Repasse de recursos

Alterações sobre royalties são inconstitucionais

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14 de julho de 2010, 7h31

O presente estudo é fruto de consulta formulada pelo estado do Rio de Janeiro, por sua procuradora-geral, Lúcia Léa Guimarães Tavares, acerca da constitucionalidade de proposta de modificação da legislação relativa ao pagamento de royalties e participações especiais decorrentes da produção de petróleo. As inovações em questão resultariam de emendas parlamentares apresentadas na Câmara dos Deputados e no Senado, a projeto de lei enviado pelo Executivo, que não cuidava desse tema específico.

Referidas como “Emenda Ibsen”, na Câmara dos Deputados, e como “Emenda Simon”, no Senado, tais alterações retiram dos estados e dos municípios os direitos de que até então desfrutavam em razão da produção de petróleo na plataforma continental, no mar territorial e na zona econômica exclusiva, por sua condição de confrontantes com as áreas de exploração[1]. De acordo com o novo tratamento proposto, as participações ou compensações previstas no artigo 20, § 1º da Constituição Federal não mais caberão aos estados e municípios diretamente afetados pela atividade de extração petrolífera, passando a ser distribuídas, indistintamente, a todos os estados e municípios da Federação, por meio de fundos de participações[2].

As emendas descritas acima foram apresentadas no contexto da criação de um novo marco regulatório para a exploração de petróleo na camada do subsolo conhecida como pré-sal[3]. Sobre o tema, quatro projetos de lei foram remetidos ao Congresso pelo chefe do Executivo:

o Projeto de Lei 5.938/2009, que “dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas (…)”; o PL 5.939/2009, que “autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. — PETRO-SAL”; o PL 5.940/2009, que cria o Fundo Social (FS) com a finalidade de congregar recursos decorrentes da exploração do petróleo e constituir fonte regular de recursos para a elaboração de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental; e o PL 5.941/2009, que pretende capitalizar a Petrobras para a nova empreitada, autorizando a União a ceder-lhe “o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do artigo 177 da Constituição”.

Apensado a esses projetos, tramitava o PL 2.502/2007, que instituía os contratos de partilha para a exploração de petróleo, ao lado dos contratos de concessão, conferindo à ANP o poder de determinar os blocos que seriam objeto de cada uma dessas modalidades. Apesar de formalmente vinculada a essa última proposição, a Emenda Ibsen foi apresentada em Plenário e incorporada à redação final do PL 5.938/2009 que, uma vez aprovada, foi autuada como PL 5.938-A/2009 e seguiu para o Senado, onde passou a tramitar como o PLC 16/2010. Quando do exame de outro projeto — o PLC 7/2010, relacionado ao Fundo Social — o senador Pedro Simon apresentou emenda que reproduz, em essência, a Emenda Ibsen. A nova emenda acabou integrada ao projeto aprovado por aquela Casa, como uma das “disposições finais e transitórias” do PLC 7/2010. É ao exame da matéria de fundo, comum aos dois projetos, que se dedica o presente estudo.

Em síntese, as propostas legislativas mencionadas pretendem alterar a fórmula de distribuição das participações devidas aos estados-membros e municípios em razão da exploração marítima de petróleo. Nos termos da Emenda Ibsen seria suprimido o pagamento de royalties e participações especiais aos estados e municípios produtores e confrontantes, não apenas em relação aos contratos futuros, mas também em relação àqueles já firmados sob a vigência da Lei 9.478/97. Esses valores seriam, então, redirecionados a dois fundos e repartidos entre todos os estados e municípios da Federação, segundo os critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essa ideia foi mantida pela Emenda Simon, que ressalvou apenas o caso dos municípios “afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP”, conforme previsto no artigo 49, II, d, da Lei 9.478/97. Para melhor compreensão da proposta, confira-se a dicção dos dispositivos pertinentes, respectivamente, no PLC 16/2010 (Emenda Ibsen) e no PLC 7/2010 (Emenda Simon):

Emenda Ibsen

Artigo 45. Ressalvada a participação da União, a parcela restante dos royalties e participações especiais oriundos dos contratos de partilha de produção e de concessão de que trata a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre estados, Distrito Federal e municípios da seguinte forma: 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados e o Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do fundo de Participação dos Estados (FPE); e 50% para constituição de Fundo Especial a ser distribuído entre todos os municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Emenda Simon

Artigo 64. Ressalvada a participação da União, bem como a destinação prevista na alínea ‘d’ do inciso II do artigo 49 da Lei 9.478, de 1997, a parcela restante dos royalties e participações especiais oriunda dos contratos de partilha de produção ou de concessão de que trata a mesma lei, quando a lavra ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, será dividida entre estados, Distrito Federal e municípios da seguinte forma: 50% para constituição de fundo especial a ser distribuído entre todos os estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE); e 50% para constituição de fundo especial a ser distribuído entre todos os municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)”.

A relevância do tema dificilmente poderia ser subestimada. De acordo com dados divulgados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)[4], entre janeiro e dezembro de 2009, somente a União recebeu cerca de R$ 6,5 bilhões a título de royalties e de participações especiais. Por sua vez, aproximadamente R$ 5,8 bilhões foram repartidos entre os estados produtores. Desse valor, cerca de R$ 4,9 bilhões foram destinados ao estado do Rio de Janeiro, maior produtor nacional. Caso aprovada em definitivo a proposta legislativa — que dispõe não apenas sobre os campos que venham a ser descobertos no pré-sal, mas também sobre os já licitados —, estima-se que o estado sofrerá uma perda anual de pelo menos R$ 7 bilhões[5], além do previsível aumento do desemprego[6]. Diante dessa perspectiva, a preocupação com o assunto extrapolou os limites do debate parlamentar e alcançou a sociedade civil. A insatisfação popular culminou com a participação de 100 mil pessoas em uma passeata organizada pelo governo do estado e por prefeitos de municípios fluminenses[7].


Todas essas circunstâncias demonstram o enorme impacto que a inovação, caso aprovada, produziria sobre os estados produtores e, paralelamente, questionamentos diversos têm sido suscitados acerca da constitucionalidade dessa proposta. O presente estudo será conduzido segundo o roteiro inicialmente apresentado, mas já se pode adiantar que a conclusão apurada é no sentido da invalidade da proposta de alteração legislativa. Antes de se passar à demonstração do argumento, faz-se a breve nota terminológica que se segue.

Ao tratar dos direitos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação à exploração do petróleo, a Constituição utiliza os termos “participação no resultado” ou “compensação financeira”. Na legislação infraconstitucional em vigor, a Lei do Petróleo (Lei 9.478/1997) utiliza a expressão participações governamentais, que inclui, além do bônus de assinatura e do pagamento pela ocupação da área — irrelevantes para os fins do presente estudo —, os royalties — que constituem a figura básica — e a participação especial, devida nos casos em que o lote licitado apresente grande volume de produção ou especial rentabilidade (artigo 47). Na sistemática da Constituição e da legislação infraconstitucional — como se demonstrará ao longo do presente parecer —, ambas as receitas constituem uma forma de compensação aos órgãos federais, estados e municípios envolvidos na produção, em razão dos ônus e encargos dela decorrentes. Na sequência do presente estudo, por conta da referida natureza comum — e seguindo a linguagem corrente fora do ambiente técnico — o termo royalties será empregado em sentido genérico, englobando também as participações especiais, salvo onde a distinção tenha relevância.

Histórico legislativo do pagamento de royalties do petróleo

A obrigação de distribuir participações ou compensações a estados e municípios em decorrência da exploração de petróleo e gás natural existe desde o começo da indústria petrolífera no Brasil. O artigo 27 da Lei 2.004/53[8], que criou a Petrobras e dispôs sobre a Política Nacional do Petróleo, impunha à empresa estatal — detentora do monopólio então existente no setor — o dever de pagar indenização, correspondente a 5% sobre o valor do produto explorado, aos estados, territórios e municípios onde ocorresse a lavra de petróleo e xisto betuminoso ou a extração de gás natural[9].

