Processo eleitoral

Lei da Ficha Limpa não pode ter efeitos em 2010

Autor

  • Alberto Pavie Ribeiro

    é advogado e sócio do escritório Gordilho Pavie e Aguiar Advogados Associados. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral e do Instituto Victor Nunes Leal.

30 de julho de 2010, 12h14

Após a edição da Lei Complementar 135, em 4 de julho de 2010, surgiu o debate sobre sua eficácia em face das eleições gerais de 3 de outubro de 2010, tendo em vista o princípio da anualidade da lei eleitoral, contido no artigo 16 da Constituição Federal.

Dias após, o Tribunal Superior Eleitoral respondeu à Consulta 1.120, oportunidade em que afirmou que as normas introduzidas pela LC 135 não implicariam a alteração do processo eleitoral, o que afastaria a necessidade de observar o art. 16 da CF[1].

Afirmou o ministro relator da consulta que, diante dos termos da nova lei, não se poderia ter dúvida quanto à sua aplicação a situações anteriores à sua vigência e, consequentemente, às eleições que se realizarão no presente ano de 2010.[2]

Há, no ponto, certa perplexidade quanto à aplicação de princípios, data venia. Uma coisa é a observância ao princípio da anualidade da lei eleitoral, que pressupõe a aplicação da lei somente para a eleição que se realizar a partir de um ano depois da sua vigência. Outra coisa é a observância ao princípio da irretroatividade da lei, que pressupõe a sua não aplicação para os fatos ocorridos antes da sua vigência.

Na hipótese de observância apenas ao princípio da anualidade, a lei eleitoral que promovesse alteração do processo eleitoral poderia alcançar os fatos pretéritos a ela — sem se cogitar, pois, da não retroatividade —, o que se daria diante do entendimento de que a LC 135 poderia ser aplicada a fatos pretéritos, porém, apenas a partir das eleições que ocorressem um ano após sua vigência, vale dizer, para as eleições que se realizarem a partir de 6 de junho de 2011. Então, o candidato alcançado por alguma das novas hipóteses seria inelegível apenas para as eleições que ocorressem após essa data, mas não para as eleições de 2010.

Já na hipótese de observância apenas ao princípio da irretroatividade da lei — desconsiderando-se o princípio da anualidade — seria possível aplicar a LC 135 já na eleição de 2010, porém, para os fatos ocorridos a partir de sua vigência, a contar de 5 de junho de 2010. Então, o candidato alcançado por alguma das novas hipóteses, mas por fatos pretéritos a ela, seria elegível para toda e qualquer eleição, já que os fatos pretéritos à LC 135/2010 não lhe alcançariam.

São dois princípios distintos, de contornos nítidos e de fácil compreensão, que têm aplicação igualmente distinta.

Tratemos, inicialmente, apenas do princípio da anualidade da lei eleitoral, contido no art. 16 da CF.

Quanto a ele, o egrégio TSE conferiu, na Consulta 1.120, interpretação de que a norma constitucional estaria se referindo apenas e exclusivamente ao “processo” no sentido da lei processual, da lei adjetiva, razão pela qual, veiculando a LC 135 hipóteses de inelegibilidade, estar-se-ia diante de norma de direito material, não suscetível de observância ao princípio do art. 16 da CF[3].

Para o eg. TSE se, no caso, tivesse ocorrido alteração de normas de “direito material” e não normas de “direito processual”, não se estaria diante da vedação do art. 16 da CF, porque as alterações de “direito material” não se subsumiriam à hipótese do “processo eleitoral” mencionado na norma constitucional.

Em seguida, pretendendo justificar esse raciocínio, invocou a resposta dada pelo próprio eg. TSE na Consulta 11.173, da relatoria do min. Octávio Gallotti.[4]

O exame dessa consulta revela que não houve argumentação ou fundamentação no voto do min. Octávio Gallotti. Apenas afirmação pontual de que a LC 64/1990 deveria ser aplicada de imediato, seja porque era a lei complementar exigida pelo art. 14, parágrafo 9º, da CF, seja porque não configuraria alteração do processo eleitoral.[5]

A questão mereceria, por parte do eg. TSE, salvo melhor juízo, debate mais aprofundado, sobre a correta interpretação do art. 16 da CF, uma vez que existem vários precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de conferir ao art. 16 da CF a interpretação que entendeu ser a mais correta em vários casos submetidos ao seu julgamento.

O primeiro que se pode indicar é a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 354, julgada em 24 de setembro de 1990, na qual o Partido dos Trabalhadores impugnou o artigo 2º da Lei 8.037, de 25 de maio de 1990, no ponto em que determinava sua imediata eficácia, vale dizer, para as eleições que ocorreriam no mesmo ano de 1990.

Conquanto o STF tivesse recusado, naquele caso, por maioria de seis votos a cinco, a observância do princípio da anualidade da lei eleitoral, até mesmo o então relator, min. Octávio Gallotti, declarou que o “processo eleitoral” mencionado no art. 16 da CF teria um significado amplo e não apenas de normas “processuais”, ao assinalar que “a primeira noção a expungir do dispositivo, antes de tentar-se um aprofundamento em sua significação, é a de que a limitação nele instituída não se refere (ou não se restringe, pelo menos) à alteração das regras do processo, tomadas como sendo as de direito judiciário, ou seja aos meios ou instrumentos da composição das lides nas questões eleitorais.”

Foi além o min. Octávio Gallotti para afirmar que o “processo eleitoral” “alcança a sucessão, o desenvolvimento e a evolução do fenômeno eleitoral, em suas diversas fases ou estágios, a começar pelo sistema partidário e a escolha de candidatos, passando pela propaganda, e pela organização do pleito propriamente dito, a culminar na apuração do resultado”.

Lembrou S.Exa que “nessa linha, decidiu, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral, recusar a vigência imediata da Lei 8.054, de 21-6-90, que prorrogava o prazo de vencimento de registro de partidos com representação parlamentar, federal ou estadual”, reafirmando, ainda, o que tinha afirmado no julgamento do TSE: “No caso, em exame, Senhor Presidente, penso que, pelo contrário, estamos diante de um padrão clássico de aplicação do artigo 16 da Constituição Federal. Uma lei que modifica a relação entre os partidos, candidatos e eleitores, modifica a equação, a correlação de forças políticas e mesmo, Senhor Presidente, estando inserida no sistema partidário, como ressaltou o eminente Procurador Geral Eleitoral, parece inegável que altera o processo eleitoral, naquilo que ele tem de mais sensível e peculiar, que é a competição. Julgo que não se pode negar que uma lei que permite a presença no processo eleitoral de determinados partidos políticos, que de outra forma a ele não estariam presentes seja uma regra que altera as forças da competição, mesmo plantada dentro da legislação que regula o sistema partidário”.

Ocorre que a Lei 8.054 tratava de alterar a forma de se efetuar o “cômputo de votos” fato esse que, no entender do próprio Ministro Octávio Gallotti e dos que o acompanharam, não acarretava “surpresa da interferência na correlação das forças políticas, no equilíbrio das posições de partidos e candidatos, nos elementos da disputa e de competição, bem como a quebra da isonomia”. Por isso concluiu, naquele precedente, que “não estava em causa a captação ou a elaboração de vontade do eleitor, mas sua interpretação, até porque a imperfeição da manifestação dessa vontade (indicação de nome de candidato, acompanhada do Partido pelo qual não foi apresentado) não pode ser tida como consciente, para alcançar determinado resultado”.

