"A lei não pode impedir o acesso ao Judiciário"
18 de julho de 2010, 9h39
O advogado Mário Sérgio Duarte Garcia foi presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no período de 1983 a 1985. Nessa condição, coube a ele presidir o Comitê Suprapartidário que conduziu a Campanha pelas Diretas Já, um dos movimentos populares mais amplos que o país registra em sua história política. "Foi o germe que acabou gerando a subsequente redemocratização do país", diz ele.
Eram tempos de dramática complexidade. Poucos anos antes, o país tinha vivido outra campanha de grande mobilização popular, a favor da aprovação de uma Lei de Anistia ampla, geral e irrestrita, em prol da reconciliação política da nação. Pouco depois, outro movimento, pela elaboração de uma nova Constituição da República, iria marcar definitivamente a volta do país ao Estado Democrático de Direito.
Em todos esses movimentos, a OAB teve atuação destacada, tomando a iniciativa e assumindo a liderança. Em todos eles, Mário Sérgio esteve presente. Hoje, aos 79 anos de idade, o advogado segue participando da política da OAB, como membro vitalício do Conselho Federal. Do alto de sua experiência e de sua posição — um dos mais importantes ícones da advocacia brasileira — ele revela uma preocupação: a de que os mecanismos de aceleração processual obstruam o direito de defesa. Como a dizer que não basta à Justiça ser mais ágil — é preciso que seja melhor — Mário Sérgio compreende a necessidade de reduzir a possibilidades de recursos, mas defende que essa cirurgia seja mais criteriosa para que a emenda seja melhor que o soneto.
Hoje em dia, Mário Sergio está mais dedicado ao escritório Duarte Garcia, Caselli, Guimarães e Terra Advogados e às grandes transformações por que passa a advocacia. Em 1955, logo depois de se formar, "exercia um tipo de advocacia completamente diferente da que existe hoje, seja em relação à clientela, seja quanto aos mecanismos que tinha para exercer a profissão", diz.
Com a modernidade, advogar virou um trabalho em equipe em que o uso da tecnologia tornou-se fundamental. A preocupação maior é com mudanças no processo que, no afã de acelerar os julgamentos impliquem o cerceamento da defesa. Uma alternativa que ganha importância a cada dia como saída para o congestionamento da via judicial é a arbitragem. "Pode não ser barato, mas é eficaz e resolve os problemas."
Mário Sérgio Duarte Garcia formou-se em Direito no Largo São Francisco em 1954. Foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), presidente da seccional paulista da OAB de 1979 a 1981, presidente do Conselho Federal da Ordem de 1983 a 1985 e secretário de Justiça de São Paulo, durante o governo Orestes Quércia, de 1987 a 1990.
Além de sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, Mário Sérgio faz parte do corpo de árbitros do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio Brasil-Canadá, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp).
Nesta entrevista, da qual participaram as jornalistas Lilian Matsuura e Geiza Martins, Mário Sérgio fala do papel da OAB, dos rumos da arbitragem, das mudanças do processo e também da globalização da advocacia: seu escritório é uma das raras firmas brasileiras que receberam autorização do governo da China para instalar uma filial naquele país.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor acredita que a advocacia perdeu o ar romântico e pessoal e se tornou mais empresarial?
Mário Sérgio Duarte Garcia — Sim, houve uma mudança radical. Estou formado há 55 anos e dois anos antes de me formar eu já trabalhava em um escritório com três advogados. Exercia um tipo de advocacia completamente diferente da que existe hoje, seja em relação à clientela, seja quanto aos mecanismos que você tinha para exercer a advocacia. Trabalhava com manuscritos e datilografava na máquina de escrever. É claro que isso mudou muito de lá para cá. Os escritórios cresceram muito, partindo da experiência pioneira do Pinheiro Neto, que tinha uma estrutura parecida com a dos escritórios europeus e americanos.
ConJur — Qual sua avaliação sobre essas mudanças?
Mário Sérgio — Deixou-se de exercer um tipo de advocacia em que o contato com os clientes era direto. Hoje esse contato é feito através da equipe de advogados do escritório. Com isso o profissional ganha a oportunidade de diversificar a sua atividade. Além disso, novos campos de atuação surgiram, como o Direito Ambiental e o Direito de Informática. Os escritórios mais importantes de São Paulo e do Brasil, acabaram se espalhando pelo país todo. No nosso caso, temos escritório em São Paulo, em Brasília e outro na China. Também estamos associados com escritórios em Portugal, Argentina, Estados Unidos, Angola e Alemanha.
