Pretensão punitiva

Súmula que veta a prescrição virtual é retrocesso

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6 de junho de 2010, 8h00

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou o Enunciado 438, reconhecendo “ser inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. A matéria foi relatada pelo Ministro Felix Fischer e teve como referência os artigos 109 e 110 do Código Penal. Antes, no julgamento do Recurso Especial 880.774, os ministros da 5ª Turma decidiram “que, de acordo com o Código Penal, tem-se que a prescrição somente se regula pela pena concretamente aplicada ou, ainda, pelo máximo de sanção, abstratamente previsto.” Para eles, “é imprópria a decisão que extingue a punibilidade pela prescrição com base em pena em perspectiva.”

Discordamos!

Como se sabe, a pretensão estatal acusatória pode também inviabilizar-se antes da sentença penal condenatória (e mesmo antes do início da ação penal) quando, pela pena máxima cominada abstratamente, mostra-se induvidoso que no momento concreto da aplicação da pena, extinta estará a punibilidade pela prescrição retroativa (artigo 110 do Código Penal).

Esta questão que, evidentemente, nunca foi pacífica, representa o pensamento de uma corrente bastante significativa entre os nossos processualistas penais.

Grande parte dos seus opositores afirma ser o princípio da obrigatoriedade como um seu obstáculo. Este princípio, antes intocável, foi mitigado pelo artigo 76 da Lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais (em virtude da possibilidade da transação penal).

É indiscutível que o princípio que rege a Ação Penal Pública em nosso Direito Processual Penal é o da obrigatoriedade ou da legalidade (legalitätsprinzip)[1], segundo o qual o Ministério Público está vinculado à ação penal, devendo sempre ser oferecida a peça acusatória quando se tenha prova da existência do crime, indícios suficientes da autoria e não existam óbices que o impeçam de atuar (nec delicta maneant impunita).

Em sentido oposto, pelo princípio da oportunidade (opportunitätsprinzip), o órgão estatal tem a faculdade (e não o dever) de propor a ação penal quando cometida uma infração penal, exercendo-se esta faculdade discricionariamente, levando-se em conta a utilidade da persecutio criminis e tendo em vista o interesse público e a economia processual. No Brasil, como se sabe, este princípio rege apenas a ação penal de iniciativa privada, cujo exercício cabe ao ofendido, ao seu representante legal ou aos seus sucessores, que oferecem a queixa se assim o entenderem oportuno e conveniente (artigos 30 e 31 do Código de Processo Penal).

Porém, em que pese o princípio da obrigatoriedade, nada impede, mesmo em obediência a ele, que o Ministério Público, como notou Vasssali, aprecie “os pressupostos técnicos do exercício da ação penal”, usando de “certa dose de fator subjetivo”.[2]

Entendia José Frederico Marques, em consonância com Euclides Custódio de Silveira, haver “uma certa mitigação ao princípio da obrigatoriedade”, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal: “fala o texto citado em ‘razões invocadas’, para pedir o arquivamento, pelo órgão do Ministério Público, – razões que o juiz examinará se são procedentes ou improcedentes. Não esclarecendo a regra legal quais essas razões, nada impede que o Promotor Público invoque motivos de oportunidade que, se forem relevantes, podem ser atendidos ou pelo juiz, ou pelo chefe do parquet. Tais motivos são examinados pelo juiz e pelo procurador-geral. Devem ser ponderáveis e baseados na absoluta inconveniência da propositura da ação penal pública. Além disso, só se compreende em infrações de pequena gravidade: de minima non curat praetor.”[3]

O próprio Euclides Custódio de Silveira afirmava ter acolhido por diversas vezes o critério da oportunidade suscitado pelo Promotor de Justiça, quando atuava como Juiz de Direito na Comarca de Santos/SP, como nos informa José Antonio Paganella Boshi. Aliás, Boschi afirma que nas comarcas do Rio Grande do Sul, “freqüentemente os Juizes, acolhendo requerimentos dos Promotores, decretam arquivamento de inquéritos policiais, com fundamento no art. 28 do CPP, notadamente quando os crimes são de bagatela ou não contêm periculosidade social.”[4]

Também é sabido que uma das condições da ação penal é o interesse de agir, que se relaciona com a necessidade ou utilidade da jurisdição e a adequação do provimento jurisdicional. Como dizem Ada, Scarance e Gomes Filho, “no processo penal, o interesse-necessidade é implícito em toda acusação, uma vez que a aplicação da pena não pode fazer-se senão através do processo. Já o interesse-adequação se coloca na ação penal condenatória, em que o pedido deve necessariamente ser a aplicação da sanção penal, sob pena de caracterizar-se a ausência da condição.”[5]

Assim, levando-se em conta que o pedido principal que se faz em uma denúncia é sempre o de imposição de uma pena ou medida de segurança, e sendo isso impossível (pela inevitável ocorrência da prescrição retroativa), é lógico, evidente, econômico e racional que carece de interesse o órgão do parquet para iniciar a ação penal.