Já na década de 1980, com o início da exploração marítima do petróleo, a Lei 7.453/85 previu o pagamento de compensação também quando o óleo ou o gás natural fossem extraídos da plataforma continental. Nesse caso, o pagamento deveria ser feito não apenas aos estados e municípios confrontantes com os poços produtores, mas também aos municípios integrantes da área geoeconômica dos municípios confrontantes[10]. Posteriormente, a Lei 7.525/86 veio explicitar os conceitos de estados e municípios confrontantes e de área geoeconômica[11]. Nos termos da lei, teriam direito a royalties não apenas os municípios que possuíssem instalações relacionadas à produção e ao seu escoamento — como oleodutos, gasodutos e estações de compressão e bombeio —, mas também os municípios contíguos que suportassem as consequências sociais ou econômicas da produção e exploração de petróleo[12]. Duas observações parecem relevantes aqui.

Em primeiro lugar, restava evidente da legislação que o pagamento de royalties aos estados e municípios produtores (nessa expressão já incluídos os confrontantes, como referido) não se dava por conta da propriedade do bem — que já era federal —, mas sim em razão dos ônus causados a alguns dos outros entes pela exploração do petróleo. Em segundo lugar, é interessante observar que a Lei 7.453/85 previa também — paralela e independentemente dos pagamentos devidos aos estados e municípios produtores — que 1% do valor dos produtos extraídos seria destinado a um “Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados, territórios e municípios”. Os recursos recebidos por todos os entes federativos por conta desse fundo, como se vê, em nada se relacionam seja com os valores a serem pagos aos estados e municípios produtores — as duas previsões coexistem simultaneamente —, seja com a circunstância de serem ou não afetados pela produção e exploração do petróleo.

Em 1988, ganhou status constitucional o direito dos entes federativos, afetados pela exploração de petróleo, gás natural e outros recursos naturais pertencentes à União, sobre os benefícios financeiros dela advindos. Nessa linha, o artigo 20, § 1º, da Constituição Federal assegura a esses estados, Distrito Federal e municípios, nos termos da lei, a participação no resultado da exploração ou a compensação financeira por essa exploração[13]. Esse dispositivo constitucional foi regulamentado pelo artigo 7º da Lei 7.990/89, que novamente explicitou o dever de se pagar uma compensação financeira aos estados e municípios em cujo território se fizesse a lavra, bem como àqueles confrontantes às áreas de produção marítima[14]. A lei fixou a compensação devida no montante de 5% do valor da produção, instituindo determinados critérios para a sua repartição entre os entes estatais beneficiários. Veja-se, por fim, que a Constituição nada dispôs sobre a criação de um fundo específico nessa matéria, a ser distribuído entre todos os entes federativos indistintamente. Isso não significa, por natural, que o Legislador não pudesse tratar do tema e, de fato, a Lei 7.990/89 manteve o fundo criado pela legislação anterior e destinado a “todos os estados, territórios e municípios”, reduzindo o valor a ele destinado, no entanto, para 0,5%.

Os royalties devidos aos estados e municípios produtores foram contemplados também pela Lei do Petróleo (Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997), editada na esteira da abertura do mercado levada a efeito pela EC nº 9/95. Reproduzindo a previsão tradicional, tal diploma determina o pagamento mensal de royalties aos estados produtores, fixados em montante equivalente a 10% da produção de petróleo e gás natural. Esse percentual pode ser reduzido pela ANP — mediante previsão no edital de licitação do campo correspondente — até o mínimo de 5%, tendo em conta os riscos geológicos, as expectativas de produção e outros fatores pertinentes. Nos termos da Lei do Petróleo, a parcela básica de 5% continua a ser distribuída “segundo os critérios estipulados pela Lei 7.990/89”. A repartição da parcela que exceder a 5% segue critérios próprios, definidos no artigo 49 da nova lei[15].

Como se percebe, e a despeito de pequenas modificações, um elemento essencial permaneceu inalterado na regulamentação legislativa da matéria, desde o início da exploração do petróleo no Brasil: a existência de uma retribuição a ser paga em favor dos estados e municípios produtores a fim de compensar os ônus e riscos decorrentes da atividade de exploração, seja em terra, seja na plataforma continental (tanto assim que a Lei 2.004/53 chegava a falar em indenização). Retribuição de valor substantivo e que jamais se confundiu com a existência de um fundo geral cujos recursos seriam distribuídos por todos os entes indistintamente, sem qualquer vinculação com os impactos sofridos por conta da exploração e da produção do petróleo. Esse é um dos aspectos relevantes na determinação do sentido e alcance do artigo 20, § 1º da Constituição. A esse tema se dedica o tópico seguinte.


Interpretação adequada do dispositivo constitucional

A discussão quanto à validade da orientação adotada pelas emendas Ibsen e Simon depende, em grande medida, da adequada leitura do artigo 20, § 1º, da Constituição. De forma mais concreta, trata-se de saber se o dispositivo cuida do direito dos estados e municípios afetados pelo processo de extração do petróleo de receberem royalties e participações especiais ou se o dispositivo constitucional estaria atendido uma vez que a União, por meio de lei, atribuísse a todos os estados e municípios, sem diferenciação, o direito a receber royalties e participações especiais. Confira-se o teor do dispositivo:

Artigo. 20. (…) § 1º. É assegurada, nos termos da lei, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

A ordem jurídica constitui um sistema, dotado de unidade e harmonia. A interpretação jurídica, por sua vez, é uma atividade racional e lógica. Para levá-la a efeito, a doutrina, nos países da tradição romano-germânica, de longa data, sistematizou quatro elementos clássicos de interpretação: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. De acordo com o conhecimento convencional, nenhum desses elementos é absoluto nem tampouco deve ser utilizado isoladamente. A interpretação adequada é fruto da combinação e do controle recíproco entre eles[16]. Deve-se levar em conta, portanto, o texto da norma (interpretação gramatical ou semântica), aspectos do seu processo de criação (interpretação histórica), sua conexão com outras normas do sistema jurídico (interpretação sistemática) e sua finalidade (interpretação teleológica). Pois bem: na hipótese aqui examinada, todos os elementos de interpretação conduzem a uma mesma conclusão: o artigo 20, § 1º da Constituição dirige-se aos estados e municípios em cujo território se dá a exploração de petróleo ou gás natural ou que sejam afetados por essa exploração. Confira-se, a seguir, a demonstração do raciocínio.

A interpretação gramatical consiste na atribuição de sentidos possíveis e razoáveis a um texto normativo. Ela constitui o ponto de partida e o limite das possibilidades interpretativas, que devem se situar dentro da moldura delineada pela norma. Pois bem: o § 1º do artigo 20 fala em participação no resultado ou compensação financeira pela exploração de recursos no respectivo território. Na verdade, o conceito chave é o de compensação, seja pelo uso do território do estado ou do município, seja pelos danos ou ônus decorrentes da atividade. Pois bem: o que haveria para compensar em relação a uma região não envolvida nem afetada no processo de exploração? Caso todos os estados e municípios tivessem o mesmo direito, o local da atividade seria irrelevante e o emprego da palavra compensação não teria pertinência[17]. Vale dizer: o artigo 20, § 1º não teria sentido nem razão de existir. Regra ancestral da interpretação jurídica é a de que a norma não traz em si termos inúteis.

Note-se que a idéia de participação/compensação está subjacente, também, à repartição dos royalties no âmbito da administração direta da União. De fato, tanto a lei atual quanto o projeto de lei enviado pelo Executivo destinam recursos aos órgãos que são diretamente afetados pela exploração: Comando da Marinha, Ministério da Ciência e Tecnologia e Fundo de proteção ambiental[18]. Tal previsão não é afetada pelas modificações propostas pelas emendas Ibsen e Simon. É bem de ver que se a União é proprietária dos recursos minerais, só há sentido em tal vinculação específica em razão da natureza compensatória dos royalties, que se destinam aos entes estatais e aos órgãos onerados pela atividade econômica em questão. De fato, se é assim em relação ao próprio governo federal, não haveria razoabilidade em se aplicar lógica diversa aos estados e municípios.

Em suma: a interpretação gramatical ou semântica restringe os direitos previstos no artigo 20, § 1º aos estados e municípios cujos territórios são afetados pela exploração de petróleo ou gás natural. Trata-se de verdadeiro direito subjetivo constitucional ao recebimento de tais receitas[19]. A lei destinada a regulamentar o dispositivo constitucional não pode ignorar esse sentido mínimo do texto, sob pena de nulidade. Assim, a lei federal é necessária para detalhar a repartição dos recursos, mas deve obedecer à premissa estabelecida pela própria Constituição[20].

