Fronteiras da Justiça

Corte internacional discute soberania dos países

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5 de junho de 2010, 9h13

Uma crise judicial entre Alemanha e Itália vai levar a Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, a definir os limites – ou a falta deles – da imunidade de jurisdição dos países. A possibilidade de um Estado ir parar no banco dos réus da Justiça de outro é um dos atuais desafios do Direito Internacional, que tenta equilibrar soberania com garantia de justiça ao cidadão.

O conflito de interesse mundial foi parar na corte em dezembro de 2008, quando a Alemanha bateu às portas do tribunal. Os germânicos reclamam que a Itália está desrespeitando a soberania alemã. O autor desse apontado desrespeito é o Poder Judiciário italiano que, desde 2004, começou a firmar jurisprudência no sentido de que a imunidade jurisdicional dos países não é soberana quando se trata de violação aos direitos humanos. Em dezembro, acabou o prazo para os dois países apresentam suas alegações no tribunal internacional.

Em todo o mundo, a imunidade de jurisdição vem sendo alvo de calorosas discussões. Não há uma regra escrita sobre o assunto, mas o que valeu durante muitos anos foi o chamado Direito Internacional costumeiro, que previa a imunidade absoluta. Hoje, já se admite relativizar essa imunidade em questões trabalhistas, por exemplo. Nesses casos, teoricamente, um país poderia ser processado no Judiciário de outro. No caso levado à corte de Haia, a discussão é mais profunda: a Itália não só processou, como condenou e executou a decisão contra a Alemanha.

Caso Ferrini
O imbróglio jurídico internacional começou em 2004, quando a Corte Suprema de Cassação da Itália decidiu que a Justiça italiana tem competência jurisdicional para julgar o pedido de indenização contra a Alemanha.

O autor do pedido de indenização foi Luigi Ferrini. O processou começou a tramitar em setembro de 1998 no Tribunal de Arezzo. Ferrini pedia indenização por danos materiais e morais da Alemanha por ter sido capturado pelo Exército alemão em agosto de 1944, durante a 2ª Guerra Mundial, e submetido a trabalho forçado no então país nazista. Tanto o Tribunal de Arezzo como a Corte de Apelação de Florença negaram o pedido de Ferrini por considerar que não podiam colocar um país estrangeiro no banco dos réus. Uma vez na Corte Suprema de Cassação, a sorte de Ferrini mudou e o processo foi aceito (clique aqui para ler a decisão em italiano).

Com o precedente aberto, centenas de processos contra a Alemanha foram parar no Judiciário italiano. Em pelo menos duas ocasiões, a Corte Suprema de Cassação da Itália confirmou o precedente. Uma propriedade alemã em território italiano chegou a ser hipotecada para pagar indenização para vítimas do nazismo, já que o país não cumpriu a decisão da Justiça da Itália.

A Alemanha levou a questão para o governo italiano, que tentou resolver junto com o seu Judiciário. Mas, frente à independência da Justiça e da manutenção do entendimento jurídico, nada pôde fazer. Sobrou à Alemanha, então, levar o caso para Haia (clique aqui para ler em inglês). Uma crise diplomática, no entanto, foi evitada. A Itália declarou respeitar a decisão da Alemanha de bater às portas de Haia e as duas esperam, agora, uma decisão do tribunal.

Limites de jurisdição
A resposta da Corte Internacional de Justiça é esperada por todas as nações. Se entender que, quando há violação dos direitos humanos, um país pode ser condenado pelo Judiciário de outro a indenizar cidadãos, a Alemanha, por exemplo, poderá ter de se defender judicialmente em vários outros países, já que as vítimas do nazismo estão espalhadas mundo afora. Mas não só. Outros países envolvidos em outras guerras poderão ser julgados por Judiciários estrangeiros.

No Brasil, o Judiciário já foi provocado algumas vezes para se pronunciar sobre a imunidade de jurisdição dos Estados. Em 1994, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a imunidade não é absoluta, mas relativa. Em casos trabalhistas, por exemplo, pode sim ser deixada de lado. Na prática, significa que um brasileiro contratado para trabalhar na embaixada de outro país pode reclamar seus direitos trabalhistas na Justiça brasileira.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, em pelo menos duas ocasiões, sobre a imunidade jurisdicional em casos de pedido de indenização por atos violentos durante guerra. Nas duas ocasiões, a ré era a República da Alemanha e o entendimento foi o mesmo: o governo alemão deve ser citado, já que pode renunciar à imunidade de jurisdição. Em um deles, ficou definido que, se não renunciar, o caso não pode ser processado nos tribunais brasileiros, já que, quando se trata de atos praticados numa ofensiva militar, a imunidade é absoluta. Ou seja, o Estado só para nas cortes brasileiras se quiser.

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