Essa situação excepcional, indicada no referido julgamento do STF, jamais poderia ser aplicada para a hipótese de lei complementar que cria novas hipóteses de inelegibilidade. É que a lei que cria novas hipóteses de inelegibilidade é a lei que possui a maior capacidade de alterar a relação existente entres os partidos, candidatos e eleitores, modificando a equação e a correlação das forças políticas, para se valer das mesmas expressões utilizadas pelo eminente min. Octávio Gallotti.


Voltemos, porém, ao exame da Consulta 1.120, no ponto em que se reportou ao entendimento sufragado na Consulta 11.173.

O STF teve a oportunidade de reexaminar a matéria, em sede de Recurso Extraordinário, porque aplicado em processo que fora julgado perante o TSE o entendimento contido na Consulta 11.173.

Trata-se do RE 129.392, no qual o STF rejeitou, novamente pela maioria de seis votos a cinco, a aplicação do princípio da anualidade da lei eleitoral, contido no art. 16 da CF, porém, desta feita, em face da LC 64.[6]:

A importância desse precedente, para que se possa chegar a uma definição sobre a necessidade ou não de a LC 135 ter de observar o art. 16, está no fato de a LC 64, como a LC 135, ter introduzido novas hipóteses de inelegibilidade na legislação eleitoral.

A leitura da ementa já permite constatar que uma das teses que havia sido acolhida pelo TSE na antiga Consulta 1.173, à qual a atual Consulta 1.120 se reportou, não prevaleceu no STF, qual seja, a de que as normas da LC 64 não seriam pertinentes ao “processo eleitoral”, já que se deliberou no sentido de rejeitar o RE apenas com base no fundamento de que se tratava de lei complementar destinada a implementar “um novo regime constitucional de inelegibilidades”, o que afastaria a necessidade de observar-se o princípio da anualidade da lei eleitoral.

A leitura dos votos proferidos nesse julgamento revela, efetivamente, que até mesmo alguns dos eminentes ministros que afastavam a aplicação do princípio da anualidade — sob o fundamento de que a LC 64 estaria implementando um novo regime constitucional de inelegibilidades previsto na CF de 1988 — reconheciam que a LC 64 constituía norma de “processo eleitoral”.

Dentre os que reconheciam que a LC 64 deveria observar o princípio da anualidade pode-se citar os ministros Sepúlveda Pertence[7], Marco Aurélio[8], Carlos Velloso[9], Celso de Mello[10] e Aldir Passarinho[11].

Quanto aos que recusavam a aplicação do princípio da anualidade da lei eleitoral, é importante lembrar que o próprio min. Paulo Brossard, que abriu a divergência que prevaleceu à época, votou no sentido de que afastar a ideia de que a LC não seria de “processo eleitoral”, mas concluía que não se aplicaria a vedação do art. 16 porque a inconstitucionalidade decorreria de outra norma constitucional[12].

Até mesmo o min. Octávio Gallotti, que fora relator da Consulta 11.173 no TSE, reconheceu que se tratava de matéria de “processo eleitoral” — ao afirmar que não estaria havendo indevida alteração do processo eleitoral —, mas compreendia que, por força do parágrafo 9º do art. 14 da CF, deveria ser afastado o princípio do art. 16 da CF, já que, repita-se, estava diante de uma alteração do “processo eleitoral” que não poderia ser qualificada como “indevida”[13].

Ora, se o STF somente admitiu fosse afastado o princípio da anualidade da lei eleitoral em face da LC 64 sob o fundamento de que se tratava de uma nova lei exigida pela Constituição Federal para o fim de implementar um “novo regime constitucional de inelegibilidade” — reconhecendo, porém, que ela alterava o “processo eleitoral” —, para admitir o mesmo tratamento à LC 135 será necessário verificar a existência desse requisito.

Indague-se, portanto, se a LC 135 seria uma lei destinada a implementar um novo regime constitucional de inelegibilidades ou se seria apenas uma nova lei que estivesse alterando a lei pretérita (LC 64) e a resposta, salvo melhor juízo, será no sentido de tratar-se de uma lei que apenas promove alterações na já existente.

Com efeito, como deixou assinalado o min. Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI 3.685, o real significado da decisão do STF proferida no RE 129.392, para afastar o princípio da anualidade, foi no sentido de a maioria ter compreendido que estava diante de uma lei complementar destinada a implementar um “novo regime constitucional de inelegibilidades”, previsto na Constituição de 1988[14].

Efetivamente, a LC 135 não pode ser considerada como um “complemento necessário a implantação do novo regime constitucional de inelegibilidades”, porque esse novo regime foi instituído pela CF de 1988 e complementado pela LC 64/1990.

Essa conclusão não se altera diante do fato de o parágrafo 9º do art. 14 da CF ter sofrido alteração com a ER 4, passando a admitir que a “lei de inelegibilidades” pudesse estabelecer hipóteses para verificação da “vida pregressa do candidato”.

É que a LC 135/2010 não é necessariamente a lei que passou a ser exigida pelo novo texto do parágrafo 9º do art. 14 da CF, até porque o STF, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144 decidiu que não poderiam os órgãos do Poder Judiciário promover o exame da “vida pregressa”, tal como se dá para o acesso a outros cargos da administração pública, na fase de seleção de concurso público.

Com efeito, o exame do preâmbulo da LC 135/1994 não indica ter o legislador pretendido estabelecer hipóteses de inelegibilidade para permitir que a Justiça Eleitoral pudesse realizar o exame da “vida pregressa do candidato”. Não que as hipóteses de inelegibilidade — tanto as mencionadas na CF como as mencionadas na Lei de Inelegibilidades — não sejam tidas como fatos da vida pregressa, porque sempre o foram.

Mas a LC 135 não permite que os fatos da vida privada sejam objeto de exame subjetivo pela Justiça Eleitoral, tal como se imaginava que poderia vir a estabelecer, como lembra Joel J. Cândido, ao comentar a súmula 13 do TSE (“Não é auto-aplicável o § 9º, art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão n. 4/1994”)[15].

Sendo certo, pois, que a LC n. 135 não constitui uma lei destinada a implementar um novo regime constitucional de inelegibilidades, porque o regime de inelegibilidades já foi implementado pela LC n. 64/1990 — argumento utilizado pelo STF para afastar o princípio da anualidade em face da LC 64 — não parece que seja possível, diante da jurisprudência predominante do STF, afastar a aplicação do princípio da anualidade à LC 135.

Tenha-se presente, ainda, que o STF, desde 1990, promoveu uma alteração na sua interpretação sobre o art. 16 da CF, passando a compreender que o princípio da anualidade da lei eleitoral constituiria, em verdade, um princípio do “devido processo legal eleitoral” de sorte a afastar até mesmo a aplicação de norma veiculada em emenda constitucional, no ano seguinte à sua promulgação.