ConJur — Por que acabou o contato direto do advogado com o cliente?
Mário Sérgio — À medida que o escritório cresce, diminuem as condições para dispensar um atendimento pessoal. Com o volume de serviço não temos condições físicas de participar de todos os atos e reuniões relativos ao processo. Muitas vezes, isso gera desconforto para o cliente. Eu procuro estar presente, mas quando não consigo os advogados que trabalham diretamente comigo fazem essa tarefa. Isso é conseqüência, em parte, destas mudanças e não é só no meu escritório. Nas organizações maiores não existe o advogado escoteiro, aquele que atende um cliente, pega procuração, manifesta, recorre para o Tribunal e sustenta. Nesses escritórios o trabalho é distribuido por funções. Eu, por exemplo, sou o advogado que mais atua no âmbito dos Tribunais. E fico sabendo do que está acontecendo no caso através da troca de informações com os outros advogados.
ConJur — Como as novas tecnologias alteraram a rotina dos escritórios?
Mário Sérgio — Hoje existem mecanismos mais ágeis para exercer a advocacia. Antigamente o cliente tinha que telefonar, ir até o escritório para fazer uma consulta, depois mandar por escrito. Na época chegava pelo correio ou vinha por um portador. Além da agilidade de receber e mandar informações por e-mail com a internet, temos o sistema de moto-taxi, até mesmo o correio se tornou mais ágil. Isso constitui maior demanda no exercício da advocacia, mas a gente vai se acostumando. Eu, quando estiver bem acostumado já estarei chegando na hora de me aposentar. Estou com 79 anos.
ConJur — Qual o papel da Internet?
Mário Sérgio — Ela trouxe uma nova estrutura para os escritórios, com isso é possível se comunicar aqui e também no exterior. Nosso escritório ocupa quatro andares e meio, e nós fazemos muita reunião por e-mail.
ConJur — O que o levou a abrir uma filial do escritório na China?
Mário Sérgio — Fomos convidados pelo governo da China em uma ocasião em que o país abriu oportunidades para escritórios estrangeiros. Estudamos as perspectivas da China e chegamos à conclusão que convinha a nós. Estamos lá há vários anos e hoje temos um advogado residente lá. Somos um dos poucos escritórios brasileiros que tem essa condição. Outros escritórios importantes aqui de São Paulo nos antecederam na China.
ConJur — Como o escritório se posiciona diante do crescente intercâmbio entre a China e o Brasil?
Mário Sérgio — Temos atuado muito com chineses que têm vindo para o Brasil. Fomos advogados de uma siderurgica nacional da China que fez uma joint-venture com a Vale do Rio Doce, para se instalar no Brasil, mais precisamente no Maranhão. Mas não deu certo porque a burocracia brasileira afugentou esse grupo chinês e eles acabaram não formalizando o negócio. Foi um trabalho muito intenso, muito grande.
ConJur — Quais as vantagens e dificuldades de ter uma filial fora do país?
Mário Sérgio — Quando abrimos o nosso escritório na China houve por parte do governo a exigência de que tivéssemos escritório em Brasília. Para nós foi muito bom, porque nos permitiu também exercer uma atividade mais atuante no Distrito Federal. Na China tínhamos uma advogada, porque o governo chinês exigiu que tivéssemos um advogado no país, por no mínimo 6 meses por ano. E quando não deu mais para continuar nesse sistema, abrimos uma oportunidade para advogados que quisessem ir para lá. Um rapaz, que já estava estudando mandarim, foi. Hoje está falando bem chinês, se adaptou perfeitamente, tem estabelecido uma atividade muito importante lá. O nosso relacionamento com a embaixada é muito bom e nosso escritório fica em Pequim.
ConJur — O advogado presta consultoria para as empresas brasileiras que vão para lá ou ele pode atuar nos tribunais também?
Mário Sérgio — Ele não pode atuar nos tribunais, e a rigor ele não pode nem prestar assessoria para empresas brasileiras se for sobre direito chinês. Só sobre direito brasileiro.
ConJur — Então, a regra é igual à que existe aqui?
