. “Entretanto, como o próprio TSE ainda não sabe muito bem como julgar a questão, afirmando em diversas ocasiões que tem de ser feito de forma casuística, o cidadão pode ser punido, assim como o candidato que, supostamente, se beneficie do conteúdo veiculado”, explica Atheniense.

O especialista vai além e cita a possibilidade de outras pessoas fazerem comentários nestas páginas. “Esse é outro aspecto extremamente delicado, porque podem ocorrer ofensas a terceiros, e o responsável pelo blog ou site ser responsabilizado”.

Olho do furacão
Graças à “caçada” empreendida pelo MPE contra blogs e sites, o blogueiro Daniel Bezerra, editor do dilma13.blogspot.com, também alvo de ação do Ministério Público, tornou-se celebridade na última semana, sendo citado por diversas reportagens na imprensa sobre o assunto. O Tribunal Superior Eleitoral deu um prazo de 24 horas para o Google, responsável pela hospedagem da página, informar a identidade do dono do endereço para que seja punido pelo conteúdo publicado.

Bezerra afirmou à ConJur que sente-se perseguido. “Sou um cidadão comum, que apenas criou uma página para demonstrar o quanto simpatizo com a candidata. Aliás, tenho o blog desde 2008, quando o nome de Dilma Rousseff ainda não era cotado para a presidência da República”. Ele garante que não tem nenhum tipo de apoio do Partido dos Trabalhadores e que também não é filiado à sigla. Considera-se apenas um “simpatizante”.

As duas representações do Ministério Público ainda não foram julgadas pelo TSE, que terá a oportunidade de responder se a manifestação da preferência de um eleitor equivale a propaganda eleitoral. Por sinal, o que define propaganda eleitoral? Mesmo quando se trata da mídia convencional a diferença entre opinião e propaganda pdoe dar margem a confusão. A Justiça eleitoral do Ceará, por exemplo, condenou uma jornalista do Diário do Nordeste de Fortaleza a pagar multa de R$ 5 mil, por ter publicado em sua coluna nota considerada apologia da candidatura do senador Tasso Jereissatti à reeleição.

Na oportunidade o procurador regional eleitoral Alessander Sales estabeleceu   que propaganda eleitoral é "toda conduta cujo o objetivo é sugestionar ou convencer o eleitor na tomada de decisão por ocasião da escolha do candidato em que deve votar nas eleições". Não chega a ser uma homenagem à liberdade de expressão, mas pelo menos é uma luz na escuridão de indefinições.

Em processo
Aparentemente, a eleição deste ano ficará marcada como a primeira em que houve o uso massivo da internet na divulgação das candidaturas e informações variadas sobre os candidatos. Por conta disso, e também do crescimento do número de internautas brasileiros, que em maio chegou a 37,3 milhões, de acordo com o Ibope, há uma infinidade de questões que ainda precisam de regulamentação.

A “área” cinza, como muitos especialistas chamam a rede, ainda dá um verdadeiro nó na cabeça de juízes, advogados, candidatos e nos próprios usuários, que diante da situação não sabem o que podem ou não fazer. “Muita coisa ainda vai acontecer, portanto, somente com a prática é que se começará a criar os mecanismos para punir os abusos. Se ficar comprovada a propaganda extemporânea, o cidadão tem de responder, porque está violando uma lei. No entanto, é preciso também resguardar a liberdade individual”, comentou o advogado eleitoral Erick Wilson Pereira.

Mesmo com toda a problemática surgida a partir da democratização do uso da internet, principalmente no aspecto eleitoral, um fato é que esse processo tem dado, e dará cada vez mais, transparência aos atos públicos, essenciais para que o cidadão saiba o que ocorre nas esferas do poder.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, lembra da questão da transparência exatamente para evocar a liberdade proporcionada pelo meio digital. Para ele, ao mesmo tempo em que um cidadão pode criar um espaço para manifestar o seu voto, o adversário de um candidato tem condições de fazer o mesmo para difamar ou criticar o seu oponente.

Assim como Pereira, Cavalcante também acredita que os acontecimentos do dia a dia vão ajudar os tribunais a julgar melhor os casos. “O mais importante é partir do princípio da liberdade de expressão. Resguardando este direito básico, os casos que extrapolarem devem ser punidos”, acrescentou.

Legislação
Para as eleições deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral editou a resolução 23.191, com as diretrizes sobre a propaganda eleitoral, oficialmente permitida a partir do dia 5 de julho.

No capítulo IV, que trata especificamente da internet, diz que o candidato pode fazer propaganda na rede da seguinte forma: em site do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País; em site do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País; por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação; por meio de blogs, redes sociais, sites de mensagens instantâneas e assemelhados, cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural. A resolução diz, ainda, que qualquer tipo de veiculação de propaganda eleitoral paga é proibido na rede.

O disposto no artigo 22 da medida talvez jogue uma luz em relação à liberdade do cidadão na rede. Ele deixa claro que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do parágrafo 30 do artigo 58 e do art. 58-A da Lei 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica”. Os blogs denunciados pelo MPE não se enquadram nessa disposição?

Futuro incerto
Diante da quantidade e da velocidade vertiginosa como as coisas acontecem na esfera da rede mundial dos computadores é difícil obter certezas absolutas em relação ao debate eleitoral nos blogs e sites, e talvez esse absolutismo nunca seja alcançado. É característica básica da internet a sua capacidade de transformação e adaptação dos usuários às novas linguagens e ferramentas para não importa qual ação, desde publicar uma foto ou criar um blog político.

O presidente da Associação Brasileira dos Advogados Eleitorais (Abrea), Valter Rodrigues de Souza, pontua muito bem esta questão, lembrando que a mudança de mentalidade é o principal aspecto a ser levado em consideração. “Entendo que tanto o MPE quanto o TSE têm entendimento equivocado sobre todas as questões que envolvem a internet. Compreendo que o Direito caminha a reboque da dinâmica social, mas, no caso da internet, parece haver certo temor do desconhecido e, por isso, a Justiça Eleitoral trata das questões envolvendo mídias eletrônicas com o mesmo critério usado para os meios já conhecidos. Entretanto, a internet é diferente, pois é instrumento da sociedade que deve permanecer livre da interferência do Estado. Para se ter acesso a informações de um candidato é preciso, por livre escolha, acessar o site que publica tal informação. Nenhuma informação é imposta, por isso, entre outras razões, a interferência do MPE ou TSE é equivocada”, afirma.

Para Alexandre Atheniense é esse medo do desconhecido que tem impedido os brasileiros – tanto a Justiça e o Ministério Público encarregados de exercer o controle do processo eleitoral, quanto os políticos e marqueteiros que têm à disposição essa nova ferramenta de campanha – de ter uma visão positiva da internet. O especialista destaca que o ambiente da internet no Brasil não está maduro ainda para ter papel semelhante ao que deemepnhou na eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos. Atheniense lembra que a internet foi decsiva em dois pontos principais, naquela oportunidade: na disseminação das idéias de campanha e na arrecadação de fundos.

Mesmo com tantos aspectos a serem considerados e opiniões semelhantes e contrárias, percebe-se que é impossível, assim como as questões surgidas a partir da popularização e uso massivo da rede, formular uma síntese de todo o cenário, que provavelmente já sofreu mudanças e interferências desde quando você começou a ler este texto.

Evocando novamente o presidente Lula e suas pérolas futebolísticas, vale dizer que, assim como o futebol, a utilização da internet nas eleições será uma verdadeira “caixinha de surpresas”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!