Justiça Criminal

Discussão sobre TPI termina num zero a zero otimista

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12 de junho de 2010, 9h55

Acabou nessa sexta-feira (11/6) o primeiro encontro para revisar o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). A reunião de praticamente todos os Estados que formam a Organização das Nações Unidas (ONU) aconteceu sete anos depois da criação do TPI e, dela, tira-se a conclusão de que há muitos passos para caminhar até uma efetiva Justiça globalizada, ainda que só para determinados casos criminais. Mas, dificuldades colocadas na mesa, as quase duas semanas de debates foram fechadas com otimismo.

Apenas uma das propostas de emenda ao estatuto foi efetivamente aprovada. O objetivo primordial do encontro, que aconteceu desde o dia 31 de maio, em Uganda, era emendar o tratado para resolver três pontos. O mais simples deles é o que envolve a inclusão no rol de crimes de guerra do uso em conflitos civis de certos tipos de armas. Essa inclusão foi aprovada e se tornou a primeira emenda feita ao Estatuto de Roma. O segundo é um dispositivo do estatuto que diz que o TPI não tem jurisdição sobre os crimes de guerra cometidos nos primeiros sete anos depois que um Estado ratifica o tratado. Os Estados decidiram manter esse dispositivo, mas aprovaram uma revisão automática dele daqui a cinco anos. O terceiro e mais apaixonado ponto de debate é a questão do crime de agressão.

A problemática do crime de agressão ronda o TPI desde a sua criação. Foi incluído no estatuto, mas nunca aplicado. Pela previsão, o indivíduo que determinar o ataque armado de um país contra outro, sem justificativa de legítima defesa ou sem prévia autorização do Conselho de Segurança da ONU, pode ser responsabilizado criminalmente no TPI. A questão é saber como determinar se a agressão não teve justificativa sem ofender a soberania de cada Estado.

Durante o encontro, diversas propostas foram discutidas. A que ganhou mais força e se tornou a resolução acordada é a que prevê o aval do Conselho de Segurança da ONU para que o TPI inicie as investigações de um suspeito de crime de agressão. Se a organização se calar, o aval é considerado automaticamente dado. No entanto, o conselho pode vetar qualquer investigação por crime de agressão que não achar adequada. Os Estados-parte do TPI que não quiserem submeter casos de agressão à corte internacional precisam apenas declarar essa vontade e ficam imunes à jurisdição do tribunal. Estados não signatários ou que não ratificaram  o tratado, como Estados Unidos, China e Rússia, estão imunes em casos de crime de agressão. A resolução, no entanto, não sai do papel por pelo menos sete anos. O acordo entre os países prevê que ela só entre em vigor depois de ser formalmente aprovada numa próxima conferência de revisão, em 2017. Só aí ela se tornará uma emenda ao Estatuto.

As críticas já são inúmeras e vão desde a perda de autonomia do tribunal, já que o TPI é um órgão independente da ONU, até a sua politização excessiva e uma eventual cisão entre os países signatários. A ONG Anistia Internacional, uma das presentes nos debates, argumentou que a proposta enfraquecerá o sistema internacional de Justiça criminal. O Japão também expressou claramente seu descontentamento ao afirmar que é uma forma de dar o aval da impunidade para quem não assinou ou não ratificou o pacto que criou o TPI.

Outro ponto considerado é o afastamento que a efetiva aplicação do crime de agressão pode causar entre os Estados Unidos e o TPI. Os norteamericanos chegaram a assinar o tratado, mas mudaram de ideia. Desde a época da sua criação, o governo Bush articulou sabotagens ao trabalho da corte internacional, firmando acordos bilaterais com outros países. O atual presidente Barack Obama está se aproximando do TPI e a possibilidade de quebrar essa aproximação não é vista com bons olhos, pelo bem do tribunal. A corte internacional, que ganha em promessas de colaboração, mas continua perdendo em ações efetivas para seu fortalecimento, lucraria com a adesão dos Estados Unidos. Com a imunidade em casos de agressão acordada para o país, o afastamento não deve acontecer, mas as chances de os norteamericanos aderirem ao TPI caem para perto de zero.