Mário Sérgio — O escritório estrangeiro se inscreve no Brasil, mas só pode tratar de assunto relativo a direito estrangeiro. Quando temos algum problema que exige uma atuação na China, trabalhamos com outro escritório chinês.
ConJur — Cabe à OAB fiscalizar a entrada de escritórios estrangeiros no Brasil?
Mário Sérgio — Está certo no sentido de evitar que eles possam vir a constituir ou praticar uma simulação, advogados estrangeiros que estejam desbordando em direito brasileiro aqui. A atuação dos escritórios estrangeiros deve ficar subordinada a uma fiscalização efetiva de que o serviço está sendo prestado exclusivamente em matéria de direito estrangeiro.
ConJur — O que, a seu ver, motivou essa iniciativa da OAB-SP de pedir uma fiscalização nos escritórios estrangeiros no Brasil?
Mário Sérgio — Escritórios estrangeiros têm vindo para o Brasil e aqui contratam advogados brasileiros. Fica muito difícil saber se o advogado estrangeiro está fazendo ou não um serviço que é de possibilidade exclusiva do brasileiro. Há algum tempo houve um problema na Ordem porque havia uma mistura de escritório inglês com escritório brasileiro atuando no mesmo lugar. Mas isso foi regularizado, eles foram separados, o inglês ficou cuidando só de direito inglês, e os brasileiros do direito nacional.
ConJur — A Ordem dos Advogados tem de atuar mais na defesa dos interesses corporativos ou na defesa de grandes causas institucionais?
Mário Sérgio — Atualmente, em um país democrático a Ordem tem que se dedicar aos assuntos da classe muito mais do que aos assuntos que dizem respeito a vida institucional do país. Mas assim mesmo ela tem atuado institucionalmente quando ocorrem fatos que reclamam sua manifestação. Hoje, temos até mais possibilidade de atuação. Por força de um dispositivo constitucional, a Ordem indica membros da classe para compor os tribunais superiores. Isso exige um esforço grande da Ordem, inclusive quando surgem problemas como quando o Superior Tribunal de Justiça questionou uma lista que a Ordem encaminhou.
ConJur — A rejeição aconteceu por razões políticas?
Mário Sérgio — Não. O STJ não recusou oficialmente a lista apresentada pela OAB. Apenas afirmou que não atingiu o número de votos necessários para aprovação. Isso provocou uma ação da Ordem perante o Supremo Tribunal Federal, mas infelizmente a OAB não teve êxito nessa tentativa de alterar a decisão do STJ e agora está organizando três listas para as vagas da advocacia no tribunal. Temos ainda listas pendentes no Tribunal Superior do Trabalho e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
ConJur — O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, liderou um movimento para pedir a prisão do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Pedir a prisão de alguém é papel da OAB?
Mário Sérgio — A cassação do governador do Distrito Federal aconteceu no início do mandato do Ophir Cavalcante, no período em que o Conselho não estava reunido. Então, ele foi obrigado a adotar a atitude que lhe pareceu a mais adequada. Em fevereiro, quando o Conselho se reuniu, essa questão foi objeto de muito debate e o Conselho acabou aprovando a decisão do presidente. Entendo que, a rigor, não seria possível qualquer atitude da Ordem pedindo prisão de alguém. No caso do governador, a despeito de todos os ilícitos que ele possa ter cometido, defendo que qualquer criminoso tem direito a ser defendido. Então, discordei, mas o Conselho entendeu que o movimento foi legítimo.
ConJur — Recentemente, a OAB levou a público que conversas entre presos e advogados estavam sendo gravadas no presídio federal de Campo Grande. O senhor acredita que presos perigosos, como o Fernandinho Beira Mar, precisam de tratamento diferente da Justiça e no presídio?
Mário Sérgio — Não, mas se o preso lidera facções criminosas a permanência dele em um presídio comum é deletéria na medida em que ele acaba liderando os demais presos na cadeia. O ideal é isolar, como ocorre no presídio federal em Campo Grande. E mesmo isolado existem comandos no sentido de cometer atos delituosos. Hoje está muito pior. Para jogar um telefone celular para dentro da penitenciária, os criminosos vão a um bosque ao lado do presídio, amarram uma borracha pneumática em duas árvores e fazem uma espécie de estilingue. Envolvem o celular também nesse material, esticam e mandam o telefone lá para dentro.
ConJur — O juiz alegou que autorizou o monitoramento a fim de evitar possíveis crimes. O senhor concorda que quando uma pessoa oferece perigo o juiz pode autorizar a gravação da conversa entre o preso e o advogado?
