Direito ao contraditório

TJ-SP proíbe investigada de ter acesso ao inquérito

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9 de junho de 2010, 19h59

A Alstom está proibida de ter acesso aos dados do Inquérito Civil aberto há dois anos pelo Ministério Público e que apura supostas irregularidades em contratos da empresa com a Companhia do Metrô de São Paulo. A decisão, por maioria de votos, é da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça paulista. A corte entendeu que a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal só se aplica as investigações criminais e não a inquéritos civis. Ou seja, o procedimento do MP continua amparado pelo sigilo.

A Súmula Vinculante 14, aprovada em fevereiro de 2009, prevê: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de Polícia Judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".

A Alstom é uma das maiores empresas do mundo nas áreas de energia e de transportes. Criou o trem rápido francês, o TGV, e está sob investigação na França, onde fica sua sede, e na Suíça, por suspeitas de ter pago propina para ganhar contratos no Brasil, na Venezuela e em Cingapura. Em São Paulo, a empresa tem vários contratos com o governo paulista e integra o consórcio da Linha Amarela do Metrô, ao lado da Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão.

"A restrição de acesso aos autos do Inquérito Civil não viola o devido processo legal, por se tratar de procedimento meramente informativo, no qual não há necessidade de se atender aos princípios do contraditório e da ampla defesa", defendeu o relator do recurso, desembargador Peiretti de Godoy. A tese defendida pelo relator não foi aceita pelo desembargador Ricardo Anafe. Este entendeu que o sigilo afrontou o princípio de reciprocidade entre nações e descumpriu a Súmula Vinculante 14 do STF.

"Respeito a opinião da Justiça, mas não posso concordar com ela. A decisão cerceou o exercício pleno da advocacia ao negar a minha cliente o acesso ao Inquérito Civil", afirmou o advogado Pedro Estevam Serrano, que representa a multinacional francesa. "A Alstom foi alijada do mínimo direito de se defender, porque desconhece a acusação e não sabe o teor do que está sendo investigado", completou o advogado.

Serrano, que ingressou com Mandado de Segurança alegando haver direito líquido e certo da Alstom ter acesso ao inquérito civil, disse que aguarda a publicação do acórdão do Tribunal de Justiça para ingressar com recurso no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.

Alstom Brasil Energia e Transporte contesta o sigilo requerido pelo Ministério Público paulista. O MP apura supostas irregularidades nos contratos da Alstom com empresas ligadas ao governo de São Paulo. O grupo industrial francês pretende que a Justiça quebre o segredo da investigação e proíba a promotoria de usar documentos enviados pelo Ministério Público Suíço ao Ministério da Justiça.

A defesa sustenta que o Ministério Público paulista faz uso indevido da documentação que o governo brasileiro recebeu das autoridades da Suíça. Segundo o advogado da Alstom, há proibição legal para esse uso. Por isso, pede que a Justiça mande parar as investigações e anule os atos já praticados pela Promotoria de Justiça. Argumenta que o sigilo não tem amparo legal e que a defesa tem o direito de acesso ao Inquérito Civil.

A investigação é feita por meio do Inquérito Civil 204/2008, que apura denúncia de suposto recebimento de propina por um empregado da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô). O promotor Silvio Antonio Marques, responsável pelo inquérito, sustenta que o acesso aos documentos iria prejudicar a investigação.

Documentos suíços
Segundo o promotor, como ainda não há autorização das autoridades suíças — que poderá bloquear a cooperação internacional com o Brasil — e como as diligências ainda não acabaram, uma eventual quebra do sigilo daria acesso a informações sobre outros investigados.

Os documentos suíços foram entregues ao Ministério da Justiça por meio de "comunicação espontânea". Esse tipo de cooperação entre as autoridades dos dois países tem amparo legal, pois está acobertada pelo artigo 67 da Lei Federal de Cooperação Internacional (Loi Su I’entraide Pénale Internacionale – OEIMP), de março de 1981.

A norma permite a autoridade suíça entregar às autoridades estrangeira provas colhidas em investigações, caso entenda que a transmissão vai permitir a abertura de investigação no outro país. No caso da Alstom, o Ministério Público Federal em São Paulo e o Ministério Público estadual receberam os documentos do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça.

A 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que não havia razão para sustentar o uso indevido da documentação, pois não existiria proibição legal para instruir investigação de natureza civil.

"O Ministério Público da Confederação Suíça só impede o uso das informações em inquéritos ou processos que versem sobre delitos políticos, militares e fiscais", afirmou o desembargador Peiretti de Godoy.

Para o desembargador, a restrição de acesso ao Inquérito Civil não viola o devido processo legal. Segundo ele, o sigilo das informações é lícito, principalmente para que não haja risco de saque e desaparecimento de valores que possam ter sido desviados dos cofres públicos. Ele ainda apontou uma eventual destruição de provas no caso de acesso à investigação.

Godoy diz que não há qualquer ilegalidade no ato administrativo do Ministério Público, inexistindo, portanto direito líquido e certo a ser amparado por meio de Mandado de Segurança.

Voto contrário
A decisão do Tribunal paulista foi tomada por maioria de votos (dois a um). O desembargador Ricardo Anafe discordou da tese apresentada pelo relator Peiretti de Godoy. De acordo com Anafe, o tratado firmado entre Brasil e Suíça não permite o uso dos documentos enviados ao Ministério da Justiça em processo civil.

Para o desembargador que ficou vencido, o uso desses documentos em Inquérito Civil está em desacordo com o tratado de cooperação e rompe a reciprocidade entre as nações, o que, na opinião do desembargador, retira cada vez mais a credibilidade do Brasil.

Anafe defendeu que a decisão do Ministério Público maltrata a lei, pois o sigilo diz respeito apenas ao processo crime. Segundo entendimento do desembargador, mesmo assim, de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado tem direito de acesso aos exames dos documentos que amparam a investigação.

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