Como lembra Morel, citado por Frederico Marques, “a jurisdição não é função que possa ser movimentada sem um motivo que justifique o pedido de tutela judiciária”, ao que acrescenta o mestre Frederico: “ausente o interesse de agir, falta justa causa para a propositura da ação penal.”[6]

Adilson Mehmeri, comentando o princípio da legalidade ou obrigatoriedade da ação penal, adverte que em razão de nossa atual realidade, “nossos Colegiados começam a repensar o assunto e, aos poucos, vão criando certas tolerâncias que podem ser descritas como discreta resistência ao princípio da legalidade.[7]

No mesmo sentido, a doutrina leciona:

Pode-se também falar no interesse-utilidade, compreendendo a idéia de que o provimento pedido deve ser eficaz: de modo que faltará interesse de agir quando se verifique que o provimento condenatório não poderá ser aplicado (como, por exemplo, no caso de a denúncia ou queixa ser oferecida na iminência de consumar-se a prescrição da pretensão punitiva. Sem aguardar-se a consumação desta, já se constata a falta de interesse de agir).”[8]

Do mesmo modo, não haverá interesse, como pressuposto ao oferecimento da peça incoadora da ação penal, quando, a despeito da existência de provas altamente incriminadoras, em razão do transcurso acentuado do tempo, a provável pena da sentença em perspectiva apontar lapso prescricional passível de consideração desde a data do fato ou entre quaisquer dos marcos interruptivos aludidos pelo art. 117 do CP. Como o Promotor tem, perfeitamente, como supor, em face do que dispõem os arts. 59 e 68 do CP, a provável reprimenda penal, e, assim, pode muito bem concluir se em razão dela ocorrerá ou não a prescrição, (arts. 110 e parágrafos do CP), nada recomenda, em caso afirmativo, que movimente a jurisdição para buscar uma sentença que não produzirá qualquer efeito, no crime ou no cível”, havendo, neste caso, “base jurídica sólida para o pedido de arquivamento do inquérito ou peças de informações, qual seja, a que decorre da absoluta ausência de uma das condições da ação, isto é, o interesse de agir”, não se mostrando tal arquivamento como uma solução “inconciliável com o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.”[9]


O problema da prescrição retroativa precisa ter solução para que não fique desacreditada a justiça criminal. Não tem sentido processar alguém quando tudo indica que ele, mesmo sendo condenado, terá declarada extinta a pretensão punitiva.”[10]

Vê-se, portanto, ser inconcebível que, à vista da prescrição iminente, o Ministério Público, em nome da obrigatoriedade da ação penal, ative o Estado-Juiz, sabendo-se de antemão tratar-se de atividade absolutamente inócua, contrariando a própria razão de ser do processo penal, deslembrando-se, ademais, da grande quantidade de processos criminais referentes a fatos delituosos efetivamente graves.

Tanto isso é uma preocupação corrente que o Ministério Público paulista, há alguns anos, em anteprojeto de lei encaminhado ao Ministério da Justiça propondo mudanças no Código de Processo Penal, sugeriu:

Art. 24 – ………………………………………

§ 2°. – Pode o Ministério Público deixar de promover a ação penal quando:

I -…………………………..

II – em face dos elementos constantes do inquérito, só for possível prever pena que, aplicada, permitirá a declaração de extinção da punibilidade pela prescrição;”.

Não esqueçamos do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, “que debe regir la política criminal de un Estado Social y Democrático de Derecho” e, segundo o qual “la intervención del Derecho Penal en la vida social debe reducirse a lo mínimo posible”, sendo forçoso concluir “que el recurso al Derecho Penal deviene en ilegítimo desde el mismo momento en que se demuestre que es inútil o innecesario en orden a alcanzar el fin que se le asigna”, como ensina José Miguel Zugaldía Espinar.[11] (grifo nosso).

A presteza jurisdicional (observando-se, evidentemente, o devido processo legal) é corolário do moderno Direito Processual Penal; a sentença final deve guardar com o fato delituoso certa e tolerável proximidade, sob pena de se tornarem ineficazes as providências jurídicas advindas da condenação, em flagrante prejuízo para a credibilidade da Justiça Criminal.