Mário Sérgio — A rigor não poderia ter a gravação da conversa entre preso e advogado porque quebra o sigilo essencial ao exercício da advocacia, no sentido de que você possa defender o preso. Não advogo na área criminal, mas acompanho o que está ocorrendo. No Conselho Federal vemos muito problema dessa natureza.
ConJur — Como o senhor viu o desempenho da Ordem no movimento pela revisão da Lei de Anistia?
Mário Sérgio — A Lei de Anistia teve origem na própria luta que a Ordem travou pela anistia. Eu era presidente da OAB em São Paulo quando o presidente do Conselho Federal, o Eduardo Seabra Fagundes, fez um movimento muito grande para a decretação da Anistia. Houve uma campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita. Então, entendeu-se que não se deveria agora fazer uma revisão da lei para punir aqueles militares que cometeram muitas atrocidades. Revê-la passado tanto tempo pareceu pouco adequado neste momento.
ConJur — Para as famílias das vítimas seria uma coisa importante. Mas qual o sentido da revisão para o país como um todo?
Mário Sérgio — Eu respeito a posição de quem defendeu a revisão e com razões de peso, mas em verdade é reviver um assunto que está sepultado. Lastimavelmente passamos por um período negro da vida do país, muito triste, mas isso passou, e, inclusive, muitos políticos que se viram atingidos foram contra a revisão do caso.
ConJur — Em outros países que também estiveram submetidos a ditaduras militares, a Justiça acabou revendo a legislação de anistia e condenando represssores e ditadores.
Mário Sérgio — Sim. Teve o caso da Argentina, onde houve revisão. Acho que o país de certa forma anuncia que pode sofrer sanções internacionais pelo fato de não ter aplicado a lei ou deixado de aplicar a lei de anistia a quem cometeu esses delitos. Porque, em verdade, não é uma apreciação romântica. Quem lutou e sofreu violências, lutava por um ideal de busca da democracia. Então, até sob esse aspecto eu cumprimento a posição de quem defendeu a inaplicabilidade da Lei da Anistia para quem foi acusado por esses crimes.
ConJur — Como era o clima na época da convocação da Constituinte?
Mário Sérgio — A Ordem tinha uma atuação muito grande na base institucional do país. No tempo em que eu fui presidente do Conselho Federal, de 1983 a 1985, estávamos sujeitos a um regime discricionário e ditatorial, então o movimento era completamente diferente, havia um esforço muito grande no sentido da redemocratização do país. Naquela ocasião, houve muita violência e os presidentes da Ordem, principalmente, tiveram uma atuação muito firme tanto a nível federal quanto a nível estadual. Ainda na minha gestão iniciamos o movimento pela convocação da Constituinte.
ConJur — Como foi o trabalho da OAB?
Mário Sérgio — A Ordem promoveu dois congressos muito importantes a esse respeito e levou ao Congresso Nacional contribuições e sugestões, no sentido de que nós tivéssemos uma carta magna adequada aos interesses nacionais. Com apoio popular, somando esforço com todas as entidades da sociedade civil que lutavam pela nova Constituição, a OAB acabou deflagrando um movimento. Apresentou-se até um projeto que o governo quis encaminhar através de uma comissão sub-constituida, mas que acabou não dando nenhum resultado objetivo e instalou-se a constituinte.
ConJur — E com isso o papel da advocacia foi constitucionalizado.
Mário Sérgio — Os advogados contribuíram para a Constituinte com sugestões e pressão política, Depois de todo esse trabalho, por uma proposta do deputado Michel Temer, foi incluido na Constituição Federal o dispositivo que estabelece que o advogado é elemento essencial à aplicação da Justiça. E isso congregou todos os democratas que ansiavam por uma lei maior nova no país.
ConJur — O senhor acredita que o Judiciário está acompanhando a informatização que os escritórios demandam?
Mário Sérgio — Há certos setores que estão acompanhando. Mas alguns estados como o Rio Grande do Sul e São Paulo ainda não conseguiram acompanhar com a mesma rapidez o trabalho que foi feito por outros Tribunais, naturalmente com menos processos. Já no Superior Tribunal de Justiça não existe mais papel. Tudo que vai para o STJ é digitalizado. O Supremo Tribunal Federal está querendo também caminhar nesse sentido e já tem algum progresso para fazer determinados processos via digital. Pode provocar rapidez maior no andamento dos processos. A única preocupação é quando os tribunais estabelecem certar modificações processuais com o objetivo de reduzir recursos e acabam impedindo que aspectos fundamentais não sejam examinados pelos tribunais.