É o que se constata do julgamento da ADI 3.685, ocorrido em 2006, quando o STF voltou a enfrentar o tema pertinente à aplicação ou não do art. 16 da CF e, naquele momento, diante de sua nova composição, pronunciou-se no sentido de qualificar o “processo eleitoral” mencionado no art. 16 como sendo uma cláusula pétrea, por ter instituído o que denominou de “devido processo legal eleitoral”[16].

Como dito, entendeu o STF, nesse precedente, que o princípio da anualidade da lei eleitoral haveria de ser aplicado até mesmo diante de norma inserida na Constituição Federal por meio de Emenda, porque o princípio da anualidade da lei eleitoral visava a assegurar não apenas o “processo eleitoral”, mas essencialmente o “devido processo legal eleitoral”, razão pela qual as normas inseridas pela EC 52 somente poderiam ser aplicadas nas eleições que se realizassem depois de um ano de sua promulgação, sob pena de violar também o princípio do devido processo legal e da segurança jurídica.

É interessante observar que nesse precedente restaram vencidos os ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, exatamente os que haviam ficado vencidos no RE 129.392, mas porque compreendiam que, na hipótese, a EC 52 teria apenas tornado constitucional algo que já estava previsto em lei ordinária, razão pela qual, se a alteração ocorrera na lei, o princípio da anualidade deveria ser observado em face dela e não da emenda constitucional.


Importa, porém, para o caso sob exame, que trata de alteração promovida na LC 64 pela LC 135, é que todos os votos proferidos na ADI 3.685 se mostram favoráveis à argumentação de que o princípio da anualidade da lei eleitoral deve ser observado quando a lei modificar a relação de forças políticas, como a decorrente da criação de uma hipótese nova de inelegibilidade.

Com efeito, todos os ministros (Ellen Gracie[17], Ricardo Lewandowski[18], Eros Grau[19], Joaquim Barbosa[20], Carlos Ayres Britto[21], Cezar Peluso[22], Gilmar Mendes[23], Marco Aurélio[24], Celso de Mello[25], e Sepúlveda Pertence[26]) da Corte afirmaram e reafirmaram que o art. 16 contém normas de vedação à alteração do processo eleitoral em sua compreensão ampla.

Acresce que, dentre os votos proferidos no julgamento da ADI 3685 um se destacou pelo fato de ter tratado exatamente da hipótese de uma “emenda constitucional” vir a criar uma nova causa de inelegibilidade, qual seja o do Min. Nelson Jobim. S.Exa. concluiu que não se poderia cogitar da sua incidência no mesmo ano de instituição, porque “foi exatamente o que se buscou, em 1988, evitar”[27].

A importância do voto do ministro Nelson Jobim está igualmente no fato de S.Exa ter sido integrante do congresso constituinte e relator das emendas de revisão da Constituição.

Se a sua afirmação foi no sentido de que o principal objetivo do art. 16 da Constituição Federal foi o de evitar a criação, no ano que antecedia à eleição, de novas hipóteses de inelegibilidade, então, com maior razão, haverá de ser observado o princípio que manda resguardar a anualidade, em face da LC 135.

O exame da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal revela não haver mais divergência quanto à aplicação e observância do princípio da anualidade da lei eleitoral (p. ex.: ADI –MC, 4307, Rel. Min. Carmén Lúcia)[28].

Há, é certo, uma decisão do Supremo Tribunal Federal afastando a aplicação do princípio da anualidade da lei eleitoral em face da Lei 11.300/2006 (STF, Pleno, ADI 3.741/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ. 23.02.07). Mas tanto a ementa como os votos que prevaleceram foram claros no sentido de que a referida lei teria promovido mero “aperfeiçoamento dos procedimentos eleitorais” pertinentes à divulgação de pesquisas eleitorais[29].

A evidência de que não se tratou de qualquer alteração da jurisprudência, mas sim da confirmação da mesma, está no fato de também o min. Sepúlveda Pertence — fervoroso defensor da tese pertinente à compreensão máxima do conceito de “processo eleitoral” para fins de observância do art. 16 da CF — ter acompanhado o relator min. Ricardo Lewandowski, tendo a Corte decidido por unanimidade.

Um dos votos que melhor explicita a questão é o do min. Joaquim Barbosa, quando S.Exa afirma que “tal como me manifestei na ADI 3.685, citando o Ministro Sepúlveda Pertence, na ADI 354, entendo que, para as finalidades do artigo 16 da Constituição, o conceito de processo eleitoral há de ter uma compreensão e extensão ta ampla quanto os seus termos comportem. Toda norma ainda que em bases minimalistas, que tenha a aptidão de interferir no exercício da soberania expressa mediante sufrágio universal e do voto secreto, seja para impor novos condicionamentos, seja par suprimir os que já vinham sendo obtidos como parte integrante do acervo normativo destinado a reger as disputas eleitorais, cai no campo de incidência do artigo 16. Mas, no caso sob exame, como bem frisado no voto do eminente ministro-relator, as alterações levadas a efeito pela lei impugnada são de ordem meramente procedimental, razão por que não vejo a inconstitucionalidade apontada pelo partido-requerente, salvo no dispositivo do artigo 35, “a”, que restringe o direito à informação”.

E como se não bastasse, há um outro precedente do Supremo Tribunal Federal (Pleno, ADI 1382, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ. 22.03.96) no qual se apreciou a constitucionalidade de determinado dispositivo da Lei 9.100/1995 — que estabeleceu normas para a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996 e deu outras providências — tendo aquela eg. Corte concluído que, a despeito de a lei ter observado o princípio da anualidade contido no art. 16 da CF, teria incorrido na violação ao princípio da segurança jurídica, ao impor uma restrição de direito de determinados candidatos, qual fosse, a de se desincompatibilização no dia seguinte à publicação da lei, em razão da redução desse prazo para a prática desse ato [30].

No voto do Min. Octávio Gallotti restou assinalado o fato de que ela acarretaria a violação ao princípio da isonomia entre os candidatos ao afirmar que “mesmo que se tente perscrutar algum motivo lógico ou racional para informar a discriminação estabelecida em detrimento dos atuais titulares de mandatos de representação municipal, dificultosa continuaria, ainda, a explicação satisfatória para o desfalque produzido, na capacidade eleitoral passiva desses mandatários, perante a draconiana exigüidade do prazo que lhes foi estatuído como condição necessária a evitar a grave restrição imposta. Da mesma forma, embora formalmente cumprido, para a edição da lei, o lapso prescrito pelo art. 16 da Constituição, o dispositivo legal, pela imediatez de sua real eficácia, é susceptível de sério confronto com o princípio da segurança do processo eleitoral, que emana da citada norma da Lei Fundamental”.

Voltemos à LC 135/2010. Ela foi editada em 5 de junho de 2010, ou seja, um mês antes do início do registro das candidaturas. A Justiça Eleitoral já estava atuando de forma efetiva ao reprimir os atos de campanha antecipada ou extemporânea, razão pela qual, se pudesse ser aplicada já nessa eleição, estaria, sim, confrontando o princípio da segurança jurídica e do devido processo legal eleitoral.

Para que pudesse ser aplicada já nas eleições de 2010 teria, necessariamente, de ter sido editada um ano antes do início do processo eleitoral.