Já a interpretação histórica leva em conta a conjuntura em que produzida a norma, os trabalhos legislativos e a intenção do constituinte ou legislador. Quando o constituinte de 1988 decidiu trazer para a Constituição a matriz da disciplina dos royalties, eles já eram tratados pela legislação ordinária desde 1953, quando promulgada a lei de criação da Petrobras. E, como se assinalou em tópico anterior, desde sempre os royalties se destinaram a compensar os estados produtores e confrontantes, no caso de exploração marítima. Ao constitucionalizar a matéria, da forma como fez, o constituinte claramente manifestou a intenção de manter o regime jurídico até então existente. Do contrário, teria feito menção expressa de que as participações e compensações passariam a ser devidas a todos os estados e municípios, diferentemente do que vigorara até então. Como não procedeu assim, resulta clara a sua intenção de chancelar o modelo que sempre fora praticado e que, aliás, continuou a ser praticado nos mais de 20 anos de vigência da Constituição de 1988[21].

Passa-se, agora, à interpretação sistemática, pela qual a norma jurídica deve ser interpretada dentro do contexto normativo como um todo. Não se interpretam normas isoladamente, sem fazer as conexões com o ordenamento jurídico, em cujo ápice está a Constituição[22]. A Constituição tem uma unidade interna e, além disso, é responsável pela unidade geral do sistema. No ponto aqui relevante, deve-se assinalar que o artigo 20, § 1º deve ser lido em conjunto com outras normas que afetam o ciclo econômico da produção do petróleo. Merece destaque, para os fins visados nesse estudo, a disciplina do imposto sobre circulação de mercadorias, especialmente o artigo 155, § 2º, X, b, também da Constituição[23]. É possível afirmar que a regra geral, em relação a esse tributo, é o seu pagamento na origem, isto é, no estado onde se dá a saída da mercadoria do estabelecimento comercial[24]. Todavia, o dispositivo acima destacado cria, em relação ao petróleo — e, também, à energia elétrica —, uma exceção: o ICMS, nesse caso, é pago no estado de destino do produto. Como já apontou o STF, essa disciplina foi criada para beneficiar o “estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo”[25].


Tal sistemática, em relação ao petróleo, se deveu ao fato de que os estados produtores, em lugar da tributação do ICMS, receberiam royalties e participações especiais, nos termos do artigo 20, § 1º. Uma coisa, então, compensaria a outra. Também esse aspecto já foi abordado pelo STF. Confira-se, a propósito, o trecho abaixo transcrito, extraído do voto do ministro Nelson Jobim, que, baseado em sua atuação como deputado constituinte, explicitou a conexão necessária — e deliberada — entre os dois dispositivos:

“Daí por que preciso ler o § 1º do artigo 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal. O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros estados — petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica —, ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS. (…) Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos estados uma compensação financeira pela perda dessa receita. Aí criou-se o § 1º do artigo 20 (…)” (negrito acrescentado)[26].

É possível cogitar que o constituinte derivado pudesse — se se entendesse que isso não viola o princípio federativo, cláusula pétrea constitucional — modificar tal arranjo, alterando o equilíbrio estabelecido no texto original. Mas o legislador ordinário, por certo, não pode desfazer o sistema concebido pelo constituinte para a matéria. Em suma: o artigo 20, § 1º, da Constituição Federal garante o direito de participação ou de compensação aos estados e municípios produtores. Isso não quer dizer que os demais estados-membros e municípios não possam receber qualquer parcela, mas apenas que a decisão por distribuir seria uma opção política da União, que pode repartir como quiser o seu próprio quinhão. O que ela não pode fazer é ceder o que não lhe pertence, atribuindo a outros estados e municípios aquilo que cabe apenas aos produtores.

Por fim, cumpre abordar a interpretação teleológica, que leva em conta, sobretudo, os fins visados pela norma, o valor ou bem jurídico tutelado pelo ordenamento. Veja-se bem: o propósito subjacente ao artigo 20, § 1º, como todo modelo de pagamento de royalties, está associado a compensar estados e municípios pelos impactos ambientais e socioeconômicos causados ou potencializados pela atividade petrolífera. Tal fim constitucional resulta frustrado pelo rateio linear do produto dos royalties, sem considerar os riscos e encargos dos estados confrontantes da exploração marítima do petróleo.

Aqui se destaca, por exemplo, o aumento da demanda por serviços públicos e atividades governamentais, como distribuição de água, energia elétrica e gás natural, segurança pública, transportes, habitação, urbanismo, defesa civil, proteção ao meio ambiente, dentre outros. Da mesma forma, são evidentes os elevados impactos e riscos ambientais impostos aos estados confrontantes às áreas de produção — sua existência e gravidade foram tristemente demonstradas por recente acidente de grandes proporções, ocorrido no Golfo do México. Para que se tenha uma dimensão do problema: estima-se que um vazamento similar afetaria a costa do Rio de Janeiro em apenas dois dias, gerando prejuízos materiais e imateriais incalculáveis[27]. Também esse aspecto finalístico já foi objeto de consideração expressa do STF, como se noticia a seguir:

“A compensação se vincula, a meu ver, não à exploração em si, mas aos problemas que gera. Com efeito, a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica é atividade potencialmente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente ambientais (…), sociais e econômicos, advindos do crescimento da população e da demanda por serviços públicos. Além disso, a concessão da lavra e a implantação de uma represa inviabilizam o desenvolvimento de atividades produtivas na superfície, privando estados e municípios das vantagens delas decorrentes. Pois bem. Dos recursos despendidos com esses e outros efeitos da exploração é que devem ser compensadas as pessoas referidas no dispositivo” (negrito acrescentado)[28].

“Naquele precedente [MS 24.312/DF] também foi expressamente consignado nos votos dos ministros Sepúlveda Pertence (inicialmente, inclusive invocando o decidido pela 1ª Turma no RE 228.800) e Nelson Jobim (posteriormente), cujos fundamentos foram incorporados pela relatora e pela integralidade do Plenário, que a causa à compensação não é a propriedade do bem, pertencente exclusivamente à União, mas sim a sua exploração e o dano por ela causado” (negrito acrescentado)[29].

Nessa mesma linha, confiram-se as manifestações dos professores José Afonso da Silva e Ricardo Lobo Torres, respectivamente:

“[N]ão se dão a participação ‘e’ compensação conjuntamente; a compensação só cabe se não for possível a participação; a participação no resultado da exploração mineral tem já por si sentido compensador; é prevista exatamente porque a exploração no território traz ônus, encargos, exigências de serviços por parte da entidade beneficiada; (…) o direito nasce (é causado) pela exploração dos minerais, indicados no dispositivo, no território da entidade (…); mas o texto em comentário estende o direito à exploração também na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva” (negrito acrescentado)[30].

“Podem a União, os estados e os municípios receber participação representada pelas importâncias calculadas sobre o resultado da exploração de petróleo ou gás natural etc., matéria ainda não regulamentada. Ou podem receber compensações financeiras, que têm a natureza de preços públicos pela utilização de recursos naturais situados em seus territórios, justificando-se como contraprestação pelas despesas que as empresas exploradoras de recursos naturais causam aos poderes públicos, que se vêem na contingência de garantir a infraestrutura de bens e serviços e assistência às populações envolvidas em atividades econômicas de grande porte, como ocorreu com o estado do Rio de Janeiro, que é o maior produtor de petróleo do Brasil” (negrito acrescentado)[31].

Dessa forma, se a participação/compensação é devida em razão dos ônus suportados pelos estados-membros em decorrência de uma atividade econômica de interesse da União, parece claro que tal participação só será devida aos entes que, de fato, sofram essas consequências. Note-se bem, na linha da clara posição do STF, que o direito a royalties não decorre quer da propriedade do recurso — que sempre é da União — quer da titularidade direta da área de produção, mas da circunstância de o estado e o município estarem na esfera de impacto ambiental e socioeconômico da atividade, por se tratar de seu território ou por serem confrontantes da área de exploração.

Em resumo deste tópico: por qualquer elemento de interpretação que se queira prestigiar, as participações e compensações referidas no artigo 20, § 1º da Constituição dirigem-se aos estados e municípios produtores e diretamente afetados pela exploração do petróleo, tanto em terra como no mar. Esse regime jurídico, que vem desde o início da exploração do petróleo no país, foi abrigado no texto constitucional. Tais receitas pertencem, de direito, aos estados e municípios envolvidos, e substituem as que lhes caberiam a título de ICMS, dentro da sistemática adotada pela Constituição. O principal propósito do artigo 20, § 1º é compensar os estados e municípios pelos impactos ambientais e socioeconômicos decorrentes de uma atividade de interesse nacional, proporcionando-lhes condições de prevenir riscos e de atender ao aumento da demanda por serviços públicos.