Por outro lado, cumpre-nos preservar a dignidade do indivíduo, evitando-se a perniciosa sujeição a um processo penal inútil e, ao mesmo tempo, acumulando-se força e energia para casos criminais de efetivo relevo, dando-se, quanto a estes, a esperada resposta à sociedade e à vítima.

Acolhendo a tese, encontramos várias decisões de tribunais estaduais e dos tribunais regionais federais, tais como:

A persecução penal só ode seguir adiante quando o provimento jurisdicional invocado guardar identidade com as regras de adequação, necessidade utilidade. Se o decurso do tempo cuidou de estagnar o interesse de agir do Estado, vês que eventual pena – ainda que imposta com extremado rigor, em 08 anos dentre os limites de 03 a 10 anos previstos para o crime, em sendo primários e de bons antecedentes os implicados – não seria exeqüível diante da prescrição, indiscutível que já se faz ausente a justa causa para a persecução penal, que ora se esbarra na garantia constitucional do inciso LXXVIII do art. 5º.” (TJMT – Recurso em Sentido Estrito nº 49921/2006 – Classe I-19 – Comarca da Capital – Rel. Dra. Graciema Ribeiro de Caravella).

Trata-se, em tese, de delito de estelionato, praticado há quase 10 anos. A denúncia foi recebida em 16/10/2000 (2 anos após a prática do fato). A prescrição penal que atinge o direito de punir do Estado, em face do transcurso do tempo, tem por base a ausência de resposta punitiva do Estado no prazo razoável, o que torna desnecessária a incidência do ius puniendi. Possível é o reconhecimento da prescrição, antecipadamente, sem necessidade de instrução do feito quando, dos autos, houver de demonstração inequívoca de que, mesmo havendo condenação, em face da pena aplicada, esta resultaria sem utilidade. Desaparece o interesse de agir do Estado quando o processo é utilizado para instrumentalizar o nada, o vazio, o inócuo e para maquiar situações em que não há trabalho útil. É dever do magistrado julgar antecipadamente o feito e prestar uma jurisdição útil, que atinja a sociedade, com base nos artigos 3º do CPP e 267, VI, do CPC. Mesmo após ter sido afirmada a ação em juízo e viabilizado seu trâmite, pela inutilidade superveniente da situação processual é de ser extinto o processo, na medida da perda do interesse processual e do interesse público prevalente.” (TJRS – ReSe 70017049628 – 6ª C. Criminal – Rel. Des. Nereu José Giacomolli – J. 12/04/2007).

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público, contra sentença que, ao examinar a imputação da prática dos crimes de furto qualificado e corrupção de menores e as condições pessoais do recorrido entendeu pela extinção da punibilidade. Fundamentou o magistrado o reconhecimento da extinção da punibilidade na constatação do desaparecimento superveniente do interesse de agir. Fato datado de 20 de fevereiro de 1993 e denúncia recebida em 05 de outubro de 2004. Recorrido que à época dos crimes era menor de vinte e um anos de idade. Sentença que em sua fundamentação revela-se acertada, pois que a ação penal visivelmente está fadada ao fracasso e o processo não constitui instrumento hábil à obtenção do resultado prático pretendido pela acusação. Vale destacar que considerando a pena cominada para os crimes a prescrição da pretensão punitiva se consumaria em doze anos (artigo 109, inciso III, do Código Penal). As chamadas condições da ação, no processo penal brasileiro, condicionam o conhecimento e julgamento da pretensão veiculada pela demanda, ao preenchimento prévio de determinadas exigências, cujo desatendimento impede o julgamento da pretensão de direito material deduzida. O interesse processual, condição necessária para o regular exercício da provocação do poder jurisdicional, é visto no âmbito específico do processo penal, sob a perspectiva de sua efetividade. O processo deve mostrar-se útil desde a sua instauração, a fim de realizar os diversos escopos da jurisdição. Haverá interesse sempre que o processo constituir a única via, válida e eficaz, para que o autor da ação penal condenatória alcance a conseqüência jurídica inerente ao reconhecimento da responsabilidade penal do réu, qual seja, a aplicação da pena criminal. Assim, em hipótese de perda superveniente do interesse processual, ante a impossibilidade de futura aplicação da pena, em razão do reconhecimento da prescrição em perspectiva, deve o processo ser extinto sem resolução do mérito. Muito embora a extinção do processo por falta de interesse não se confunda com extinção do processo em virtude da extinção da punibilidade é inócua a alteração do fundamento da sentença, pois que o resultado prático consiste no impedimento do ajuizamento de nova demanda.” (TJRJ – Recurso em Sentido Estrito nº. 200705100593 DES. GERALDO PRADO – Julgamento: 13/12/2007).