É que a lei que cria hipótese de inelegibilidade, seja ela emenda constitucional ou lei complementar, é aquela que possui a maior capacidade de alterar o processo eleitoral, na medida em que afeta diretamente o processo de escolha dos candidatos, que serão submetidos à aprovação popular, alterando, pois, o que o min. Octávio Gallotti afirmou ser a “lei que modifica a relação entre os partidos, candidatos e eleitores, modifica a equação, a correlação das forças políticas”, alterando, pois, “o processo eleitoral naquilo que ele tem de mais sensível e peculiar, que é a competição”.


[1] “CONSULTA. ALTERAÇÃO. NORMA ELEITORAL. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. APLICABILIDADE. ELEIÇÕES 2010. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL. OBSERVÂNCIA DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PRECEDENTES.”

[2] “Seus termos não deixam dúvida quanto a alcançar situações anteriores ao início de sua vigência e, conseqüentemente, as eleições do presente ano, de 2010.”

[3] “Lado outro, nenhum óbice a tal incidência imediata se estabelece em consequência do princípio da anualidade.

Consoante o artigo 16 da Constituição Federal,

“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.


Infere-se do caso em tela que as inovações trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010 têm a natureza de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral, deixando de incidir, destarte, o óbice esposado no dispositivo constitucional.

A propósito, recorto do pronunciamento da ASESP (fls. 11-12):

“[…]

O conceito de processo eleitoral tem com (sic) importante distinção realizada doutrina processualista, entre a materialidade do direito e sua instrumentalidade. Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco preceituam que o que distingue fundamentalmente direito material e direito processual é que este cuida das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste – sem nada dizer quanto ao bem da vida que é objeto do interesse primário das pessoas (o que entra na órbita do direito substancial).

Ressaltando o aspecto da instrumentalidade, ou seja, da distinção entre normas de direito eleitoral e normas de direito processual eleitoral, o e. Ministro Moreira Alves proferiu elucidativo voto, nos autos da ADIN n. 354/1990.

O Eminente Ministro consignou, em síntese, que o processo eleitoral abrange as normas instrumentais diretamente ligadas às eleições, desde a fase inicial, ou seja, da apresentação das candidaturas, até a fase final, com a da diplomação dos eleitos.

Transcreve-se os seguintes excertos de seu voto:

O que é certo é que processo eleitoral é expressão que não abarca, por mais amplo que seja o sentido que se lhe dê, todo o direito eleitoral, mas apenas o conjunto de atos que estão diretamente ligados às eleições.

(…)

A meu ver, e desde que processo eleitoral não se confunde com direito eleitoral, parte que é dele, deve-se entender aquela expressão não como abrangente de todas as normas que possam refletir-se direta ou indiretamente na série de atos necessários ao funcionamento das eleições por meio do sufrágio universal – o que constitui o conteúdo do direito eleitoral -, mas, sim, das normas instrumentais diretamente ligadas à eleições

(…)

Note-se, porém, que são apenas as normas instrumentais relativas às eleições, e não as normas materiais que a elas de alguma forma se prendam.

Se a Constituição pretendesse chegar a tanto não teria usado da expressão mais restrita que é ‘processo eleitoral’ […]”. (grifos no original)”

[4] “Com base em entendimento desta Corte em situação análoga à dos presentes autos, sobre a aplicabilidade de lei eleitoral, o Tribunal manifestou-se nos seguintes termos:

“- Inelegibilidade. Desincompatibilização. Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Presidentes e demais membros das Diretorias dos Conselhos e Subseções. Vigência da Lei Complementar nº 64-90.

Aplicação imediata do citado diploma (art. 1º, II, g), por se tratar da edição de lei complementar, exigida pela Constituição (art. 14, § 9º), sem configurar alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta.

– Devem afastar-se de suas atividades, quatro meses antes do pleito, os ocupantes de cargo ou função de direção, nas entidades representativas de classe, de que trata a letra g do item II do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, entre as quais se compreende a O.A.B.” (Cta nº 11.173/DF, Relator Min. OCTÁVIO GALLOTTI, julgada em 31.5.90, DJ 9.7.90 – nosso o grifo)”

[5] “O estabelecimento, por lei complementar, de outros casos, de inelegibilidade, além dos diretamente previstos na Constituição, é exigido pelo art. 14, § 9º, desta e não configura alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta.”

[6] “EMENTA – I. Processo eleitoral: vacatio legis (CF, art. 16): inteligencia. 1. Rejeição pela maioria – vencidos o relator e outros Ministros – da argüição de inconstitucionalidade do art. 27 da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidades) em face do art. 16 da CF: prevalencia da tese, ja vitoriosa no TSE, de que, cuidando-se de diploma exigido pelo art. 14, par. 9., da Carta Magna, para complementar o regime constitucional de inelegibilidades, a sua vigência imediata não se pode opor o art. 16 da mesma Constituição. II. Inelegibilidade: abuso do exercício do poder (CF, art. 14, par. 9.): inteligência. (…).”

(STF, Pleno, RE 129.392, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ. 16.04.93)

[7] “8. A propósito, como é sabido, o TSE assentou que a LC 64/90 tem aplicação imediata, “por se tratar da edição de lei complementar, exigida pela Constituição (art. 14, § 9º), sem configurar alteração do processo eleitoral vedada pelo art. 16 da mesma Carta” (Resolução 16.551, 31.5.90, Gallotti, DJ 9.7.90).

9. O voto-condutor, do em. Ministro Octávio Gallotti, manteve-se na mesma síntese axiomática da ementa:

“O estabelecimento, por lei complementar, de outros casos, de inelegibilidade, além dos diretamente previstos na Constituição, é exigido pelo art. 14, § 9º, desta e não configura alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta.”

10. De minha parte, como a questão não se me afigurou de solução assim tão evidente, peço vênia para algumas considerações.

11. De início, não tenho dúvidas de que nem o fato de tratar-se de lei complementar nem o cuidar de inelegibilidades ilidiriam, em tese, a incidência, sobre o diploma cuja vigência se discute da regra de direito intertemporal do art. 16 da Constituição determinante de compulsória vacatio de um ano a toda “a lei que alterar o processo eleitoral”.

12. Lei complementar é lei, e aquela que com base no art. 14, § 9º, da Constituição, modificou o regime precedente das inelegibilidades é, para mim, lei que altera o processo eleitoral, para o efeito de que se cogita.

13. Atento às inspirações teleológicas da regra do art. 16 da Constituição, sustentei, no voto proferido na ADI n. 354, de 20.9.90, que, na interpretação dela, ao conceito de processo eleitoral se devesse empresar âmbito tão largo quanto o necessário à consecução dos seus fins. Então, fiquei vencido – posto que na honrosa companhia dos ems. Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Celso de Mello e Aldir Passarinho.

14. Não creio, entretanto, ser rebelde à orientação mais restritiva da douta maioria então formada, quando incluo o regime legal das inelegibilidades nos lindes do processo eleitoral, a cujas alterações se proibiu vigessem na antevéspera de cada pleito.