Violação ao princípio da isonomia

O princípio da isonomia ou da igualdade, subjacente às ideias de república, democracia e Estado de direito, permeia todo o texto constitucional brasileiro. Em diferentes dispositivos, a Constituição veda discriminações, distinções e preferências indevidas, seja entre pessoas ou entre entidades estatais (e.g., artigos 3º, IV, 5º, caput e 19, III). Na formulação clássica do princípio, os iguais deverão ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida da sua desigualdade. O que a isonomia veda, portanto, são as desequiparações que não tenham um fundamento racional e razoável e que não se destinem a promover um fim constitucionalmente legítimo. Veda-se o arbítrio, o capricho, o aleatório, o desvio. O princípio da isonomia forma uma imperativa parceria com o princípio da razoabilidade. A razoabilidade é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferenciação levada a cabo por qualquer agente público é aceitável e se o fim por ela visado é legítimo[32]. Em suma: o princípio pode ser violado pela desequiparação de iguais ou pela equiparação de desiguais.

No caso específico, o regime jurídico que decorre do artigo 20, § 1º e da legislação até aqui em vigor confere um tratamento diferenciado aos estados e municípios em cujos territórios haja exploração de petróleo ou gás natural, ou àqueles que sejam confrontantes com as áreas de exploração marítima. Tais entes estatais fazem jus a uma participação no resultado da atividade ou a uma compensação financeira. São dois os fundamentos para que seja assim. O primeiro é intuitivo: o titular de um território, analogamente a qualquer proprietário, tem direitos decorrentes da utilização de bem situado em seu domínio. O segundo fundamento também pode ser apontado de forma singela: são os impactos de ordens diversas que a exploração produz sobre as comunidades envolvidas. A finalidade do tratamento diferenciado — isto é, do pagamento de compensação — é permitir que os estados e municípios afetados façam frente aos riscos, desafios e ônus com os quais passam a conviver. Portanto, o fundamento é razoável e o fim é legítimo.

Diante disso, a supressão arbitrária desse regime jurídico específico viola não apenas o artigo 20, § 1º, como já demonstrado, mas também o princípio da isonomia. E isso porque a nova legislação estaria impondo um tratamento igual a partes claramente desiguais, retirando dos estados e dos municípios afetados recursos que lhes permitam enfrentar os encargos superiores que passam a ter. Tal situação é drasticamente agravada pela maneira como a Constituição disciplinou a tributação estadual sobre petróleo. Como assinalado, o ICMS, nessa hipótese, diferentemente do que se passa com praticamente todas as suas incidências, não é pago na origem — isto é, no estado de produção —, mas no destino. Esse tratamento não-igualitário faz algum sentido em razão de a Constituição haver compensado parte substancial dessa perda pela atribuição da receita dos royalties aos estados produtores. Se o legislador ordinário puder subverter o equilíbrio estabelecido pelo constituinte, cria-se odiosa discriminação em relação a tais estados — que, embora sofrendo os impactos específicos da exploração e da produção do petróleo, não receberiam qualquer espécie de contrapartida por esse ônus e nem o ICMS correspondente —, em grave afronta, dentre outros, ao princípio da isonomia[33].

Alguém poderia afirmar que o critério socioeconômico de repartição dos royalties do petróleo, proposto pelas emendas Ibsen e Simon, realiza o fim constitucional de “reduzir as desigualdades sociais e regionais” (artigo 3º, III). Há diversos problemas com esse argumento. Em primeiro lugar, por importar na utilização de um critério de participação antagônico ao que foi determinado pela norma constitucional que trata especificamente do caso, contida no artigo 20, § 1º. Em segundo lugar, a utilização de critérios socioeconômicos não é adequada em todo e qualquer contexto. Em muitas situações, ele não será justo ou legítimo. Por exemplo: o provimento de cargos públicos mediante concurso atende um critério de mérito. O presidente da República, por sua vez, é escolhido por um critério eleitoral. Em nenhuma das hipóteses seria razoável valer-se do critério da necessidade do postulante. Uma analogia mais próxima reforça o ponto: o artigo 176, § 2º da Constituição assegura ao proprietário do solo onde se dá a lavra de recursos minerais participação no resultado. Tampouco aqui seria razoável que a lei dividisse tal participação entre todos os proprietários de terra do país ou, quiçá, entre todos os brasileiros. Repita-se um ponto já destacado: nada impede que a lei federal distribua entre todos os entes federativos parte dos recursos que cabem à União por conta da produção de petróleo, com base em critérios socioeconômicos. Só não pode fazê-lo mediante subtração do quinhão dos estados e municípios produtores, cuja situação específica é tratada pelo artigo 20, § 1º da Constituição.

Há mais, porém. Nos termos das referidas emendas parlamentares, os royalties e participações especiais deveriam ser divididos entre estados e Distrito Federal “de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE)” (PLC 16/2010, artigo 45, I). Os recursos que compõem o FPE correspondem a uma parcela da arrecadação federal e devem ser distribuídos, nos termos de lei complementar, de forma a “promover o equilíbrio socioeconômico entre estados” (CF/88, artigo 161, II). Esse dispositivo foi regulamentado pela Lei Complementar 62, de 28 de dezembro de 1989, que estabeleceu percentuais a serem observados provisoriamente até o exercício de 1991 e determinou sua atualização posterior, por leis ordinárias, com base nos censos realizados. Como essa legislação jamais foi editada, mantiveram-se aplicáveis até hoje os coeficientes previstos em 1989[34]. Passados mais de dez anos, esses percentuais já se tornaram defasados e não se sustentam mais diante da realidade de fato[35]. Com esse divórcio entre os percentuais legais e a situação real dos estados, a LC 62/89 tornou-se incapaz de promover “o equilíbrio socioeconômico entre estados”, podendo até contribuir para o aumento de desigualdades. Exatamente por isso, o STF declarou inconstitucional, no ponto, a mencionada lei complementar[36]. Dessa forma, adotar o mesmo modelo inadequado para distribuir os royalties do petróleo — como pretendem as emendas —, longe de reduzir, pode ampliar as desigualdades sociais entre as regiões do país.

Em resumo: ao disciplinar a distribuição de royalties e a tributação do petróleo, o constituinte concebeu um sistema equilibrado, apto a preservar os interesses de estados produtores e não-produtores. Com base nele, atribuiu compensações financeiras aos estados diretamente afetados pela exploração petrolífera. Não pode o legislador ordinário substituir a fórmula constitucional por um outro critério, de caráter socioeconômico. Isso viola não apenas a letra expressa do artigo 20, § 1º, como também o princípio da isonomia, ao tratar igualmente a desiguais e ao romper o equilíbrio traçado constitucionalmente. Por fim, ao utilizar os coeficientes de rateio do FPE, as emendas Ibsen e Simon violam uma vez mais a Constituição, pelo uso de critério defasado e impróprio, igualmente violador da igualdade entre os estados.


Violação ao princípio da segurança jurídica

A segurança jurídica é um dos fundamentos do Estado e do Direito, ao lado da Justiça e do bem-estar social. Ela constitui um elemento importante para a paz de espírito e para a paz social, propiciando a previsibilidade das condutas, a estabilidade das relações jurídicas e a garantia do cumprimento das normas. Do princípio da segurança jurídica decorrem direitos fundamentais para os indivíduos, deveres de atuação e de abstenção para o poder público e inúmeras regras específicas, materializadas na própria Constituição (direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada) ou na legislação infraconstitucional (decadência, prescrição). Tais regras se aplicam às relações entre particulares, entre particulares e a administração ou às relações que as próprias entidades estatais estabelecem entre si. A ideia de segurança jurídica envolve três dimensões, três planos: o institucional, o objetivo e o subjetivo.