Se após exame minucioso dos autos, o julgador, ao verificar a suposta pena a ser aplicada, mesmo considerando todas circunstâncias judiciais desfavoráveis, perceber que eventual juízo condenatório restaria fulminado pela prescrição, não há justificativa para proceder-se a um complexo exame da ocorrência, ou não, da conduta criminosa, em nítida afronta às finalidades do processo e em prejuízo do próprio Poder Judiciário, devendo ser reconhecida, nessa hipótese, a ausência de justa causa para a ação. 2. Negado provimento ao recurso em sentido estrito.” (TRF 4ª REGIÃO – RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 2003.70.02.003195-9/PR – DJU 22.12.2004, SEÇÃO 2, P. 177, J. 01.12.2004 – RELATOR: DES. FEDERAL LUIZ FERNANDO WOWK).

A doutrina e a jurisprudência divergem, predominando, no entanto, a orientação que não aceita a prescrição antecipada. É chegada a hora, todavia, do novo triunfar. A prescrição antecipada evita um processo inútil, um trabalho para nada, chegar-se a um provimento jurisdicional de que nada vale, que de nada servirá. Desse modo, há de reconhecer-se ausência do interesse de agir. Não há lacunas no Direito, a menos que se tenha o Direito como Lei, ou seja, o Direito puramente objetivo. Desse modo, não há falta de amparo legal para aplicação da prescrição antecipada. A doutrina da plenitude lógica do direito não pode subsistir em face da velocidade com que a ciência do direito de movimenta, de sua força criadora, acompanhando o progresso e as mudanças das relações sociais. Seguir a Lei “à risca, quando destoantes das regras contidas nas próprias relações sociais, seria mutilar a realidade e ofender a dignidade mesma do espírito humano, porfiosamente empenhado nas penetrações sutis e nos arrojos de adaptação consciente” (Pontes de Miranda). Recurso em sentido estrito não provido.” (TRF 1ª Região – RCCR 199735000000600/GO. 3ª Turma. Rel. Des. Fed. Tourinho Neto).


É cabível o reconhecimento da prescrição em perspectiva, em casos excepcionais, quando evidente que o prosseguimento da ação penal redundará em nada. Tanto a persecução penal, como a prestação jurisdicional, espécies do gênero das ações estatais, pautam-se pela observância ao princípio constitucional da eficiência (artigos 5º, LXXVIII e 37, caput, da Constituição Federal)” (TRF 4ª R. – 4ª S. – EINRSE 2007.72.04.001453-9 – Rel. Paulo Afonso Brum Vaz – j. 19.06.2008 – DJU 04.07.2008).

Na doutrina, concordamos com Fábio Ataíde ao afirmar, com a experiência de Juiz Criminal no Rio Grande do Norte, além de Professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal daquele Estado, que:

