Negativação surpresa

Aviso também é obrigação do órgão de proteção

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17 de junho de 2010, 15h15

A contrario sensu do que antes se compreendia, há limites entre a responsabilidade conferida ao credor, que cobra dívida inexistente ou inexigível, e a responsabilidade assumida pelos bancos de dados quando da ausência de comunicação prévia da inscrição do nome do devedor em cadastros protetivos de crédito. Significa que a obrigação manejada pelo órgão mantenedor do cadastro restritivo de crédito é de notificação do devedor antes de proceder ao gravame. Em contrapartida, a falha na notificação minuciosa e particularizada enseja em sua responsabilização civil.

Ao redor do mundo, a teoria geral da Responsabilidade Civil tem desafiado diversos doutrinadores e magistrados a alcançarem uma definição justa do dever de indenizar, com a finalidade de se obter um ordenamento jurídico que impeça a criação de uma situação de insegurança jurídica — antítese do Estado Democrático de Direito, sem, contudo, extrapolar à abrangência do dano sofrido pela vítima.

Contemporaneamente, o foco dado ao instituto em análise tempera essa discussão, conforme se infere das palavras de Maria Celina Bodin de Moraes, em obra de sua autoria, intitulada Danos à pessoa humana – uma leitura civil constitucional dos danos morais, de 2003, para a qual “a responsabilidade civil tem hoje, reconhecidamente, um propósito novo: deslocou-se o seu eixo da obrigação do ofensor de responder por suas culpas para o direito da vitima de ter reparadas as suas perdas”.

Resta consagrado, dessa forma, o princípio da reparação integral do dano, com supedâneo no artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal. O sentido de tal assertiva erige-se na função precípua da responsabilidade civil: restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado no encontro de interesses, recolocando a parte prejudicada no status quo ante. Verifica-se, pois, um dever geral de não prejudicar ninguém — neminem laedere.

Para facilitar a subsunção do fato à norma, entretanto, a doutrina estabeleceu, no ordenamento pátrio, uma classificação da responsabilidade civil em espécies: (i) responsabilidade civil subjetiva, quando esta necessita, imperiosamente, da demonstração de culpa do agente ofensor; e (ii) responsabilidade civil objetiva, na qual é prescindível a culpabilidade do autor da lesão.

Inobstante, além do elemento subjetivo — culpa, o qual diferirá a modalidade da responsabilidade civil, três são os elementos objetivos que estarão presentes, invariavelmente, na constituição da relação obrigacional de uma pessoa reparar um dano causado a outrem: (i) um ato ilícito por comissão ou omissão; (ii) um dano; e, finalmente, (iii) uma relação de causalidade entre o primeiro e o segundo.

Isto porque, está óbvio, a responsabilização de um agente inicia-se mediante um efeito lesivo cuja causa guarda uma conexão essencial com sua conduta quer essa seja esta comissiva, quer seja omissiva, com base no que se entende como comportamento adequado, segundo o padrão do homem médio (leia-se, prudente, diligente) — bonus pater familias.

Essa ideia advém do fato de que, embora não se discuta a ocorrência da lesão indevida, seja na esfera patrimonial ou moral, é inconteste, para a responsabilização civil, que o prejuízo ao direito esteja intrinsecamente vinculado a ação do agente, com quem possuía, anteriormente, uma relação obrigacional, posto que, como advoga Sergio Cavalieri Filho, no livro Programa de responsabilidade civil, de 2007, “ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado dever jurídico preexistente”.

Assim, nem o ato contrário ao direito produzido pelo ofensor, nem a lesão sofrida pela vítima, podem, por si, produzir o dever de reparação daquele para com este senão mediante a existência de um elo que os comunique. Nessa linha de raciocínio é que muitos têm despendido grandes esforços na construção de teorias sobre o nexo de causalidade capazes de justificar a incidência da responsabilidade civil ou, doutra banda, hábeis a elidir a aludida obrigação ressarcitória.

A este propósito, é valiosa a lição de Maria Celina Bodin, exposta no artigo Deveres parentais e Responsabilidade Civil, de sua autoria, publicado na Revista Brasileira de Direito de Família, de 2005, para quem “ressarcíveis não são os danos causados, mas sim os danos sofridos, e o olhar do Direito volta-se totalmente para a proteção da vítima”.

Independentemente da teoria adotada por cada tribunal — das quais destacam-se três: (i) teoria da equivalência dos antecedentes causais — comum no crime, a exemplo do HC 42.559-PE, da 5ª Turma do STJ, publicado no DJ de 4 de abril de 2006, tendo como relator o ministro Arnaldo Esteves Lima; (ii) teoria da causalidade adequada — utilizada pelo STJ, consoante esposado no REsp 669.258-RJ, da 2ª Turma do STJ, publicado no DJe de 25 de março de 2009, tendo como relator o ministro Humberto Martins e (iii) teoria da causa direta e imediata — aplicada pelo STF, é cediço que, no âmbito da responsabilidade civil, os prejuízos decorrentes de um dano injusto devem ser proporcionalmente repartidos entre todos os agentes que concorreram na produção do dano, ainda que fique a critério da vítima escolher de qual ou quais pretende obter a indenização, como apregoam os artigos 275 e 942, do novo Código Civil.

Com efeito, buscando estabelecer contornos ao grau de responsabilidade atribuível a cada um dos agentes integrantes da relação Sociedade exequente/ Órgão mantenedor dos cadastros de proteção ao crédito, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou seu posicionamento através da edição do verbete sumular número 359, publicado no DJe em 8 de setembro de 2008, cuja inteligência se transcreve. Litteris: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”.

Isto é, enquanto o credor atrai para si a responsabilidade pela cobrança do débito, por força do risco do empreendimento — responsabilidade civil objetiva, o banco de dados ou entidade cadastral, em seu turno, responde pela falha no dever de informação, previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, que preceitua que “são direitos básicos do consumidor: (…)  III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, dividindo, ambos, o ônus por eventual constituição da obrigação indenizatória.

Em leitura extensiva, este novo enfoque proporciona o entendimento de que o dever de comunicação atribuído ao referido órgão está lastreado na obrigação de promover corretamente o aviso ao devedor, tanto no que concerne à possibilidade de restrição de seu crédito, como no tocante à indispensável discriminação de todas as informações pertinentes ao débito perquirido.

Nesse espeque, em que pese à permeação do princípio da solidariedade social na responsabilidade civil, verificada no que se denominou “causalidade flexível”, de modo a facilitar a condenação do agente, infere-se que a orientação criada pelo STJ se afina com a promoção de uma justiça distributiva, determinando a responsabilidade de cada agente na razão da proporção de suas condutas.

Desta sorte, garante-se a máxima efetividade da prestação jurisdicional, conquanto satisfeita a neutralização total do dano sofrido pela vítima, sem, porém, furtar-se de sua função dissuasória — caráter punitivo/pedagógico do dano moral.

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