Do ponto de vista institucional, segurança jurídica se refere à existência de instituições estatais dotadas de poder e de garantias, aptas a fazer funcionar o Estado de direito, impondo a supremacia da Constituição e das leis, e sujeitando-se a elas. Do ponto de vista objetivo, ela se refere (i) à anterioridade das normas jurídicas em relação às situações às quais se dirigem, (ii) à estabilidade do Direito, que deve ter como traço geral a permanência e continuidade das normas e (iii) à não-retroatividade das leis, que não deverão produzir efeitos retrospectivos para colher direitos subjetivos já constituídos. Por fim, do ponto de vista subjetivo, a segurança jurídica refere-se à proteção da confiança, que impõe à administração o dever de agir com coerência, lealdade e boa-fé objetiva. Uma das facetas mais importantes da proteção da confiança é a tutela das expectativas legítimas. Ainda quando não se possa caracterizar cabalmente a existência de um direito adquirido, deve-se assegurar a preservação de situações vigentes há muito tempo ou, no mínimo, uma transição razoável.

Cumpre agora enquadrar a proposta de mudança legislativa que vem sendo analisada no presente parecer nas premissas doutrinárias estabelecidas acima. A proposta, é bem de ver, pretende alterar o pagamento dos royalties em caráter geral, afetando tanto as receitas decorrentes dos novos contratos quanto aquelas resultantes de negócios jurídicos celebrados no passado, em plena fase de execução. No que diz respeito ao pré-sal e às áreas ainda não licitadas, ainda que o argumento da segurança jurídica, do ponto de vista temporal, não seja aplicável, já que se cuida de relações jurídicas futuras, têm pertinência os fundamentos deduzidos nos capítulos anteriores. Isto é: a proposta de alteração legislativa pretendida não é compatível com a interpretação adequada do artigo 20, § 1º ou com o princípio da isonomia e, portanto, não se pode deixar de reconhecer que o direito aos royalties não pode ser subtraído dos estados produtores e confrontantes. No tocante à segurança jurídica, nos seus desdobramentos de lealdade e boa-fé, também seria questionável a mudança das regras após a descoberta das reservas. Mas não é esse o ponto que se pretende enfatizar na presente análise.

O que se afigura totalmente fora de propósito, à luz do princípio da segurança jurídica, é que a nova disciplina venha a colher os direitos que o estado do Rio de Janeiro já desfruta em relação aos contratos de concessão em curso. A supressão do direito a royalties e participações especiais acarretaria grave frustração de expectativa legítima em relação a receitas que aufere há muitos anos. Sua interrupção súbita, sem que se tenha sequer cogitado de uma transição razoável, traz consequências dramáticas. Do ponto de vista econômico, o resultado seria a impossibilidade de cumprir obrigações assumidas, tanto de custeio como de investimentos. A insolvência seria inevitável. Do ponto de vista jurídico, as consequências serão tão ou mais graves, envolvendo a impossibilidade de cumprimento das normas constitucionais orçamentárias (artigo 165, §§ 1º, 2º, 4º e 5º), de normas de direito financeiro (Lei 4.320/64)[37], da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000)[38] e da Lei 9.496/97, que dispõe sobre o Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados[39].

Nos últimos tempos, com o amadurecimento institucional do país, o equilíbrio orçamentário, a seriedade na previsão das receitas e a transparência na execução das despesas passaram a constituir componente importante da segurança jurídica, que é a segurança fiscal. Nesse contexto, se o princípio da segurança jurídica não for apto a estancar as desastrosas, imprevisíveis e inevitáveis consequências narradas acima, difícil imaginar a que fim serviria. Existe, por fim, ainda no plano da segurança jurídica, um último argumento, relacionado ao ato jurídico perfeito. Trata-se de um contrato específico entre o estado do Rio de Janeiro e a União, que impede a mudança das regras do jogo em relação aos pagamentos de royalties. Todavia, por sua implicação para o pacto federativo, o ponto será desenvolvido no tópico seguinte.

Violação ao princípio federativo

A proposta contida nas emendas Ibsen e Simon repercute também, e de forma intensa, sobre o princípio federativo. Tal princípio pressupõe a atuação coordenada dos entes políticos, que, afinal, constituem partes integrantes da República Federativa do Brasil e não estranhos entre si, muito menos inimigos. Por conta dessa circunstância, eventuais atos de deslealdade de um ente para com outro não caracterizam apenas uma violação à segurança jurídica, mas sim um verdadeiro conflito federativo[40]. No caso em tela, a conduta desleal da União seria caracterizada por pelo menos dois fundamentos inequívocos.

Em primeiro lugar, já foi demonstrado que os royalties representam uma forma de compensação devida aos estados produtores. Tanto pelos ônus e riscos especiais associados à exploração do petróleo no território desses entes ou no mar a eles adjacente, como pela severa perda na arrecadação do ICMS, decorrente da regra especial contida no artigo 155, § 2º, X, b, da Constituição. Em razão dessas duas circunstâncias, suprimir a compensação que sempre lhes foi reconhecida provocaria prejuízo direto aos estados produtores, instituindo uma discriminação inaceitável no âmbito da Federação. Na prática, os depósitos de petróleo se converteriam em uma lástima para os respectivos Estados, produzindo aumento da despesa com infraestrutura e serviços, bem como privando esses entes de uma das principais hipóteses de arrecadação do ICMS, de longe o mais importante dos impostos estaduais. Admitir que a União possa produzir tais resultados, por deliberada escolha política, equivale a chancelar uma verdadeira agressão do ente central, esvaziando o pacto federativo.

Em segundo lugar, a medida comprometeria gravemente a autonomia financeira dos estados produtores[41], que ficaria subordinada a uma decisão política da União. Como é natural, tais estados organizam suas finanças levando em conta a receita dos royalties. Para tanto, basearam-se no entendimento que sempre prevaleceu no Direito brasileiro, confirmado pela interpretação, até aqui pacífica, dada ao artigo 20, §1º, da Constituição de 1988. Não se pode admitir que o sentido desse dispositivo — essencial à autonomia material dos estados produtores — fique ao inteiro arbítrio da União, que poderia se valer de sua competência legislativa para manipular receitas originárias dos estados segundo critérios de conveniência política. Isso seria incompatível com a premissa mais básica do Estado federal, pela qual os contornos da autonomia de cada ente devem ser definidos diretamente pela Constituição Federal, e não pela unidade política mais abrangente[42].


De fora parte os dois pontos apresentados acima, há uma circunstância peculiar envolvendo o estado do Rio de Janeiro que agrava, na hipótese, tanto a violação à segurança jurídica, quanto a ofensa ao princípio federativo. Com efeito, na esteira do Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados, regulamentado pela Lei 9.496/97, a União e o estado pactuaram o refinanciamento da dívida deste junto àquela, cabendo ao estado a obrigação de pagar à União mais de R$ 2 bilhões. Ocorre que, nos termos do ajuste, a amortização dessa dívida deve ser realizada com a cessão dos créditos referentes a royalties e participações especiais devidos ao estado do Rio de Janeiro pela exploração de petróleo[43]. Em caso de inadimplência, o estado cederia, pro solvendo, recursos que receberia a título de impostos e de transferências obrigatórias constitucionais[44], além de se submeter a outras penalidades contratuais[45].

Veja-se, então: o estado ajustou com a União uma obrigação de pagamento atrelada ao recebimento de royalties. Se os royalties não forem pagos ao estado, ele se tornará inadimplente junto à União. A União, por sua vez, diante da inadimplência, poderá interromper as transferências constitucionais de rendas para o estado do Rio de Janeiro (artigos. 157 e 159, I e II), bem como se apropriar da arrecadação de tributos estaduais (artigo 155), tudo nos termos da Cláusula Décima-Terceira do contrato de refinanciamento da dívida, transcrita em nota de pé de página acima. Diante desse contexto, como se poderia admitir que uma lei da própria União suprimisse a receita que, nos termos do contrato firmado por ela com o estado, está vinculada ao pagamento da dívida assumida?

Reitere-se, para que não haja margem a dúvida: em relação ao estado do Rio de Janeiro, existe um contrato — ato jurídico perfeito — vinculando os royalties ao pagamento da dívida com a União. É fora de dúvida que não pode a União, valendo-se de sua competência legislativa, tornar impossível o cumprimento da obrigação, pela supressão da receita estadual que lhe faria face. Tratar-se-ia de tríplice violação: da ordem jurídica civil, e da legislação administrativa, pelo exercício de potestatividade pura[46]; da segurança jurídica, por afetar um ato jurídico perfeito; e do princípio federativo, pelo indevido exercício do poder legislativo federal.

