Zona cinzenta

Lei não é clara sobre atropelamentos com morte

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  • Luíz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM). Mestre e doutor em Direito Penal pela USP. Conselheiro Federal da OAB e foi Presidente da OAB/SP por três gestões.

26 de julho de 2010, 14h05

A lei brasileira não define de forma clara e nossa doutrina não é pacífica sobre como enquadrar um atropelamento com morte, decorrente de um racha. Pode ser um homicídio doloso (com intenção de matar ou assumindo o condutor risco da morte) ou culposo (acidental). Esse tema apresenta uma zona cinzenta entre o chamado dolo eventual e a culpa consciente, pois não há posição fixada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.

Uma corrente de doutrinadores chega a sustentar que nunca existe dolo eventual em homicídio no trânsito. No entanto, é bom esclarecer que o dolo direto existe quando alguém, no volante de um carro, deliberadamente mata outrem.

Todavia, a diferença de enquadramento entre dolo e culpa é imensa. Na culpa consciente, o motorista imagina o resultado do seu ato, mas não admite que este resultado possa ocorrer, agindo assim com imperícia, imprudência ou negligência. Neste caso, enquadra-se o condutor no artigo 302, do Código Brasileiro de Trânsito (CBT) , como homicídio culposo, o qual é decidido pelo juiz singular, sujeito a pena de dois a quatro anos.

Já no dolo eventual, o motorista prevê o resultado e o admite, sem buscar evitá-lo. Portanto, assume o risco de produzí-lo. É o que acontece no racha praticado em vias públicas. Esse homicídio doloso, previsto no artigo 121 do Código Penal, está sujeito a pena de seis a 20 anos ou de 12 a 30 anos, se for qualificado, sendo julgado pelo Tribunal do Júri.

Nos últimos anos vem se registrando uma tendência de endurecimento do sistema repressivo do Estado, inclusive na aplicação da legislação de trânsito. Verifica-se atualmente que nas ocorrências de trânsito com morte, enquadra-se mais como homicídio doloso do que como culposo. Aliás, como aconteceu em Brasília, em 2007, quando um motorista que dirigia alcoolizado e em alta velocidade foi a Júri por ter invadido o eixão sul e atropelado e matado um ciclista de 25 anos, sem prestar socorro à vítima.

O simples racha, no qual não haja vítima já é crime, sendo tipificado no artigo 308 do CBT, sujeito a pena de seis meses a dois anos. O racha potencializa o risco de danos a terceiros, podendo ferir e até matar pedestres e outros condutores.

A violência no trânsito, que leva a tantas mortes, além do problema criminal é, acima de tudo, um problema cultural.

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