15. O art. 16 surge na Constituição como resposta à prática do “casuísmo”, ou seja, da alteração ad hoc da legislação eleitoral, em proveito da facção dominante, segundo as circunstâncias e conveniências previsíveis a cada eleição. Ora, as alterações da Lei de Inelegibilidades, ampliando ou restringindo-lhe as hipóteses ou os prazos de desincompatibilização, foram um dos campos de eleição dos abusos casuísticos da ordem pretérita, que a inovação do art. 16 buscou obviar para impor uma relativa estabilidade às regras do jogo, eleitoral, essencial à higidez da democracia representativa.

16. No caso específico da LC 64/90, no entanto, parece que a orientação do TSE partiu, sobretudo, do fato de cuidar-se de uma legislação complementar determinada imperativamente pela própria Constituição para completar o novo regime de inelegibilidades.

17. De fato, em tese, entendo eu também que alterar o processo eleitoral pressupõe por definições que, no âmbito da alteração, já houve disciplina normativa íntegra, completa: só se pode alterar algo que preexistia à alteração.

18. Daí a conclusão que parece subjacente à resolução do TSE: a LC 64/90 não alterou o processo eleitoral, no tocante às inelegibilidades, porque cuidou antes de complementá-lo.


19. O raciocínio parece confortado pela consideração do papel que, desde 1965, o sistema constitucional vem reservando à lei complementar, na composição do regime de inelegibilidades.

20. Com efeito, federalizada a competência para legislar sobre direito eleitoral, a Constituição de 1934 exauria, no art. 112, as hipóteses de inelegibilidade, método igualmente seguido pelo texto original da constituição de 1946 (arts. 138/140).

21. Ainda na vigência da Constituição de 1946, contudo, o sistema de trato constitucional exaustivo de inelegibilidade viria a sofrer a sua primeira ruptura: a EC 14/65, no art. 2º, permitiu – antecipando a figura da lei complementar diferenciada formalmente -, que lei especial, votada por maioria absoluta, somasse novos casos de inelegibilidade àqueles do rol constitucional.

22. A inovação, nos mesmos termos de ampliação facultativa das inelegibilidades, foi repetida na Constituição de 1967 (art. 148).

23. A Carta de 1969 é que aprofundou a experiência, quando não se limitou a permitir, mas determinou que – observadas as hipóteses nela mesma já previstas e “desde já em vigor” – a lei complementar é que estabeleceria os casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação (art. 151).

24. A Constituição vigente, com melhor técnica, manteve substancialmente a mesma fórmula de duplicação das fontes normativas de inelegibilidade: o art. 14 enumerou de logo alguns deles, mas prevendo, em termos compulsórios, que:

“Art. 14 (…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

25. O que, portanto, se tem, no caso, é uma típica e imperativa ordem de legislação se se parte da distinção germânica, acolhida e difundida por Canotilho (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 303), entre ordens de legislação, de um lado (i.é., “preceitos que impõem um acto de legislação (ou seqüência de actos) num prazo determinado ou constitucionalmente determinável”) e, de outro, as chamadas imposições constitucionais (i.é, as que não se esgotam num acto legislativo a praticar um lapso temporal determinado, antes constituem directivas, imposições ou ordens permanentes impositivas de um esforço de actualização legiferante permanente a fim de se obter um concretização óptima da lei fundamental”): no art. 14, § 9º, da Constituição vigente – ao contrário do que sucedida na EC 14/65 e na Carta de 67 -, de fato, não se cuidou apenas de confiar à iniciativa do legislador complementar a ampliação dos casos de inelegibilidade, se e quando por ele julgada conveniente ao aperfeiçoamento do regime eleitoral, mas, sim, de impor-lhe o dever de completar ou integrar no pronto, a enumeração constitucional das inelegibilidades, declarada e propositadamente incompleta.

26. Por tudo isso, não hesitaria em perfilhas a orientação do TSE se, realmente, a LC 64/90 se fizesse estrita e logicamente necessária à integração do regime de inelegibilidades da nova ordem constitucional.

27. Entretanto, de minha parte, não logrei superar o obstáculo representação pela recepção, sob a Constituição de 1988, da LC 5/70, isto é, da lei complementar de inelegibilidades vigente sob a ordem pretérita, com as únicas e óbvias ressalvas do que nela seja eventualmente incompatível com as novas regras constitucionais.

28. Essa recepção completou, no capítulo, o novo regime de inelegibilidades, na data mesma em que se promulgou a atual Constituição: a partir daí, conseqüentemente, qualquer alteração que nele viesse a introduzir nova lei complementar só poderia vigorar um ano depois.

29. Certo, em outra decisão a respeito, na mesma data antes mencionada – Resolução 16.551, de 31.5.90, rel. o em. Ministro Pedro Accioly -, o TSE invocou o art. 28 da própria LC 64/90:

“Art. 28. Revogam-se a Lei Complementar n. 5, de 29 de abril de 1970 e as demais disposições em contrário.

30. Crio, entretanto, que, por si só, essa norma de revogação não resolveria o problema: se se admite, como admito, que a LC 5/70 fora efetivamente recebida pela Constituição, na data desta, a sua abrogação, decretada em 1990, importa na alteração do processo eleitoral e, como o restante da LC 64, só pode viger um ano após a promulgação do diploma legal.

31. Desse modo, conheço do recurso e lhe dou provimento para – declarando inconstitucional o art 27 da LC 64/90, que lhe prescreve a vigência na data da sua publicação – deferir o registro da candidatura do recorrente: é o meu voto.”

[8] “Ora, o que tivemos até a edição dessa Lei Complementar que se aponta conflitante com o artigo 16 ? Tivemos uma outra Lei Complementar norteando o processo eleitoral e, logicamente, se editada a seguinte, a 64, ela veio justamente alterar,o raciocínio é lógico, esse processo eleitoral, ao inserir outros casos de inelegibilidade. Por isso, entendo que o disposto no artigo 16 da Lei Básica aplica-se, também, ao previsto no § 9º do artigo 14, já que a previsão em torno da Lei Complementar dele constante diz respeito a um processo eleitoral.”

[9]

[10] “Enquanto não transcorrido o período assinalado na Constituição, a lei, que modifique o processo eleitoral, nenhuma eficácia possuirá, de nenhum poder derrogatório disporá, de nenhuma força inovadora revestir-se-á, prevalecendo, em conseqüência, toda a antiga legislação, que vigorará, incólume, como se nada houvesse ocorrido, até que, passado um ano da promulgação da nova lei eleitoral, ganhe esta, ope constitutionis, eficácia jurídico-normativa plena e integral aplicabilidade.

(…)

É certo que a aplicação do princípio da anterioridade da lei eleitoral pressupõe a definição, pelo Supremo Tribunal Federal, do significado da locução constitucional processo eleitoral, pois será, do reconhecimento do alcance e do conteúdo de sua noção conceitual, que derivarão os efeitos de ordem jurídico-temporal condicionadores da própria vigência, eficácia e aplicabilidade da legislação emanada do Congresso Nacional.

Tenho para mim que o processo eleitoral, enquanto sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função do tríplice objeto que persegue, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a apresentação de candidaturas, estende-se até a realização da propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes.