Por todo o exposto, resta claro que a proposta legislativa analisada incorre em diversas causas de nulidade. Ao ignorar a natureza compensatória dos royalties do petróleo, as chamadas emendas Ibsen e Simon desrespeitam o sentido mínimo do artigo 20, §1º da Constituição, criam uma discriminação ilegítima em prejuízo dos estados produtores e violam a segurança jurídica, afetando fontes de receita que já haviam sido comprometidas pelos entes locais. Por se tratar de iniciativa legislativa da União, haveria, ainda, violação ao princípio federativo.

Conclusões

É possível compendiar as conclusões apuradas ao longo do presente estudo nas proposições objetivas abaixo:

Sentido e alcance do artigo 20, § 1º da Constituição Federal

a) A interpretação adequada do artigo 20, § 1º, da Constituição Federal é no sentido de que as participações ou compensações financeiras nele previstas, em razão da exploração de petróleo e gás natural, devem ser pagas: a) aos estados e municípios em cujo território se dá a exploração; e b) aos estados e municípios confrontantes, no caso de exploração marítima. Trata-se de um direito subjetivo constitucional assegurado a esses entes, e não um favor concedido a critério da União.

b) Tal conclusão decorre dos quatro principais elementos de interpretação jurídica: (i) interpretação literal — o dispositivo associa o pagamento de royalties ao local da exploração e utiliza o termo compensação financeira, que somente pode se referir a quem suporta o ônus da atividade, e não a todos os estados indistintamente; (ii) interpretação histórica — o constituinte de 1988, ao constitucionalizar a questão dos royalties, teve a clara intenção de manter a sistemática instituída por sucessivas leis, desde 1953, que os destinava aos estados em cujo território se dava a exploração ou, no caso de exploração marítima, aos estados confrontantes; (iii) interpretação sistemática — o artigo 20, §1º deve ser interpretado em conjunto com o artigo 155, § 2º, X, b, também da Constituição, segundo qual o ICMS incidente sobre a aquisição de petróleo é devido ao estado de destino e não ao de origem, como se passa com quase todos os bens. Os royalties compensam a perda da receita tributária dos estados produtores; e (iv) interpretação teleológica — os royalties destinam-se a compensar estados e municípios produtores pelos impactos e riscos, ambientais e socioeconômicos, decorrentes da atividade econômica de interesse da União. Aí se inclui, notadamente, o aumento pela demanda de serviços públicos, como abastecimento de água, saneamento básico, educação, saúde, transporte e segurança pública, dentre muitos outros.

c) Uma lei ordinária, ao regulamentar dispositivo constitucional, não pode subverter seu sentido e alcance, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.

Violação do princípio da isonomia ou igualdade

a) É incompatível com o princípio da igualdade dar tratamento idêntico aos estados e municípios que sofrem os impactos da exploração petrolífera e aos que não sofrem, pela subtração arbitrária de recursos dos entes mais onerados.

b) A mudança pretendida viola a igualdade e o equilíbrio federativo estabelecido pela Constituição ainda por outra razão. Na sistemática constitucional, o pagamento de royalties e participações especiais aos estados produtores funciona como uma compensação pela não-aplicação, ao petróleo, da regra geral de que o recolhimento do ICMS se dá no estado de origem, e não no de destino da mercadoria. Se os estados produtores, que têm de suportar os ônus do impacto da exploração petrolífera, ficarem sem o ICMS e sem os royalties, estarão sofrendo discriminação incompatível com a Constituição. O legislador ordinário não pode desfigurar o desenho institucional traçado pelo constituinte.

c) A distribuição de royalties e participações especiais com base em critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) vale-se de parâmetro que foi declarado inconstitucional pelo STF, por encontrar-se defasado e violar a igualdade entre os estados. Significa dizer: tal disciplina do tema, além de utilizar critério diverso do que foi determinado pela Constituição, serve-se de parâmetro redistributivo inválido.

Violação do princípio da segurança jurídica

Se a legislação nova dispuser não apenas sobre os royalties relacionados aos contratos futuros, mas também acerca das receitas devidas em decorrência dos contratos que já estão em vigor, o princípio da segurança jurídica estará sendo violado por duas razões:

a) O estado do Rio de Janeiro restará impedido de cumprir obrigações assumidas e de realizar políticas públicas com as quais se comprometeu, fundado em expectativa legítima de receita.

b) Além dos riscos de inadimplência e de insolvência, o estado não terá condições de cumprir normas orçamentárias, financeiras e de responsabilidade fiscal, em razão da frustração arbitrária dos ingressos patrimoniais resultantes dos royalties, sujeitando-se a consequências jurídicas graves do ponto de vista constitucional e legal.


Violação do princípio federativo

a) Viola a lealdade que se devem mutuamente os entes federativos a supressão de receita que compromete a autonomia financeira de estados da Federação, pela mudança arbitrária das regras do jogo. A competência legislativa que o artigo 21, § 1º dá à União para regular as participações e compensações financeiras decorrentes da exploração do petróleo não a autoriza a deturpar o sentido e o alcance da norma constitucional regulamentada, substituindo o critério nela previsto — o do impacto sobre os Estados produtores – por um critério redistributivista.

b) A União e o estado do Rio de Janeiro celebraram contrato para o refinanciamento da dívida estadual, no qual se prevê que a amortização seja feita com os recursos dos royalties do petróleo, em vinculação expressa. Nesse contexto, não pode a União se valer de sua atividade legislativa para inviabilizar o cumprimento das obrigações contratuais da outra parte, sujeitando-a, ademais, a graves consequências contratuais e legais. Haveria, na hipótese, abuso de poder, potestatividade pura (possibilidade de mudança unilateral do ajuste) e violação do ato jurídico perfeito, condutas não admitidas pela ordem jurídica.

É como me parece.


[1] A Emenda Ibsen introduziu, originariamente, na Câmara dos Deputados, a parte substantiva da modificação aqui analisada. A Emenda Simon manteve a referida modificação, prevendo, ademais, que a União deveria compensar os estados e municípios produtores pela redução das suas receitas decorrente da mudança do regime, até que o aumento da produção viesse a recompor as receitas perdidas. Nesses termos, portanto, a suposta compensação seria apenas temporária, congelando a receita dos royalties devida aos estados e municípios produtores em um determinado patamar e impedindo que se beneficiem dos eventuais (e previsíveis) aumentos na produção. Ainda que não fosse assim, a verdade é que previsões análogas, como a da chamada Lei Kandir, jamais produziram compensação adequada aos estados.

[2] Como se verá mais adiante, a Emenda Simon criou uma exceção a isso, em benefício exclusivamente dos municípios afetados por operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, atualmente contemplados pelo artigo 49, II, d, da Lei 9.478/1997. Essa circunstância pontual, no entanto, não gera qualquer repercussão sobre o presente estudo, cujo foco é o tratamento conferido aos estados-membros. Quanto a estes, tanto a Emenda Ibsen quanto a Emenda Simon pretendem suprimir a distinção entre os entes afetados e não afetados pelas atividades de produção e distribuição do petróleo.

[3] Segundo a Petrobras, “o termo pré-sal refere-se a um conjunto de rochas localizadas nas porções marinhas de grande parte do litoral brasileiro, com potencial para a geração e acúmulo de petróleo. Convencionou-se chamar de pré-sal porque forma um intervalo de rochas que se estende por baixo de uma extensa camada de sal, que em certas áreas da costa atinge espessuras de até 2 mil metros. O termo pré é utilizado porque, ao longo do tempo, essas rochas foram sendo depositadas antes da camada de sal. A profundidade total dessas rochas, que é a distância entre a superfície do mar e os reservatórios de petróleo abaixo da camada de sal, pode chegar a mais de 7 mil metros” (Petrobras / pré-sal. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www2.petrobras.com.br/presal/perguntas-respostas/>. Acesso em: 24.maio.2010).

[4] ANP, Consolidação das Participações Governamentais e de Terceiros no ano de 2009. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?dw=22795>. Acesso em: 31.maio.2010.

[5] V. Adriana Chiarini, Rio ‘quebra’ se emenda Ibsen não for vetada, diz Cabral. Estadao.com.br 13 mar.2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,rio-quebra-se-emenda-ibsen-nao-for-vetada-diz-cabral,523758,0.htm>. Acesso em: 31.maio.2010.

[6] Essa preocupação foi exposta pelo Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi. V. Diana Brito, Passeata por royalties do petróleo reúne 100 mil no Rio, diz PM; Xuxa discursa, Folha Online 17.mar.2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u708270.shtml>. Acesso em: 25 maio.2010.

