Excesso de recursos

CDC é conhecido, mas sua eficácia está longe do ideal

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27 de julho de 2010, 7h33

A Lei 8.078/1990, o nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor, está perto de completar 20 anos. Norma avançada e importante, conquistou vitórias sociais relevantes e avanços na melhoria dos serviços de fornecedores de produtos e serviços. Iniciou, enfim, um sentimento de consciência do consumidor, levando-o, quando necessário, a procurar o Poder Judiciário, em especial, nos Juizados Especiais Cíveis, a partir de 1995, com a Lei 9.099/1995, que os criou.

O movimento consumerista ganhou importância nacional. Apareceram doutrinadores de relevo e a jurisprudência acompanhou a novidade, traçando julgados que marcaram a posição de que a incidência do CDC veio para modificar as relações jurídicas chamadas de consumo, alterando o real desequilíbrio entre consumidores e fornecedores.

Todavia, se o CDC é fundamental e ele já é bastante conhecido, sua eficácia objetiva ainda está longe do que seria ideal ou razoável. É suficiente a leitura dos jornais e o acompanhamento da demora das decisões administrativas e judiciais em face dos fornecedores, que são fruto de uma legislação inadequada e da utilização extrema do excesso de recursos permitidos pelas regras processuais atuais.

Evidente que é importante uma economia de mercado, em uma sociedade democrática, baseada no Estado de Direito, mas desde que exista entre os contendores “paridade de armas”, dentro de um conceito de Justiça Aristotélico, onde os desiguais devem merecer tratamento diferenciado. Tanto que o CDC, nesta esteira, prevê, em determinadas situações, a inversão do ônus da prova a favor do consumidor, somente se cumpridas certas condições (artigo 6º, inciso VIII, do CDC), como uma forma de reequilibrar e reconhecer a melhor possibilidade de defesa do consumidor contra o fornecedor.

Mas apesar das conquistas do jovem CDC, o consumidor está desprotegido.

O setor mais lucrativo e pujante da economia brasileira, o financeiro, esbanja criatividade, por intermédio dos bancos e empresas de cartões de crédito. Contudo, cobram tarifas as mais diversas, inexplicáveis, taxas de juros fixadas unilateralmente, contratos de adesão de difícil entendimento, tudo afrontando diretamente o CDC, utilizando práticas comerciais e contratuais ilegais (ver artigos 39 a 54, do CDC), onde o responsável pela fiscalização é o Banco Central do Brasil, que afirma, a todo momento, que fixará regras cogentes, as quais coibiriam tal atuar. A espera por esse regramento vem à lembrança sempre que matérias jornalísticas cobram a situação e apontam que tal setor responde por cerca de 35% de todas as reclamações dos consumidores em geral.

Os planos de saúde são outro desafio, que a agência reguladora dos planos, a ANS, não consegue enfrentar. As negativas de atendimento e cirurgias lideram as maiores queixas, sem contar a mudança constante da rede de atendimento. Os atingidos  judicializam as questões, para garantir, em uma urgência, um procedimento negado, que acaba sendo feito apenas por ordem judicial. Não é a melhor solução, mas foi a válvula de escape encontrada no seio social. E neste segmento se está tratando do bem mais precioso de todos, mais protegido pela Constituição Federal: a vida e a sua dignidade.

Privatizados diversos serviços públicos, como telefonia, energia elétrica, gás, estradas, água e esgoto, essas fortes empresas passaram a dominar considerável parte da economia, com agências reguladoras incapazes de enfrentá-las. Os lucros não são proporcionais aos investimentos em qualidade dos serviços. Fica sem controle direto o nível dos investimentos. É de fácil constatação o número de reclamações em face dessas empresas e como elas abarrotam o Judiciário com milhares de ações de consumidores insatisfeitos.

Para cada parágrafo acima há bibliografia e jurisprudência extensas. Todavia, não resisto em exemplificar, agora que deixamos de pensar em Copa do Mundo para 2014, certa publicidade que, no CDC, “talvez” fosse considerada abusiva, pois seria “capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”(artigo 37, parágrafo 2º, do CDC). Novamente, consumidores desprotegidos?

A publicidade da seleção brasileira aliava a garra, a força de vontade, de vencer, de ser guerreiro, a uma determinada cerveja. Então, se seu filho não quiser estudar, estiver sem vontade, sem garra, ele antes toma uma cervejinha e está resolvido, se transforma em um guerreiro para enfrentar uma maratona de provas? Esta publicidade não iria de encontro à regra referida anteriormente? E mais, veja-se o artigo 68 do CDC: “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança: Pena – Detenção de 6 meses a 2 anos e multa”. Da mesma forma, haveria infringência à norma penal de consumo citada?

Não há qualquer conclusão, mas apenas perplexidades e dúvidas. O importante é o debate democrático. Discutir esses temas é interessante para o amadurecimento das relações entre consumidor e fornecedor.

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