(…)

A definição de processo eleitoral – e dos atos que o compõem – está associada, de certa maneira, ao conteúdo da competência atribuída ratione materiae à própria Justiça Eleitoral, por isso mesmo inextensível a situações outras que extrapolem o momento procedimental que assinala a fase de encerramento das atividades inerentes aos órgãos integrante daquele ramo especializado do Poder Judiciário.

Esse entendimento harmoniza-se com a orientação jurisprudencial dos Tribunais, inclusive deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o processo eleitoral, para efeito de configuração da competência material dos órgãos integrantes da Justiça Eleitoral, estende-se até a expedição do diploma, momento em que se exaurem as atribuições jurisdicionais dessa Justiça especializada (Revista dos Tribunais, vols. 180/370 – 183/236 – 184/86 – 185/189 – 185/773 – 185/807 – 186/748 – 186/791 – 207/93 – 246/517), ressalvada a hipótese constitucional concernente à ação de impugnação de mandato eletivo, necessariamente ajuizável perante a própria Justiça Eleitoral (art. 14, §§ 10 e 11).


(…)

Definido o sentido jurídico-constitucional da expressão processo eleitoral, que se inicia com a apresentação das candidaturas e termina com o ato de diplomação, e identificada a mens que deve orientar o intérprete na exegese do princípio constitucional da anterioridade da lei eleitoral proclamado no art. 16 da Carta Política (a necessidade de impedir a utilização abusiva e casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação dos pleitos eleitorais), impõe-se analisar o thema decidencum.

A norma inscrita no § 9º do art. 14 da Lei Fundamental – que não encontrou, quando promulgada, situação de vacuum legis em tema de inelegibilidade — não se subtrai. Inobstante a concreta ordem de legislar nela contida, aos condicionamentos temporais que incidem sobre o poder reservado à União para legislar sobre essa específica matéria concernente ao processo eleitoral.

Assim sendo, Sr. Presidente, e com estas considerações, conheço do presente recurso extraordinário e dou-lhe provimento, para o fim indicado no doutíssimo voto do eminente Relator.”

[11] “Senhor Presidente, em caso pretérito, mencionado, alías, pelo Sr. Ministro Relator, apreciou este Tribunal a extensão a ser dada ao vocábulo “processo eleitoral” constante do art. 16 da Constituição Federal. Fiquei, então, vencido. Parece-me que, na ocasião, a decisão foi apenas por voto de desempate. Entendi, então, que quando o art. 16 se referida ao “processo eleitoral”, não pretendia que a expressão abrangesse apenas a forma processual, a forma adjetiva, mas tinha um sentido amplo, envolvendo todo o sistema de eleições. A mim parece evidente que se a Constituição pretendia que as alterações no processo eleitoral só passassem a vigorar um ano depois, não seria somente quanto à simples tramitação dos processos no âmbito da Justiça Eleitoral, mas, sim, envolveria todos aqueles casos em que poderia haver casuísmos. E, sem dúvida, o ponto referente às inelegibilidades é exatamente um que deve – mais do que qualquer outro – ser considerado como abrangido pela restrição constitucional.

Assim, entendo que, na verdade, esse “processo eleitoral”, a que se refere o art. 16, tem um sentido amplo e, portanto, envolvendo a situação dos autos, em que houve uma extensão da inelegibilidade, tornando inelegíveis aqueles candidatos que tivessem sido prefeitos e cujas contas não tivessem sido aprovadas. Antes de se saber se essa aprovação deveria caber ao Tribunal de Contas ou, por último, à Assembléia Legislativa, há de se examinar essa questão preliminar de vigorar ou não a Lei Complementar n. 64 para as eleições do mesmo ano de sua edição.

Entendo, assim, que o “processo eleitoral” a que alude o art. 16 da Constituição Federal, tem sentido amplo, creio que a inelegibilidade só haveria de ser aplicável no ano seguinte ao da data da lei e, portanto, para o ano de 1991. Até então vigoravam as disposições da Lei Complementar n. 5, no que não fossem incompatíveis com a nova Constituição, pois nos pontos em que não houvesse incompatibilidade ela é de ter-se como recebida pela nova ordem constitucional. Aliás, é de anotar que a Lei Complementar n. 5 foi até muito minuciosa em estabelecer as condições de inelegibilidade, cuidando de serem atendidos aspectos de moralidade dos candidatos, como também impedindo a influência relativa a parentesco e outros casos que poderiam, na verdade prejudicar o são resultado das eleições.

(…)

Acredito que a Lei Complementar n. 64 deve obedecer à regra do art. 16 da atual Lei Maior, até porque, não fosse assim, deveria, no ato das Disposições Constitucionais Transitórias, haver uma ressalva a respeito, como ocorre em relação a várias outras hipóteses pertinentes ás eleições quando pretendeu o legislador constituinte que as normas eleitorais se aplicassem naquele mesmo ano.”

[12] “Já tive ocasião de observar, Sr. Presidente, noutro feito, que chama a minha atenção o art. 16 em confronto com o art. 22. Enquanto o artigo 22, no inciso I, diz que “compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral”, o art. 16 diz que “a lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”.

Tenho para mim que a lei constitucional distingue o direito eleitoral substantivo e adjetivo, quer dizer, o direito eleitoral e o processo eleitoral.

Faço estas observações apenas como preparatórias ao que me parece constituir o núcleo do problema.

(…)

Mas “data máxima vênia”, quer-me parecer que esse preceito, no caso vertente, não tem aplicabilidade. Por que ? Porque é matéria de direito substantivo eleitoral ? Não chego a esse ponto.

É porque a hipótese em discussão, a hipótese da improbidade não está na dependência da lei complementar; é constitucionalmente focalizada.

(…)

Quer-me parecer, Sr. Presidente, que o art. 16 não pode ser aplicado ao caso. Um artigo da Constituição não pode ser aplicado para negar aplicabilidade imediata a outros artigos da própria Constituição.”

[13] “Como Juiz do Tribunal Superior Eleitoral, jamais considerei que o § 9º do art. 14, da Constituição, fosse simples norma de distribuição de competência Sempre entendi que esse dispositivo tem um sentido futuro e imperativo e que a Lei Complementar n. 64 nada mais fez do que atender a esse mandamento constitucional, sem que devesse ser considerada como uma alteração indevida do processo eleitoral, mas, ao contrário como o preenchimento de um vazio, sem cujo suprimento não se poderia desenvolver, normalmente, aquele processo.”

[14] “E, também, diversamente do que se afirmou da tribuna, não é certo que o Tribunal tenha, naquele momento, afirmado não ser o art. 16 oponível à lei complementar. A maioria de seis a cinco – penso – entendeu apenas que a Lei Complementar 64, como seria um complemento necessário da implementação do novo regime constitucional de inelegibilidades, não se submetia ao art. 16, enquanto os votos vencidos – creio que eu, o Ministro Celso e o Ministro Marco Aurélio, quatro ou cinco votos – entendíamos que o argumento se destruía pela recepção em termos da velha Lei de Inelegibilidades. Mas são recordações de decano sem assunto.”

[15]

[16] “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF. 1. Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo. 2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. 3. Todavia, a utilização da nova regra às eleições gerais que se realizarão a menos de sete meses colide com o princípio da anterioridade eleitoral, disposto no art. 16 da CF, que busca evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral (ADI 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.02.93). 4. Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e "a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral" (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral. 7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência.”