[7] Diana Brito, Passeata por royalties do petróleo reúne 100 mil no Rio, diz PM; Xuxa discursa, Folha Online 17mar.2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u708270.shtml>. Acesso em: 25 mai. 2010.

[8] Lei nº 2.004/53, artigo 27: “A Sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar aos estados e territórios onde fizerem a lavra de petróleo e xisto betuminoso e a extração de gás, indenização correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo extraído ou do xisto ou do gás”.

[9] Nos termos do artigo 27, § 3º, da Lei 2.004/53, o pagamento era feito diretamente aos estados e territórios, que deveriam repassar 20% do valor aos municípios produtores, proporcionalmente à produção de cada um. Posteriormente, a Lei 3.257/57 alterou o dispositivo para determinar que o pagamento fosse feito diretamente aos municípios, sem intermediação.

[10] Lei 7.453/85, artigo 1º: “O artigo 27 e seus parágrafos da Lei 2.004, de 3 de outubro de 1953, alterada pela Lei 3.257, de 2 de setembro de 1957, passam a vigorar com a seguinte redação: (…) § 4º. É também devida a indenização aos estados, territórios e municípios confrontantes, quando o óleo, o xisto betuminoso e o gás forem extraídos da plataforma continental, nos mesmos 5% fixados no caput deste artigo, sendo 1,5% aos estados e territórios; 1,5% aos municípios e suas respectivas áreas geo-econômicas, 1% ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das atividades econômicas das referidas áreas, e 1% para constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os estados, territórios e municípios”.

[11] Na sequência do estudo, o termo produtores será empregado em sentido lato, para designar tanto os entes em cujo território se desenvolve a produção, quanto aqueles confrontantes às áreas de exploração marítima. Além de simplificar a exposição, essa opção segue a nomenclatura adotada, e.g., pela Lei 9.478/97, que fala em “Estados onde ocorrer a produção” — no caso da exploração em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres (artigo 49, I) — e em “Estados produtores confrontantes” — quando a exploração se dá na plataforma continental (artigo 49, II).

[12] Lei nº 7.525/86, art. 4º: “Os Municípios que integram tal área geoeconômica serão divididos em três zonas, distinguindo-se uma zona de produção principal, uma zona de produção secundária e uma zona limítrofe à zona de produção principal. § 1º. Considera-se como zona de produção principal de uma dada área de produção petrolífera marítima, o município confrontante e os municípios onde estiverem localizadas três ou mais instalações dos seguintes tipos: I – instalações industriais para processamento, tratamento, armazenamento e escoamento de petróleo e gás natural, excluindo os dutos; II – instalações relacionadas às atividades de apoio à exploração, produção e ao escoamento do petróleo e gás natural, tais como: portos, aeroportos, oficinas de manutenção e fabricação, almoxarifados, armazéns e escritórios. § 2º. Consideram-se como zona de produção secundária os municípios atravessados por oleodutos ou gasodutos, incluindo as respectivas estações de compressão e bombeio, ligados diretamente ao escoamento da produção, até o final do trecho que serve exclusivamente ao escoamento da produção de uma dada área de produção petrolífera marítima, ficando excluída, para fins de definição da área geoeconômica, os ramais de distribuição secundários, feitos com outras finalidades. § 3º. Consideram-se como zona limítrofe à de produção principal os municípios contíguos aos municípios que a integram, bem como os municípios que sofram as conseqüências sociais ou econômicas da produção ou exploração do petróleo ou do gás natural”.


[13] Confira-se o teor do dispositivo constitucional: “§ 1º. É assegurada, nos termos da lei, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

[14] O artigo 7º da Lei 7.990/89 alterou, além do § 6º, o caput e o § 4º do artigo 27 da Lei 2.004/53. Com a modificação, o texto ficou da seguinte forma: “Artigo 27. A sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar a compensação financeira aos estados, Distrito Federal e municípios, correspondente a 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás extraído de seus respectivos territórios, onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, operados pela Petróleo Brasileiro S.A. — PETROBRÁS, obedecidos os seguintes critérios: I – 70% aos estados produtores; II — 20% aos municípios produtores; III — 10% aos municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural. (…) § 4º. É também devida a compensação financeira aos estados, Distrito Federal e municípios confrontantes, quando o óleo, o xisto betuminoso e o gás forem extraídos da plataforma continental nos mesmos 5% fixados no caput deste artigo, sendo 1,5% aos estados e Distrito Federal e 0,5% aos municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque; 1,5% aos municípios produtores e suas respectivas áreas geoeconômicas; 1% ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das atividades econômicas das referidas áreas de 0,5% para constituir um fundo especial a ser distribuído entre os estados, territórios e municípios”.

[15] Lei 9.478/97, artigo 49: “A parcela do valor do royalty que exceder a cinco por cento da produção terá a seguinte distribuição: I — quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres: a) cinquenta e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados onde ocorrer a produção; b) quinze por cento aos municípios onde ocorrer a produção; c) sete inteiros e cinco décimos por cento aos municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP; d) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis; II – quando a lavra ocorrer na plataforma continental: a) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos estados produtores confrontantes; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos municípios produtores confrontantes; c) quinze por cento ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção; d) sete inteiros e cinco décimos por cento aos municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critério estabelecidos pela ANP; e) sete inteiros e cinco décimos por cento para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os estados, territórios e municípios; f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis”.

[16] Sobre os elementos clássicos de interpretação e sua aplicação ao texto constitucional, v. Luís Roberto Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo, 2009, p. 290 e ss..

[17] Compensar significa, de acordo o Novo Aurélio Século XXI, 1999, p. 513, “reparar o dano, o incômodo”, “reparar (um mal) com um bem correspondente, indenizar, ressarcir, recompensar”. De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001, p. 775, “contrabalançar um mal, um prejuízo, um incômodo”.

[18] PL 5.938-A/2009 (PLC 16/2010), artigo 44: “Os royalties serão distribuídos da seguinte forma: (…) II – quando a lavra ocorrer na plataforma continental: a) 19% para a União para serem destinados ao Comando da Marinha, para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção; e ao Ministério da Ciência e Tecnologia, para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e à indústria petroquímica de primeira e segunda gerações; b) 3% para constituição de Fundo Especial, a ser criado por lei, para o desenvolvimento de ações e programas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, bem como para proteção ao ambiente marinho”. Essas disposições são muito semelhantes às previstas pelo artigo 49 da Lei 9.478/97: “A parcela do valor do royalty que exceder a cinco por cento da produção terá a seguinte distribuição: (…) II – quando a lavra ocorrer na plataforma continental: (…) c) 15% ao Ministério da Marinha para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção; (…) f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e à indústria petroquímica de primeira e segunda geração, bem como para programas de mesma natureza que tenham por finalidade a prevenção e a recuperação de danos causados ao meio ambiente por essas indústrias. (Redação dada pela Lei 11.921, de 2009)”.

[19] Vale o registro de que, nos termos da jurisprudência do STF, a hipótese é de receitas patrimoniais, e não receitas de natureza tributária. Nesse sentido, v. STF, DJ 16.nov.2001, RE 228800/DF, Rel. ministro. Sepúlveda Pertence: “O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no artigo 20, § 1º, CF, que configuram receita patrimonial. (…) A disciplina da matéria, de modo significativo, não se encontra no capítulo do sistema tributário, mas em parágrafo do artigo 20 da Constituição, que trata dos bens da União, a evidenciar a natureza patrimonial da receita a auferir” (trechos da ementa e do voto do relator).

[20] É o que se passa, por exemplo, com a lei complementar que define as atividades tributáveis pelo ISS e que não pode tratar como serviço algo que não o seja. V. STF, DJU 5 mar.2010, RE 547245/SC, rel. ministro. Eros Grau: “A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição”.


[21] V., nesse sentido, Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2009, p. 135. Se o constituinte desejasse tratar determinado tema de forma diversa da que se cristalizou, deveria fazê-lo expressamente. A omissão, no particular, deve ser interpretada como concordância com a prática anterior.

[22] Eros Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito, 2002, p. 34: “Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado algum”.

[23] CF/88, artigo 155, § 2º: “O imposto previsto no inciso II [ICMS] atenderá ao seguinte: (…) X – não incidirá: (…) b) sobre operações que destinem a outros estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica”.

