Direito de resposta

TSE discute limites da imprensa em ano eleitoral

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31 de julho de 2010, 9h12

O pedido de direito de resposta do candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), contra a revista Veja, barrado no Tribunal Superior Eleitoral aos 45 minutos do segundo tempo, reacendeu a discussão sobre os limites do noticiário político-eleitoral em tempos de eleições. E também trouxe à baila a seguinte questão: cabe à Justiça Eleitoral julgar pedidos de direito de resposta contra órgãos de imprensa?

Na liminar em que suspendeu a resposta de Roriz prestes a ser publicada na revista semanal, o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, anotou que há uma controvérsia na corte a respeito de sua competência para julgar esse tipo de pedido. Nas últimas eleições presidenciais, houve decisões contra e a favor da competência.

Em uma dessas decisões, na Representação 1.201, por quatro votos a três, o TSE decidiu que o direito de resposta de que trata o artigo 58 da Lei Eleitoral (Lei 9.504/97) só se aplica aos atores do processo eleitoral: candidatos, partidos e coligações partidárias. Contra a imprensa, os pedidos devem ser encaminhados à Justiça comum.

A divergência sobre a questão foi aberta pelo ministro Carlos Britto. Na ocasião, o ministro anotou que “é precisamente em período eleitoral que a sociedade civil e a verdade dos fatos mais necessitam da liberdade de imprensa e dos respectivos profissionais”. A decisão foi tomada em um pedido de resposta do PT contra o jornal Folha de S.Paulo.

No mesmo ano, contudo, o TSE garantiu direito de resposta à coligação “A Força do Povo”, formada por PT, PRB e PCdoB, contra a Rádio CBN. Na ocasião, o relator do processo, ministro Ari Pargendler, anotou que “o Estado deve podar os excessos cometidos em nome da liberdade de imprensa sempre que possam comprometer o processo eleitoral”. A decisão foi tomada na Representação 1.256.

Um ministro do TSE ressalta que a competência da Justiça Eleitoral deve ser mantida nestes casos porque ela é muito mais célere do que a Justiça comum. Assim, se a ofensa pode comprometer o processo eleitoral, nada mais justo que a resposta seja dada a tempo. Ademais, competência é poder. E não é sempre que um tribunal abre mão de poder.

O advogado e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral, Alberto Pavie Ribeiro, explica que a legislação trata de formas distintas TV e rádio e a imprensa escrita ou internet. Por serem concessões públicas, emissoras de rádio e televisão têm o dever de serem imparciais. Já jornais e revistas têm o direito até de declarar apoio a candidatos. “Se há essa opção, não há como dizer que também não são atores do processo eleitoral. Logo, cabe a atuação da Justiça Eleitoral para reparar possíveis danos”, opina Ribeiro.

Para outro renomado especialista em Direito Eleitoral, o advogado Erick Pereira, é possível a atuação da Corte Eleitoral. Mas o caso de Joaquim Roriz, por exemplo, ele acredita que não se enquadra. Isso pelo fato de o candidato ter ingressado com pedido de direito de resposta na Justiça Eleitoral e pedido de indenização por danos morais na Justiça comum. “Esse conflito precisa ser dirimido para que não haja dupla sanção”, afirma.

O TSE deverá fixar seu entendimento a partir da semana que vem, quando o mérito do pedido de resposta de Roriz contra a Veja será julgado. O relator do processo é o ministro Aldir Passarinho Júnior.

Direito à informação
Mas uma discussão ainda mais importante permeia a da competência da Justiça Eleitoral para julgar direito de resposta contra órgãos de imprensa. Afinal, se o jornalista não pode escrever sobre as pessoas mais conhecidas da República por ser ano eleitoral, vai escrever sobre o quê?

“Se o órgão de imprensa se limita a reproduzir fatos, tem na própria reportagem uma defesa para qualquer pedido de resposta”, afirma Alberto Pavie Ribeiro. Em casos de denúncias do Ministério Público, investigações policiais ou mesmo condenações judiciais, a reprodução fiel dos fatos é a salvaguarda. “O limite está exatamente em retratar com fidelidade o que ele apurou”, diz.

O advogado alerta que isso não quer dizer que não haja espaço para a crítica. Mas ela tem de ser exercida com critérios. De acordo com Pavie Ribeiro, “em qualquer tempo, mas principalmente em período eleitoral, é saudável que fique bem claro nos jornais e revistas o que é opinião do órgão de comunicação e o que é notícia”.

Para o advogado Erick Pereira, a vigilância da imprensa deve ser ainda maior neste período. “Os jornais têm o dever de informar aos cidadãos sobre fatos que envolvem agentes públicos, sobretudo às vésperas das eleições. Os candidatos, quando se lançam em busca de votos, abrem mão de uma parcela do direito à intimidade”, opina.

“A crítica ou a narrativa de um fato não enseja direito de resposta. Ainda que seja negativo ao candidato, se o fato é verídico não há do que reclamar”, corrobora Marcus Vinicius Furtado Coelho, secretário-geral do Conselho Federal da OAB. O que a imprensa deve evitar, diz o especialista, é adjetivar o texto.

O advogado Erick Pereira lembra recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que a imprensa não precisa esperar provas cabais de atos ilegais de agentes públicos para noticiar fatos relevantes. Pereira entende que “indícios de irregularidades ou atos de investigação podem ser divulgados. Quando se trata de agente público, aumenta proporcionalmente o direito de informar da imprensa”.

No caso julgado pelo STJ, o relator do processo, ministro Luís Felipe Salomão, anotou que “se, por um lado, não se permite a leviandade por parte da imprensa e a publicação de informações absolutamente inverídicas que possam atingir a honra da pessoa, não é menos certo, por outro lado, que da atividade jornalística não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial”.

Era digital
Há outra discussão que ganha corpo diante de possíveis processos de candidatos e partidos contra a imprensa. Notícias publicadas por portais e sites na internet se perpetuam graças aos mecanismos de busca. Assim, uma condenação sofrida há dez anos por um candidato continua sendo veiculada pela rede mundial de computadores.

Há casos em que a imprensa noticia uma investigação e, posteriormente, os investigados não são denunciados ou são absolvidos depois do processo. Ou mesmo foram condenados, mas suas penas já foram cumpridas.

Nos bancos de dados disponíveis na rede mundial de computadores há notícias que candidatos podem alegar que atrapalham suas candidaturas. Elas estão na internet e podem ser lidas a qualquer momento. À época das notícias, os fatos eram fiéis ao que foi publicado. Anos depois, não retratam o estado atual das coisas. Como dirimir essa equação? A notícia que era legal em 2007 pode tornar-se ilegal em 2010, pelo simples motivo de o país estar em pleno processo eleitoral.

Pavie Ribeiro considera que os sites não devem tirar a informação do ar, já que ela retratou a realidade quando foi inserida na internet. Mas cabe uma retificação. “É a reparação possível. Ao final da notícia, o site pode incluir que, posteriormente, o acusado foi absolvido ou o condenado já cumpriu sua pena”, afirma o advogado.

Erick Pereira ressalta que essa discussão já foi travada nos Estados Unidos. E o que se decidiu é que o cidadão, candidato ou não, pode pedir a atualização da notícia. Afinal, não se pode apagar o passado.

“No Brasil, ainda não se discutiu a fundo essa questão, mas tribunais americanos entenderam que a notícia deve continuar a ser veiculada, já que retratou um fato verídico quando foi publicada. O que se pode requerer é uma nota de atualização da notícia ou a publicação de novo texto dando conta da situação atual daquele investigado ou condenado”, conta Pereira.

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