(STF, Pleno, ADI 3685, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ. 10.08.06)

[17] “5. De qualquer modo, o que realmente interessa examinar no julgamento da presente ação direta é a constitucionalidade da aplicação da nova regra eleitoral sobre coligações partidárias às eleições gerais que serão realizadas em menos de sete meses. O principal parâmetro de confronto no caso é, sem dúvida alguma, o art. 16 da Constituição Federal, que dispõe:

(…)

Trata-se de proclamação expressa do princípio constitucional da anterioridade eleitoral. Celso Ribeiro Bastos, ainda em comentário dirigido à redação original do dispositivo (“A lei que alterar o processo eleitora só entrará em vigor um ano após sua promulgação”), anterior à EC 4/93, assevera que:

(…)

Fávila Ribeiro ao dissertar sobre a essência do princípio em análise preconiza que o tempo é um elemento marcante na dinâmica eleitoral, sendo necessário redobradas cautelas para que não seja utilizado para desvirtuamentos, “fomentando situações alvissareiras para uns e, prejudiciais a outros”. Adverte esse doutrinador que “as instituições representativas não podem ficar expostas a flutuações nos seus disciplinamentos, dentre os quais sobrelevam os eleitorais, a que não fiquem ao sabor de dirigismo normativo das forças dominantes de cada período”. Salienta, outrossim, a importância do pleno discernimento entre a necessidade do aperfeiçoamento legislativo advindo com as reformas e “a noção do tempo inapropriado para empreendê-las, evitando a fase em que já estejam iniciados os entrechoques e personificados os figurantes com as suas siglas partidárias e mesmo com coligações já definidas, ainda que não formalizadas pelas respectivas convenções” (Destaquei).

6. Este Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, realizou aprofundado exame a respeito da importância e da altivez do art. 16 da Constituição Federal e do princípio nele encerrado, ainda que o ponto central dos debates travados tenha sido a melhor interpretação a ser dada à locução “processo eleitoral”, mais restrita que o termo “direito eleitoral” contido no art. 22, I, da mesma Carta.

(…)

7. Diante de tudo o que foi salientado até o momento sobre a inegável posição de destaque – sem precedentes na história constitucional brasileira – dado pelo Constituinte de 1988 ao princípio da anterioridade eleitoral, como instrumento indispensável a uma mínima defesa da insuspeita e verdadeira representatividade que deve marcar o regime democrático de Estado, impõe-se, neste julgamento, definir se a alteração no processo eleitoral a menos de um ano do pleito, pela especifica circunstância de ter sido introduzida pelo Constituinte derivado, é capaz de neutralizar, por si só, todas as conseqüências nefastas dessa ingerência no equilíbrio de forças político-eleitorais formado durante a vigência de regras até então conhecidas e respeitadas por todos.

(…) No julgamento da ADI 354 acima referida, bem salientou o eminente Ministro Celso de Mello que o legislador constituinte originário, na gênese no art. 16, atentou para a necessidade de coibir “a utilização abusiva e casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação dos pleitos eleitorais”.

(…)

É norma que, conforme ressaltou o eminente Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI 354, protege o mais importante e relevante dos processos estatais da democracia representativa, o processo eleitoral, que assim o é “pela razão óbvia de que é ele a complexa disciplina normativa, nos Estados modernos, da dinâmica procedimental do exercício imediato da soberania popular, para a escolha de quem tomará, em nome do titular dessa soberania, as decisões políticas dela derivadas”. (…)

9. Além de o princípio constitucional da anterioridade eleitoral conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 da Constituição ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). (…)

10. No tocante à garantia fundamental do devido processo legal, na sua ótica substancial, ressaltou o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, na ADI 354, não ser o bastante, para o processo eleitoral, que o jogo possua regra, sendo, assim, necessário que estas sejam prévias (à apresentação dos contendores e ao desenvolvimento da disputa e, portanto, imutáveis, até a sua decisão”. Assevera, ainda. S.Exa. que a anterioridade exigida pelo art. 16 “é essencial à aspiração de segurança e de isonomia, que estão subjacentes à idéia qualificada de processo, como do devido processo legal”. Trata-se, aqui, também, de um devido processo legal qualificado, não bastando que o legislador, mesmo o constituinte derivado, respeite os preceitos que regem o processo legislativo, impondo-se, ainda, a observância da anterioridade.

(…)

12. Também não procede a afirmação de que este Supremo Tribunal teria considerado a aplicação da norma prevista no art. 16 da Constituição Federal restrita à atividade do legislador ordinário, por ter entendido legítima a aplicação imediata da Lei Complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades), que veio atender a imperativo presente no art. 14, § 9º, da Constituição Federal. No julgamento do RE 129.392, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ. 16.04.93, entendeu a maioria dos Membros do Plenário que o citado art. 14, § 9º, da Carta Magna exigia a elaboração de um diploma inovador que viesse complementar o novo regime constitucional de inelegibilidades. Trata-se, portanto de uma exceção ou de uma conformação de vontades do próprio constituinte originário, que não descaracteriza o princípio da anterioridade como uma garantia fundamental capaz de limitar o exercício do poder de revisão. (…)

(…)”

[18] “(…)

Ora, quando se fez com que a Emenda 52 retroagisse os seus efeitos às eleições de 2002 – de resto já travadas, de longa data — pretendeu-se em verdade, contornar o princípio da anualidade, contemplado no artigo 16 da Constituição, de maneira a que o fim da denominada “verticalização” sobre a qual não se faz qualquer juízo de valor -, por força da nova redação dada ao parágrafo primeiro do art. 17 da Carta Magna, tivesse vigência já no próximo pleito eleitoral de 2006.

O princípio da anualidade, é escusado dizer, visa exatamente a preservar a segurança do processo eleitoral, afastando qualquer alteração feita ao sabor das conveniências de momento, seja por emenda constitucional, seja por lei complementar ou ordinária.

O dispositivo impugnado, data vencia casuístico, incorre no vício que os publicistas franceses de longa data qualificam de détounement de pouvoir, isto é, de “desvio de poder ou de finalidade”, expediente mediante o qual se busca atingir um fim ilícito utilizando-se de um meio aparentemente legal.

(…)

Para terminar, Senhor Presidente, afasto, com a devida vênia, o argumento de que a disciplina da “verticalização” refoge ao conceito de processo eleitoral, submetido ao princípio da anualidade, por força do artigo 16 da Carga Magna, sob o argumento de que aquele tem início com as convenções partidárias para a esco9lha dos candidatos, porquanto as coligações das agremiações políticas, que as antecedem no tempo, matizam, modulam, condicionam, todos o conjunto de procedimentos que se desenvolve na seqüência.”

[19] “O casuísmo que o artigo 2º da EC 52/06 estabeleceria em relação às eleições que ocorreriam no ano de 2.002 não prevaleceu porque ela apenas foi promulgada posteriormente a 2.002. Esse casuísmo não se translada ao presente, de modo que o artigo 2º da EC 62/06 efetivamente não se opõe ao artigo 16 da Constituição. A eficácia da nova redação do § 1º do artigo 17 é alcançada por este último preceito (artigo 16 da Constituição).