ConJur — Que tipo de modificações são essas?
Mário Sérgio — Além de um rigor excessivo dos Tribunais, no sentido de formular determinadas exigências que muitas vezes podem não ser atendidas, acabam impedindo o conhecimento de recursos que por lá tramitam. O STJ passou a punir recurso de Agravo Regimental. Quando se impetra um Agravo de Instrumento para ser decidido pela Turma, que também pode ser decidido monocraticamente, e é negado, pode-se usar o Agravo Regimental. O problema é o prazo de apenas cinco dias para entrar com o Agravo Regimental, e muitas vezes você não tem oportunidade de consultar o cliente. E a multa é de 1 % sobre o valor da causa. Se for uma questão grande você pode pegar uma multa pesada. Essas medidas têm decorrido da quantidade de recursos, mas é ruim para a distribuição da Justiça. Por outro lado, acredito que o excesso de recursos acarreta em morosidade.
ConJur — Repercussão Geral, Súmulas Vinculantes, Lei de Recursos Repetitivos também se encaixam nessa lógica?
Mário Sérgio — Sim. No Supremo, a Repercussão Geral é aplicada como forma de restringir o número de processos. É compreensível, porque o Supremo, a rigor, deveria ser apenas um tribunal constitucional, mas têm subido para lá questões que só têm importância para o autor. A Súmula Vinculante também foi importante, porque fixa uma orientação que está já solidificada a respeito de determinados termos jurídicos. Mas isso também acarreta uma restrição na apreciação de questões, por exemplo, a Súmula 7 do STJ que diz que não pode ser apreciada em Recurso Especial matéria de fato, só as matérias de direito. Essas medidas contribuíram também para diminuir o número de processos e foi também para desestimular uma litigância reiterada.
ConJur — As recentes reformas dos códigos de processo também têm esse objetivo. Elas são um avanço?
Mário Sérgio — No projeto do Código do Processo Civil eles estão querendo excluir uma série de recursos e estabelecer a coletivização das ações. Imagine se um advogado inexperiente de uma cidade do interior do Maranhão entra com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Se houver uma ação dessa natureza que possa se repetir, esse novo dispositivo do Código de Processo estabelece a coletivização da ação. Enquanto não for decidida aquela primeira ação nenhuma outra pode ser decidida. Se um juiz de primeira instancia, inexperiente, decidiu errado, isso vai ter reflexo em todas as ações subseqüentes. Sob esse aspecto, a preocupação com o número de recursos pode afetar profundamente a boa distribuição da Justiça.
ConJur — Então, o senhor não vê muita perspectiva nesse caminho?
Mário Sérgio — A esperança é a ultima que morre. Mas vamos ver em que medida esses projetos de mudanças do Código de Processo pode afetar direitos fundamentais. A Constituição já estabelece que a lei não pode impedir o acesso ao judiciário.
ConJur — A arbitragem poderia dar as respostas que o Judiciáio não está sendo capaz de dar?
Mário Sérgio — Eu tenho feito muita arbitragem. O único problema é que a arbitragem não permite que você recorra da decisão. É definitiva, a não ser que haja alguma ilegalidade cometida durante a arbitragem. É uma formula alternativa de solução de controvérsias, que atinge o seu objetivo e resolve questões. Acho que isso tem contribuído para resolver problemas, solucionar divergências, e aplicar aquilo que no judiciário levaria muitos anos para se resolver.
ConJur — A arbitragem ainda é muito cara?
Mário Sérgio — A arbitragem é cara em termos, se você pegar a arbitragem do CCI [Câmara de Comércio Internacional, de Paris], por exemplo, os honorários dos árbitros são fixados em função do valor em discussão. Mas, de maneira geral, as câmaras de arbitragem aqui remuneram as horas dos árbitros de uma forma módica, eu diria. Eles recebem a metade da hora que cobram no escritório. Ocorre que você paga para os três. E depende do valor em discussão. O custo, tendo em vista a demora do processo judicial, certamente é bem inferior. Não é barato, mas é eficaz e resolve os problemas.
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