Passos seguros
Se pouco foi decidido em termos práticos em Uganda, o encontro foi de extrema importância para avaliar o trabalho da corte, enumerar as suas dificuldades e reforçar a necessidade de cada Estado colaborar. Mais do que estabelecer o que é crime de agressão, o grande desafio do TPI é se firmar. O momento pelo qual passa o tribunal ressalta essa necessidade. Dos 12 mandados de prisão expedidos pela corte, só quatro foram cumpridos. A situação mais mal digerida, certamente, é a do Sudão, onde há ordem de prisão inclusive contra o presidente, Omar Hassan Al Bashir. Este, no entanto, ignora a existência do TPI e continua a governar o país.

A necessidade do TPI se firmar esbarra no fato de que o tribunal tem os poderes bastante limitados. Todo o seu trabalho depende da colaboração dos Estados. Sem essa colaboração, a corte nada pode fazer. Em casos como o do Sudão, em que os investigados são cidadãos de um país que não assinou o Estatuto de Roma, o tribunal fica com as mãos ainda mais fortemente amarradas.

O que garante que o TPI julgue cidadãos de Estados não signatários é o pacto entre o tribunal e a ONU, o chamado Negotiated Relationship Agreement between the International Criminal Court and the United Nations. O pacto prevê, entre outras coisas, a cooperação e troca de informações entre ONU e TPI. Além disso, todos os membros da ONU devem aceitar e sustentar as decisões do Conselho de Segurança da organização. No caso do Sudão, por exemplo, foi o próprio Conselho de Segurança que pediu a investigação. Sem a colaboração do país, no entanto, tudo que o TPI pode fazer é reclamar ao órgão da ONU. Dos 192 países da ONU, 111 ratificaram o Estatuto de Roma; 39 assinaram, mas ainda não ratificaram, caso da Rússia; e os outros 42 preferiram não assinar, entre eles, Estados Unidos e China.

Apesar das poucas forças da corte, o encontro em Uganda mostrou que há uma disposição internacional para fazer o TPI funcionar. A participação maciça dos Estados comprovou isso. Foram mais de 80 países signatários presentes ao evento além de mais de 30 Estados não-signatários, entre eles, os Estados Unidos, isso só na primeira semana, destinada a um balanço do trabalho da corte até então. Membros da ONU, ONGs e diversas associações internacionais de prestígio, como a International Bar Association, a associação internacional de advogados, também se fizerem presente nos debates.

Mais de 112 promessas de colaboração com doações para a corte, cooperação com os trabalhos e ajuda às testemunhas foram recebidas. Bélgica, Dinamarca e Finlândia assinaram acordo com o TPI se comprometendo a endossar as ordens de prisão da corte. O mesmo acordo já foi assinado em 2005 pela Áustria e em 2007 pelo Reino Unido e é de vital importância para a corte, que não tem polícia própria e depende que cada nação cumpra as suas ordens de prisão.

Palco dos debates
A escolha do país africano Uganda para sediar a primeira revisão do Estatuto de Roma desde a criação do TPI é simbólica. Primeiro porque é na África onde estão os conflitos hoje objeto de investigação pela corte: na própria Uganda, no Congo, África Central, no Sudão e no Quênia. Desses, Uganda foi o primeiro país a levar um caso para a corte, em 2003, pouco depois da criação do TPI.

Já em 2007, o governo da Uganda considerou a possibilidade de que o encontro acontecesse dentro das suas fronteiras e se ofereceu. Em maio de 2008, a oferta foi aceita. A escolha é de uma importância grande para a afirmação do TPI na África. A saída dos membros da sede do tribunal em Haia, na Holanda, para ir até o continente africano foi uma bem-vista aproximação com os países que investiga. A escolha de Uganda foi tida como uma tentativa de mostrar que a corte não é um tribunal de europeus julgando africanos, crítica ainda bastante repetida.

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