Julgo procedente a ADI, conferindo interpretação conforme a Constituição ao artigo 2º da EC 52/06, para definir que o seu artigo 1º – a nova redação do § 1º do art. 17 – não se aplica às eleições de 2.006.”

[20]

[21] “8. Com efeito, o que fez a Emenda n. 4 foi, em essência, distinguir entre vigor e eficácia da lei Quero dizer: a vigência da lei que alterar o processo eleitoral é a própria data da publicação dessa lei modificadora. Porém a respectiva eficácia não pode se dar para a eleição que ocorrer até um ano daquela vigência. Logo, vigência imediata, sem dúvida, mas eficácia protraída para o pleito que vier a se factualizar somente depois de passado um ano.

9. Trata-se, então de uma forçada vacatio legis operacional Um interregno eficacial do tipo exógeno, porque imposto pela Constituição à lei. De fora para dentro, e não de dentro para for. Interregno compulsório, esse, a se traduzir na idéia central de que a eleição é coisa séria demais pra ser legislativamente versada na undécima hora. A Constituição com o que a dizer, metaforicamente: “devagar com o andor que o santo é de barro”, Daí que essa obrigatória vacância legal se caracterize como verdadeiro princípio de anualidade ou de anterioridade ânua, em matéria eleitoral.

10. Há mais o que dizer, porque esse mesmo compulsório interregno já passa a se inscrever, tecnicamente, nos quadros de um devido processo legal eleitoral. Um devido processo legal eleitora que vai balizar, dogmativamente, a atuação dos citados protagonistas e a própria configuração dos princípios federativo e da separação dos Poderes.

(…)

16. Enfim, esse devido processo legal eleitoral, particularizada dimensão da garantia genérica do “devido processo legal” de que trata o inciso LIV do art. 5º da Constituição, é matéria que também me parece clausulada como pétrea, a teor do inciso IV do § 4º do citado artigo 60 da Constituição-cidadã. E não se fale que tal proposição é inconciliável com a liberdade de que desfrutam os partidos políticos para eventualmente se coligar a partir da concreta realidade da cada circunscrição eleitoral, porque tal coligação não é o centro alvo do art. 16 da Magna Carta. O que se proíbe nesse estratégico dispositivo é coincidência entre o ano da mudança do processo eleitoral e o não d qualquer das eleições brasileiras. Somente por fazer parte desse processo é que as alianças partidárias são atingidas. Mas atingida pro-temporamente, insista-se, em homenagem aos valores todos de que vimos cuidando. E parece-me claro que essa proibição pro-tempore é, também ela, tracejadora dos contornos do princípio federativo. Configurativo desse princípio, na exata medida em que também o é a norma que se extrai do § 1º do artigo 27 da nossa Constituição, que manda aplicar as regras constitucionais sobre sistema eleitoral aos deputados estaduais.

Com esses fundamentos e mais os que foram aqui aportados pelos votos que me precederam, notadamente o da eminente Relatora proponho “interpretação conforme” ao art. 2º da Emenda n. 52 para deixar claro que essa emenda não se aplica às eleições gerais do corrente ano de 2006.”

[22]

[23]

[24]

[25]

[26]No voto que proferi, como relator, no RE 129.392 – 0nde se cuidava de lei complementar – já acentuei que, ao contrário do que sucede em outros dispositivos da Constituição, onde a menção simples à lei é interpretada, pelo Tribunal, como referente à lei ordinária, no art. 16 ela, certamente, abrangia a lei complementar.

E, também, diversamente do que se afirmou da tribuna, não é certo que o Tribunal tenha, naquele momento, afirmado não ser o art. 16 oponível à lei complementar. A maioria de seis a cinco – penso – entendeu apenas que a Lei Complementar 64, como seria um complemento necessário da implementação do novo regime constitucional de inelegibilidades, não se submetia ao art. 16, enquanto os votos vencidos – creio que eu, o Ministro Celso e o Ministro Marco Aurélio, quatro ou cinco votos – entendíamos que o argumento se destruía pela recepção em termos da velha Lei de Inelegibilidades. Mas são recordações de decano sem assunto.

No âmbito normativo do art. 16, o “processo eleitoral” terá, para mim, sentido tão amplo quanto comportem os seus termos.”

[27]

[28] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 58/2009. ALTERAÇÃO NA COMPOSIÇÃO DOS LIMITES MÁXIMOS DAS CÂMARAS MUNICIPAIS. ART. 29, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RETROAÇÃO DE EFEITOS À ELEIÇÃO DE 2008 (ART. 3º, INC. I). POSSE DE VEREADORES. VEDADA APLICAÇÃO DA REGRA À ELEIÇÃO QUE OCORRA ATÉ UM ANO APÓS O INÍCIO DE SUA VIGÊNCIA: ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA, COM EFEITOS ‘EX TUNC’, PARA SUSTAR OS EFEITOS DO INCISO I DO ART. 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 58, DE 23.9.2009, ATÉ O JULGAMENTO DE MÉRITO DA PRESENTE AÇÃO. 1. Cabimento de ação direta de inconstitucionalidade para questionar norma constante de Emenda Constitucional. Precedentes. 2. Norma que determina a retroação dos efeitos das regras constitucionais de composição das Câmaras Municipais em pleito ocorrido e encerrado afronta a garantia do pleno exercício da cidadania popular (arts. 1º, parágrafo único e 14 da Constituição) e o princípio da segurança jurídica. 3. Os eleitos pelos cidadãos foram diplomados pela justiça eleitoral até 18.12.2009 e tomaram posse em 2009. Posse de suplentes para legislatura em curso, em relação a eleição finda e acabada, descumpre o princípio democrático da soberania popular. 4. Impossibilidade de compatibilizar a posse do suplente não eleito pelo sufrágio secreto e universal: ato que caracteriza verdadeira nomeação e não eleição. O voto é instrumento da democracia construída pelo cidadão: impossibilidade de afronta a essa expressão da liberdade de manifestação. 5. A aplicação da regra questionada importaria vereadores com mandatos diferentes o que afrontaria o processo político juridicamente perfeito. 6. Medida cautelar concedida referendada.

(STF, Pleno, ADI-MC 4307/DF, Rel. Min. Carmén Lúcia DJ. 05.03.10)

[29]

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES DO PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO DIRETA. I – Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral. II – Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições. III – Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito. IV – Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico. V – Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral. VI – Direto à informação livre e plural como valor indissociável da idéia de democracia. VII – Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997.”

(STF, Pleno, ADI n. 3741/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ. 23.02.07)

[30]

“EMENTA: – Domicilio eleitoral. Transferencia. Relevância jurídica da argüição de inconstitucionalidade de restrição constante do dispositivo de lei publicada em 2 de outubro de 1995 (par. 2. do art. 73 da Lei n. 9.100), que erigiu o dia imediato (3-10-95) como termo final para a renuncia do Prefeito, do vice ou do Vereador, pretendentes a transferencia do domicilio. Artigos 5. (caput), 14, pars. 6. e 15 da Constituição. Manifesta oportunidade do requerimento liminar deferido pelo Supremo Tribunal.”

(STF, Pleno, ADJ 1382, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ. 22.03.96)

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