Substituição de contratos

Flexibilização trabalhista não reduz desemprego

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12 de junho de 2010, 8h00

Os grandes problemas vivenciados atualmente pela sociedade espanhola são o desemprego e a alta taxa de temporariedade dos contratos de trabalho. Quanto a isto não parece que existir muitas discrepâncias. O desemprego massivo tem sido uma constante em uma grande parte do desenvolvimento capitalista. Tanto nos inícios da revolução industrial, quando não existia direito do trabalho, como posteriormente, os empresários sempre contaram com o “exército industrial de reserva” a assegurar que o mercado de trabalho seja favorável aos compradores da força de trabalho. O drama das duas guerras mundiais no século XX e o ascenso dos fascismos (para o qual contribuiu o desemprego) estenderam a toda Europa a firme convicção de que eram necessárias grandes reformas sociais que, entre outras coisas, alterassem esse estado de coisas para construir um mercado de trabalho favorável aos vendedores da força de trabalho por intermédio do pleno emprego. Não é uma utopia. O pleno emprego foi uma realidade que se conseguiu com o desenvolvimento do estado social. Na Espanha franquista, onde nunca houve estado social, nunca se alcançou o pleno emprego. As mulheres apartadas do trabalho e os emigrantes demonstravam esta realidade. A recuperação das liberdades coincidiu com uma situação econômica de crise e o aumento do desemprego, razão pela qual o constituinte de 1978, consciente de que as instituições livres perigam quando volta o desemprego massivo (Beveridge), impôs aos poderes públicos a obrigação de orientar sua política econômica ao pleno emprego.

A partir dos finais dos anos 70 do século passado, em enorme “crescendo” que hoje aturde, desde distintas sedes internacionais reguladoras dos movimentos econômicos (FMI, Banco Mundial, e agora Comissão Europeia) e de outros centros de criação da doutrina neoliberal, se difundiu a idéia que culpabiliza o direito do trabalho pelo aumento do desemprego. A experiência espanhola é ilustrativa. As exposições de motivos das leis reformadoras do Estatuto dos Trabalhadores que foram promulgadas desde os anos 80, justificavam a eliminação da causalidade (para as necessidades permanentes das empresas, contratos indefinidos; para as necessidades temporárias, contratos por tempo determinado) objetivando fomentar a contração de pessoas em desemprego involuntário. Supunha-se que as facilidades para contratação temporária dariam lugar a uma redução do desemprego. Outras muitas reformas flexibilizadoras se produziram desde aqueles tempos em matérias tais como mobilidade geográfica e funcional, jornada, salários, e também em relação às dispensas de empregados. Tudo isso conduziu a que os poderes dos empresários frente aos trabalhadores tenham aumentado consideravelmente e, apesar disso, vemos que o desemprego não foi reduzido: só se substituíram contratos indefinidos por contratos temporários com perniciosas conseqüências.

Em verdade a situação mais próxima ao pleno emprego na Espanha teve lugar quando em decorrência do acordo entre sindicatos e associações de empresários me 1997 se retornou no direito espanhol à preferência pelo contrato por prazo indeterminado e se recuperou a causalidade na contratação. Apesar deste acordo, contudo, em face da fraude à lei e do abuso na descentralização produtiva, a natureza da atividade produtiva na Espanha (grande desenvolvimento da bolha imobiliária residencial) não se produziu redução significativa na temporariedade e da precariedade. De tudo isso se pode extrair a conclusão de que a norma laboral tem pouca incidência na maior ou menor taxa de desemprego. São outros fatores os determinantes.

Contudo, nem da história, nem do direito, nem da sociologia os economistas liberais dos grandes organismos econômicos aprenderam coisa alguma. São muito desmemoriados. Um bom exemplo ofereceu o “Seminário de Alto Nível” organizado no Banco de España e o Fundo Monetário Internacional, em Madri, neste mês de maio de 2010. A intervenção de uma representante de FMI, “expert” no caso espanhol, pode ser tomada como paradigmática. Colocou uma série de dados de distintos países ordenados em quadros segundo ordenadas e abscissas, para extrair conclusões “científicas” segundo as quais o desemprego alto na Espanha se devia à alta cobertura da negociação coletiva, à sua estrutura, ao seu caráter normativo que torna muito difícil o uso das cláusulas opt-out, ao excesso de proteção contra a despedida, à generosidade das prestações por desemprego e às cotizações sobre os salários. O que chama a atenção é que a partir da mera acumulação de concretos dados estatísticos de distintos países, comparados sem outras conexões, se atrevesse a especialista a formular relações de causa-efeito. Esta postura repugna ao mais elementar rigor. Um físico ou um matemático nem sequer levaria este estudo em consideração; um cientista social se escandaliza porque a complexidade das ciências sociais obriga a uma especial prudência já que as conseqüências podem ser trágicas para muita gente, pois, obviamente, tais conclusões “cientificas” de imediato se convertem em proposições normativas bem conhecidas que se  resumem na palavra desregulação que já acreditávamos desgastada.

Segundo estes doutrinadores liberais, se adotadas suas recomendações (sua amnésia os faz olvidar que já fizeram essas mesmas recomendações e que as já foram aplicadas nos anos 90 na iberoamérica com desastrosas conseqüências), os empregos cresceriam como os cogumelos em um bom outono. Por quê? Não aportam provas cientificas. Há que crer que assim será, apesar das evidencia em contrario aportadas pela história. Ou seja, depois de tantas abscissas e ordenadas tudo se resolve em uma questão de fé que como se sabe remove montanhas. Já nos ensinou o grande Augusto Monterroso, em conhecido micro-conto: quando as pessoas eram crédulas a fé gerava mais problemas que resolvia, pois cada dia as montanhas, os rios, as estradas mudavam de lugar, até que as pessoas houveram por bem deixar de acreditar. Por isso quando há um terremoto ou uma queda de barreiras sobre alguma estrada significa que alguém teve um pressentimento fundado na fé, de modo que é melhor não termos, neste caso, vista das consequências.

La fé y las montañas, por Augusto Monterroso.

Al principio la fe movía montañas sólo cuando era absolutamente necesario, con lo que el paisaje permanecía igual a sí mismo durante milenios. Pero cuando la fe comenzó a propagarse y a la gente le pareció divertida la idea de mover montañas, éstas no hacían sino cambiar de sitio, y cada vez era más difícil encontrarlas en el lugar en que uno las había dejado la noche anterior; cosa que por supuesto creaba más dificultades que las que resolvía. La buena gente prefirió entonces abandonar la fe y ahora las montañas permanecen por lo general en su sitio. Cuando en la carretera se produce un derrumbe bajo el cual mueren varios viajeros, es que alguien, muy lejano o inmediato, tuvo un ligerísimo atisbo de fe.

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