Milhares dos processos criminais que demandados no Judiciário até 2005 já estão fadados à prescrição retroativa, a tomar como referência a possível pena a ser aplicada no caso concreto. Por isso, muitos magistrados reconhecem antecipadamente a prescrição retroativa. (…) Neste particular, ao contrário da tendência do processo penal moderno, tanto o STF (cf. HC 94.757-3/08), como também o STJ (cf. HC 111.330, DJe 09.02.09), parecem seguir em um campo meramente burocrático, sem identificar as razões práticas que levam os juízes a encontrar na prescrição antecipada uma saída para a retomada da efetividade do sistema punitivo. (…) Dessa forma, muitos processos continuam tramitando sem que seja possível tirar deles qualquer efeito na proteção de bens jurídicos. São ações que, quando resultam em condenação, acabam atingidas pela prescrição retroativa, perdendo o Estado o poder de aplicar qualquer sanção. Reforça o aspecto alegórico da lei penal a crença num Judiciário preso à lei e incapaz de inovar, principalmente no campo penal. A derrocada do Direito Penal começa com seu simbolismo. Pode parecer contraditório, mas a lei penal encontra adversários também dentre seus árduos defensores, que acreditam poder defendê-la por inteiro, sem ter de extirpar uma parte para salvar o todo. O simbolismo penal vincula-se, primitivamente, à ideia de criminalização como fator de dissipação do medo social. Hobbes confirma assim o temor como alicerce do Estado Absoluto, de modo que o medo coletivo aparece como estopim de uma legislação penal simbólica e dissipadora do terror. (…) Não é necessário abrir aspas para dizer que a rejeição da prescrição antecipada somente vem a reforçar o fenômeno da lei penal simbólica, assegurando uma pseudoproteção aos bens jurídico-penais. Como se já não bastasse as cifras negras, temos, dentre os casos que finalmente chegam à Justiça, uma quantidade significativa de processos que continuam a ocupar a atenção da Justiça sem que sejam capazes de produzir efeito prático. Juízes criminais não precisam conti­nuar fazendo de conta que estão julgando. A forma como vem sendo tratado esse tema nos tribunais revela a elevada importância que se dá às normas simbólicas, inapta às finalidades para as quais são concebidas. O simbolismo penal acontece de maneira generalizada no sistema punitivo, desde institutos como a fiança até o momento da ressocialização do sentenciado. Fazendo uma análise do instituto em estudo à luz do princípio da proibição da proteção deficiente, cabe esclarecer que a questão da prescrição antecipada não é meramente formal, mas abrange aspectos para a real proteção dos direitos fundamentais. Não é tempo de repreender juízes que reconhecem a prescrição antecipadamente; essa técnica trata-se de um meio capaz de justificar os fins aos quais prestam o Direito Penal protetor de bens jurídicos em última instância. À vista disso, não será difícil inferir que a proteção da liberdade poderia muito bem fundar a opção de deixar para um plano secundário as ações penais incapazes de proteger ditos bens. Para que assim fosse, no exame do caso concreto, o valor dos processos velhos precisa ser ponderado com o dos novos, provavelmente mais sujeitos a produzir resultados práticos efetivos na proteção de direitos fundamentais. Se queremos estabelecer novos parâmetros para uma justiça do futuro, é chegado o momento de sacrificar o sangue de velhas ideias. Em tempo de crise social e econômica, ainda não encontramos meios de racionalizar o sistema penal para poupá-lo de gastos desnecessários. Como se não bastasse a precipitação da impunidade, inclusive nas instâncias superiores, resta entender que diversas outras crises estão bombardeando o Direito Penal, cuja resistência depende de meios que deem maior eficácia estratégica às escolhas punitivas, o que passa pela aceitação da prescrição antecipada. A prescrição pode ser até virtual, mas os ganhos com a sua decretação são reais. Não há dúvida de que a tramitação de processo fadado à prescrição apenas consome o tempo jurisdicional que estaria disponível para outras hipóteses cuja proteção de bens jurídicos poderia ser mais eficaz. A experiência jurisdicional do caso concreto mostra ser relativamente fácil aos operadores antever a pena aplicável ao acusado. (…) Contudo, muitos tribunais ainda não perceberam os efeitos colaterais que o processamento de ações penais sem nenhuma utilidade causa sobre outros processos que poderiam dar algum resultado. Ocupar um juiz com o trâmite de um caso sem utilidade, muitas vezes amparando a busca de testemunhas que nem ao menos lembram dos fatos, é o mesmo que impedi-lo de dar andamento aos outros casos com real consequência para a proteção de bens jurídicos fundamentais.”[12] (Grifo nosso).

Uma pena, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça tenha sumulado entendimento contrário à possibilidade do reconhecimento da prescrição virtual. Ainda mais lastimoso o fato do enunciado encontrar total apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.


[1] Ao contrário do que ocorre em outros países, como a Alemanha (desde 1924), Grécia, França, Estados Unidos da América do Norte, Grã-Bretanha, Bélgica, Israel, Japão, Egito, Suécia, Rússia, Panamá, Portugal, Áustria, Noruega, dentre outros.

[2] Apud Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Forense, 1965, p. 338.

[3] Ob. cit., p. 339, com grifo nosso.

[4] Ação Penal, Rio de Janeiro: AIDE, 1993, p. 30/31.

[5] As Nulidades no Processo Penal, São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 60, com grifo nosso.

[6] Ob. cit. p. 319.

[7] Inquérito Policial, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 435.

[8] Ada Grinover et alli, ob. cit. pp. 60/61.

[9] José Antônio Paganella Boshi, ob. cit., pp. 65 a 67.

[10] Antônio Scarance Fernandes, citado por Wellington César Lima e Silva, in A Mitigação do Princípio da Obrigatoriedade na Sistemática Processual Penal Brasileira, Revista do MP/Ba, Vol. 2, p. 78.

[11] Fundamentos de Derecho Penal – Parte General – Las Teorías de la Pena y de la Ley Penal, Universidad de Granada, 1991, pp. 163, 164 e 166.

[12] ATAÍDE, Fábio. A prescrição antecipada entre o julgar e o fazer de conta. Boletim IBCCRIM: São Paulo, ano 17, n. 202, p. 14-15, set. 2009.

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