Intercâmbio e cooperação

Observatório analisa Cortes Constitucionais latinas

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3 de junho de 2010, 15h22

A recente difusão e consolidação de sistemas de jurisdição constitucional, no ambiente latino-americano, deslocou parte do problema da legitimidade da judicial review da teoria constitucional e da filosofia política para a teoria da argumentação jurídica. A questão central não reside tanto mais em saber que poder têm as cortes, tribunais e Salas Constitucionais dos diversos países latinos, mas como e em que medida esse poder deve ser exercido.

Se entendermos que, ao contrário da representação política desempenhada pelo legislador, os tribunais constitucionais representam o cidadão argumentativamente¹, então teremos de admitir que a resposta à referida questão fundamental deve ser buscada numa teoria da argumentação que, além de normativa e analítica, deve ser pragmática e empírica o suficiente para levar em consideração como os tribunais, de fato, estão decidindo. As práticas jurídico-argumentativas da Cortes Constitucionais tornam-se, dessa forma, o principal objeto dos estudos sobre a legitimidade democrática da jurisdição constitucional.

Essas constatações, somadas ao recente (e crescente) fenômeno de intercâmbio e cooperação entre os diversos órgãos de jurisdição constitucional², sugerem condições extremamente propícias para o desenvolvimento de redes internacionais de observação dos atos e atividades das Cortes Constitucionais. No contexto latino-americano, o compartilhamento de uma mesma tradição jurídica – originada da confluência do sistema de common law com as tradições romano-germânicas sobre as quais estão fundadas as culturas jurídicas hispânica e lusitana – e de problemas jurídicos muito semelhantes constitui um ingrediente a mais para a construção dessas redes.

É nesse contexto que o Departamento de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Alicante (Espanha) cria, neste ano de 2010, o Observatorio DOXA de Argumentación Jurídica para el Mundo Latino, sob a coordenação de um Comitê Executivo, que terá como diretor o Professor Manuel Atienza, e de um Conselho Assessor, composto por outros grandes nomes da filosofia do direito e da teoria da argumentação jurídica, tais como, Robert Alexy (Universidade Christian-Albrechts de Kiel, Alemanha), Eugenio Bulygin (Universidad de Buenos Aires, Argentina), Ernesto Garzón Valdés (Universidade Johanes Gutenberg de Maguncia, Alemanha), Luigi Ferrajoli (Università degli Studi di Roma Tre, Itália), Ricardo Guastini (Università degli Studi di Genova, Itália), José Juan Moreso (Universitat Pompeu Fabra, Espanha), entre outros.

O Observatório DOXA trabalhará com dois objetivos gerais e primordiais:
1) informar-se do estado e do desenvolvimento da argumentação jurídica no mundo latino;
2) contribuir para a melhoria das práticas jurídico-argumentativas no ambiente latino.

Para a realização desses objetivos, o Observatório DOXA adotará as seguintes linhas de atuação:
a) informativa – correspondente à oferta de informação atualizada e relevante sobre as práticas jurídico-argumentativas;
b) crítica – com a promoção de análise e de avaliação, públicas e deliberativas, da argumentação jurídica;
c) teórica – por meio da contribuição ao desenvolvimento cooperativo e difusão de pautas metodológicas e institucionais que melhorem a qualidade da práxis argumentativa no mundo jurídico latino.

Cada linha de atuação contará com serviços específicos, de desenvolvimento a médio e a longo prazo, para a realização dos objetivos primordiais do Observatório. Assim, a linha informativa contará com serviços de notícias e boletins periódicos; a linha crítica será realizada por meio de foros de discussão, dossiês de casos discutidos, relatorias e anuários; e a linha teórica será efetivada por centros virtuais de documentação e por bancos de boas práticas, guias metodológicos e consultoria.

A continuidade e a qualidade dos referidos serviços será garantida pela Rede de Observação, formada por representantes de cada país latino-americano, que ficarão responsáveis por alimentar o Observatório DOXA com informações, opiniões e sugestões a respeito da produção jurisprudencial, atual e relevante do ponto de vista da argumentação jurídica, no âmbito local. Caberá à coordenação geral, sediada na Universidade de Alicante, assegurar o funcionamento coordenado e cooperativo dos diversos participantes locais da Rede de Observação, canalizando adequadamente a comunicação entre eles, além de receber, processar e compilar as informações provenientes da rede.

Assim, em cada país latino-americano poderá ser formada uma rede local de observadores, composta por universidades, organizações e juristas (teóricos e práticos), preocupados em fornecer informações e aportar opiniões acerca das práticas jurídico-argumentativas no âmbito local.

No Brasil, a coordenação da rede local ficará sob a responsabilidade da Professora Claudia Roesler, da Universidade de Brasília (UnB), e contará com a parceria do Observatório da Jurisdição Constitucional, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na qualidade de observador local das práticas jurídico-argumentativas no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O Observatório da Jurisdição Constitucional, como espaço aberto de divulgação e crítica das atividades dos Tribunais Constitucionais nos planos nacional e internacional, participará desse projeto numa forma de intercâmbio cooperativo: fornecerá informações e análises críticas ao Observatório DOXA e dele também receberá aportes informativos e críticos sobre o desenvolvimento das práticas argumentativas por parte de Cortes, Tribunais e Salas Constitucionais do ambiente latino-americano.

As atividades desenvolvidas por ambos os Observatórios – DOXA (Universidad de Alicante) e da Jurisdição Constitucional (IDP) – inserem-se, assim, num contexto por alguns denominado de globalização judicial³ e, dessa forma, além de incentivarem a troca de informações jurisprudenciais entre os países da região, contribuem decisivamente para a construção, ainda que paulatina, de um direito constitucional comum latino-americano4, e para a formação de uma filosofia do direito para o mundo latino5.


1. ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Trad. Luís Afonso Heck. In: Revista Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 217: 55-66, jul./set. 1999.

2. Fenômeno este que se desenvolve plenamente, e principalmente, no âmbito das atividades da Conferência Iberoamericana de Justicia Constitucional – CIJC. Cfr.: VALE, André Rufino do. Intercâmbio e cooperação internacional entre órgãos de Jurisdição Constitucional. Observatório da Jurisdição Constitucional Ano 2008/2009 – IDP – ISSN 1982-4564, www.idp.edu.br.

3. Cfr.: SLAUGHTER, Anne-Marie. A typology of transjudicial communication. In: HeinOnline — 29 U. Rich. L. Rev. 138 1994-1995. Idem. Judicial globalization. In: HeinOnline — 40 Va. J. Int’l L. 1103 1999-2000. Idem. A global community of Courts. In: HeinOnline — 44 Harv. Int’l L.J. 191 2003.

4. Cfr.: Häberle, Peter. México y los contornos de un derecho constitucional común americano: un ius commune amercianum. In: Haberle, Peter; Kotzur, Markus. De la soberanía al derecho constitucional común: palabras clave para un diálogo europeo-latinoamericano, Trad. Héctor Fix-Fierro. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM, 2003.

5. ATIENZA, Manuel. Una propuesta de filosofía del derecho para el mundo latino. Alicante, Doxa n° 30, 2007.

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