Excesso de prazo

Juízes estaduais criticam punições em novo CPC

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2 de junho de 2010, 17h48

A versão final do anteprojeto de lei do novo Código de Processo Civil ainda precisa de reparos. É a opinião do presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, desembargador Elpídio Donizetti, que também compõe a comissão de juristas encarregada de analisar a proposta. Em ofício enviado ao presidente da comissão, ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, Donizetti criticou a previsão de penalidades a magistrados no novo CPC. Segundo ele, essa é uma matéria “de índole administrativa”, e não processual.

A nota dá, como exemplo, o artigo 194 do anteprojeto, que disciplina a representação “contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei”. Diz o ofício que “a própria Loman, lei posterior ao CPC/73, já prevê como dever do magistrado ‘não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar e despachar’ (art. 35, II), e as penalidades a serem aplicáveis (art. 42)”.

Donizetti lembra que os magistrados são os únicos a serem punidos no novo Código. “No parágrafo 1º do artigo 68, ao se tratar da penalidade imposta àqueles que deixam de cumprir decisões judiciais, exclui-se expressamente a figura dos advogados, ‘que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil’”, diz. Ele lembra que os magistrados, promotores e servidores da Justiça também têm estatuto próprio.

Em reação às críticas feitas pelo presidente da Anamages, a Comissão de Juristas do Senado, criada para a elaboração do projeto de lei do novo CPC, aprovou uma moção de apoio ao ministro Luiz Fux, “pela condução democrática, isenta e plural dos trabalhos”.

De acordo com Bruno Dantas, integrante da Comissão de Juristas que assina a nota, as críticas feitas pelo desembargador Elpídio Donizetti são infundadas.

“As proposições que prevaleceram nos debates são frutos do amadurecimento das teses levadas ao Plenário da Comissão por todos os seus membros, e acolhidas em votação democrática e participativa pela maioria do Colegiado, respeitado o direito de voz e voto de cada um de seus integrantes.” As atas estão disponíveis no site do Senado.

Leia a nota:

Ofício 01/2010

Ao Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux, presidente da Comissão de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de 2009, destinada a elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, e demais integrantes

Tendo recebido já no findar do dia 30/05/2010 a versão final do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, dirijo-me a V. Exas. para apresentar sugestões e ressalvas (as quais seguem em arquivo anexo)  ao futuro projeto de lei.

O tempo exíguo não me permitiu acurada análise de todos os 1025 artigos que integram o anteprojeto. Não obstante, sobre ele me debruçando desde ontem, constatei algumas imperfeições que merecem apontamento.

Abaixo elenco alguns vícios formais do Anteprojeto, que certamente já seriam corrigidos pela relatora, mas que fiz questão de mencionar, na tentativa de auxiliar Sua Exa. no árduo trabalho.

Mas há questões mais profundas, já destacadas anteriormente, a merecer especial destaque.

Como bem sabemos, o Código de Processo Civil deve cuidar dos aspectos procedimentais da atividade jurisdicional. O Código é de processo, e não de Direito Administrativo ou penal. 

Nesse contexto, não vejo razões para que o novo CPC trate de questões ligadas aos deveres e penalidades aplicáveis aos magistrados, matéria de inegável índole administrativa. Aliás, tais normas de conduta já se encontram explicitadas em Lei Complementar regulamentadora da carreira da magistratura em todo país, em atendimento ao comando constitucional (art. 93 da CF). Refiro-me à LC nº 35, de 1990 (LOMAN).

Para exemplificar, cito o art. 194 do anteprojeto (semelhante ao vigente art. 198), que disciplina a representação “contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei”. Ora, a própria LOMAN, lei posterior ao CPC/73, já prevê como dever do magistrado “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar e despachar” (art. 35, II), e as penalidades a serem aplicáveis (art. 42). Não vislumbro, portanto, necessidade em se ocupar o novo CPC com idêntica matéria.

É interessante observar que o anteprojeto não se preocupa em regular a conduta e sanções aplicáveis a integrantes de outras carreiras. Por exemplo, no §1º do art. 68, ao se tratar da penalidade imposta àqueles que deixam de cumprir decisões judiciais, exclui-se expressamente a figura dos advogados, “que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil”. Acontece que, à semelhança dos advogados, também os magistrados, promotores e demais servidores da Justiça detêm estatuto próprio. Qual a razão do tratamento diferenciado?

Mas não é só. O art. 108 do anteprojeto, ao discriminar em 09 (nove!) incisos quais seriam os deveres do magistrado, revela a desconfiança e o ânimo controlador desta Comissão em face da atividade judicante. Ora, por força da Constituição vigente, da LOMAN, e também do capítulo do anteprojeto intitulado “princípios e garantias fundamentais”, o magistrado já é sabedor do dever de promover o andamento célere do processo e da importância da conciliação, além dos outros “deveres” mencionados no art. 108. Fico me perguntando: para que tamanha repetição? Também questiono aos ilustres pares: por que não estender o tratamento dispensado aos magistrados aos demais agentes, públicos e particulares, que participam do processo? Afinal, pau que dá em Chico também dá em Francisco.Recuso-me a admitir que esta é uma comissão anti-magistratura.

As repetições inúteis, sempre voltadas para a atuação do magistrado, não param por aí.

O art. 11 do anteprojeto diz que não poderá o juiz decidir com base em fundamento a respeito do qual as partes não tiveram oportunidade de se manifestarem, ainda que se trata de matéria cognoscível de ofício. A excelente regra, todavia, não precisa ser repetida incontáveis vezes ao longo dos mais de mil artigos do novo CPC, como ocorre nos artigos 153, §1º, 199, §4º, 261, parágrafo único, apenas para citar alguns.

A visão do magistrado como sujeito desconhecer das leis e dos princípios que regem o processo, conquanto infelizmente reine na mente dos integrantes desta comissão, jamais poderá ser levada para um código democrático de processo. Penso que se mostraria mais profícuo aos anseios dos integrantes da comissão a elaboração de anteprojeto de uma Nova Constituição, extirpando de nossa terra tupiniqum a figura do famigerado juiz, que nada sabe sobre o Direito e que, na obtusa visão revelada por esta Comissão, só dificulta a prestação jurisdicional.

Como, por enquanto, estamos a discutir apenas a elaboração de um Código de Processo, devemos nos ater às questões que, respeitando os preceitos da ordem constitucional vigente, efetivamente contribuam para a construção de um sistema processual melhor para o país.

Com essas rápidas considerações, Sr. Presidente Ministro Luiz Fux e demais integrantes desta notável Comissão, apresento as minhas sugestões à versão final do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, que constituem reiteração de observações anteriormente já feitas, mas que ou não foram lidas ou simplesmente desprezadas, o que dá no mesmo.

Exatamente por se tratar de reiteração, no receio de que as luzes da Comissão se apaguem (amanhã, de acordo com a convocação,  votaremos o relatório final),  sem que sejam riscadas do anteprojeto as teratologias apontadas, estou dando conhecimento do teor desta mensagem a todos os magistrados brasileiros, os quais, por certo, cerrarão fileiras – tal como,  adiantadamente e de forma subliminar,  procedeu determinada classe de profissionais do direito perante a Comissão – , a fim de restaurar o equilíbrio e a dignidade da função judicante no âmbito do Congresso Nacional.      

Belo Horizonte (MG), 31 de maio de 2010.

Elpídio Donizetti
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais e membro da Comissão de Juristas incumbida de elaborar o anteprojeto do Novo CPC.

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