[24] LC 87/96, artigo 11: “O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I — tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador; b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária; c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado; d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado do exterior, o do domicílio do adquirente, quando não estabelecido; f) aquele onde seja realizada a licitação, no caso de arrematação de mercadoria ou bem importados do exterior e apreendidos ou abandonados; (Redação dada pela LC 114, de 16.12.2002) g) o do Estado onde estiver localizado o adquirente, inclusive consumidor final, nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo, lubrificantes e combustíveis dele derivados, quando não destinados à industrialização ou à comercialização; h) o do Estado de onde o ouro tenha sido extraído, quando não considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial; i) o de desembarque do produto, na hipótese de captura de peixes, crustáceos e moluscos”.

[25] V. STF, DJ 5.set.2000, RE 198088/SP, Rel. ministro. Ilmar Galvão.

[26] STF, DJ 19.dez.2003, MS 24312/DF, Rel. ministra Ellen Gracie (trecho do voto do ministro Nelson Jobim).

[27] V. Ramona Ordoñez, Renato Grandelle e Rennan Setti, Vazamento no Golfo expõe riscos do petróleo no Rio. Analistas estimam que acidente similar afetaria praias fluminenses em 2 dias, O Globo 16.maio.2010, p. 31.

[28] STF, DJ 16.nov.2001, RE 228800/DF, Rel. ministro Sepúlveda Pertence (trecho do voto do relator). Nesse mesmo precedente, vale transcrever trecho do parecer do Ministério Público Federal, assinado por João Batista de Almeida, subprocurador-geral da República: “Da mesma forma, a compensação financeira instituída pela atual Constituição Federal, na verdade, como alternativa à participação nos resultados, se faz em virtude de uma atividade especialmente danosa à União, estados, Distrito Federal e municípios, no que estes fazem jus a uma recomposição, expressa em valor monetário, dos prejuízos porventura suportados. Essa é, portanto, a natureza da compensação, como querido pelo constituinte. Neste ponto, não há como tergiversar” (negritos no original).

[29] STF, DJ 9.jun.2006, AI 453025 AgR/DF, Rel. ministro. Gilmar Mendes (trecho do voto do relator).

[30] José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 2005, p. 258-9.

[31] Ricardo Lobo Torres, Curso de direito financeiro e tributário, 2005, p. 191. No mesmo sentido, v. também Romeu Thomé, A função socioambiental da CFEM (compensação financeira por exploração de recursos minerais), Revista de Direito Ambiental 55:183, 2009: “Com respaldo nos princípios do desenvolvimento sustentável, da prevenção e da repração, resta claro que o objetivo do repasse de percentuais consideráveis da CFEM aos estados e municípios não é simplesmente participá-los economicamente (visão estritamente econômica, superada no atual estado sócio-ambiental de Direito), mas, sobretudo, compensá-los pelos impactos ambientais e sociais advindos da exploração mineral em seus territórios”.

[32] Sobre o tema, vejam-se, dentre muitos outros: San Tiago Dantas, Igualdade perante a lei e due process of law. In: Problemas de direito público, 1953; M. Seabra Fagundes, O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder Legislativo, Revista dos Tribunais 285:3, 1955; Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 1993; Luís Roberto Barroso, A igualdade perante a lei. In: Temas atuais do direito brasileiro, 1987; e Interpretação e aplicação da Constituição, 1999, p. 230 e ss..

[33] O estado do Rio de Janeiro fornece o exemplo mais expressivo para se perceber a exata dimensão do mecanismo compensatório desenvolvido pelo constituinte. Segundo dados de sua Secretaria de Fazenda, o estado deixa de arrecadar cerca de R$ 8 bilhões anualmente por conta da imunidade de ICMS prevista no artigo 155, §2º, X, b, valor consideravelmente superior à receita advinda dos royalties. V. estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado da Fazenda, Subsecretaria de Estudos Econômicos, O novo marco regulatório do petróleo no Brasil – Uma análise das implicações fiscais do PL nº 5.938/09 e seu Substitutivo, p. 26.

[34] LC 62/89, artigo 2°: “Os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) serão distribuídos da seguinte forma: I — 85% às Unidades da Federação integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; II — 15% às Unidades da Federação integrantes das regiões Sul e Sudeste. § 1° Os coeficientes individuais de participação dos estados e do Distrito Federal no Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) a serem aplicados até o exercício de 1991, inclusive, são os constantes do Anexo Único, que é parte integrante desta Lei Complementar. § 2° Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, a vigorarem a partir de 1992, serão fixados em lei específica, com base na apuração do censo de 1990. § 3° Até que sejam definidos os critérios a que se refere o parágrafo anterior, continuarão em vigor os coeficientes estabelecidos nesta Lei Complementar”.

[35] Além de provisórios, os critérios da LC 62/89 eram eminentemente políticos, tendo sido decididos mediante acordo, no âmbito do Confaz, entre os entes federativos, levando em conta a média histórica dos coeficientes aplicados antes da Constituição de 1988. Nesse sentido, v. STF, DJ 30.abr.2010, ADI 875/DF, Rel. ministro. Gilmar Mendes.


[36] V. STF, DJ 30.abr.2010, ADI 875/DF, Rel. ministro. Gilmar Mendes: “Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 875/DF, ADI 1.987/DF, ADI 2.727/DF e ADI 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão. Fundo de Participação dos Estados (FPE) (artigo 161, inciso II, da Constituição). Lei Complementar 62/1989. Omissão inconstitucional de caráter parcial. Descumprimento do mandamento constitucional constante do artigo 161, II, da Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do artigo 2º, incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar 62/1989, assegurada a sua aplicação até 31 de dezembro de 2012”. Confira-se trecho especialmente elucidativo do voto do ministro Gilmar Mendes, relator: “Viola o bom sendo imaginar que lei editada em 1989 — apenas com base em médias histórias apuradas à época — ainda possa retratar a realidade socioeconômica dos entes estaduais. A manutenção de coeficientes de distribuição que não mais encontram amparo na realidade socioeconômica dos entes federativos produz severas distorções no modelo inicialmente delineado pela Constituição de 1988, com repercussões gravosas à economia dos estados, consoante atestam os economistas Sérgio Prado, Waldemir Quadros e Carlos Eduardo Cavalcanti: ‘O aspecto que mais se destaca, contudo, já apontado, é o enorme aumento das desigualdades horizontais, isto é, entre estados da mesma região, como resultado da distribuição do FPE. (…) Os atuais critérios de rateio, além de serem fixos, isto é, além de não incorporarem nenhum componente dinâmico, foram estabelecidos a partir de ajustes feitos no percentual que, pelos critérios anteriores, caberia a cada estado. (…) Aqui, o problema da má distribuição do FPE não se restringe ao fato de alguns estados pobres receberem, em termos per capita, muito mais do que os estados ricos; estados igualmente pobres também recebem transferências desiguais’ (…)”.

[37] V. Lei 4.320/64, artigos 22 e 30: “Artigo 22. A proposta orçamentária que o Poder Executivo encaminhará ao Poder Legislativo nos prazos estabelecidos nas Constituições e nas Leis Orgânicas dos municípios, compor-se-á: I — Mensagem, que conterá: exposição circunstanciada da situação econômico-financeira, documentada com demonstração da dívida fundada e flutuante, saldos de créditos especiais, restos a pagar e outros compromissos financeiros exigíveis; exposição e justificação da política econômica-financeira do governo; justificação da receita e despesa, particularmente no tocante ao orçamento de capital; II — Projeto de Lei de Orçamento; III — Tabelas explicativas, das quais, além das estimativas de receita e despesa, constarão, em colunas distintas e para fins de comparação: a) A receita arrecadada nos três últimos exercícios anteriores àquele em que se elaborou a proposta; b) A receita prevista para o exercício em que se elabora a proposta; c) A receita prevista para o exercício a que se refere a proposta; d) A despesa realizada no exercício imediatamente anterior; e) A despesa fixada para o exercício em que se elabora a proposta; e f) A despesa prevista para o exercício a que se refere a proposta. IV — Especificação dos programas especiais de trabalho custeados por dotações globais, em termos de metas visadas, decompostas em estimativa do custo das obras a realizar e dos serviços a prestar, acompanhadas de justificação econômica, financeira, social e administrativa. Parágrafo único. Constará da proposta orçamentária, para cada unidade administrativa, descrição sucinta de suas principais finalidades, com indicação da respectiva legislação. (…) Artigo 30. A estimativa da receita terá por base as demonstrações a que se refere o artigo anterior à arrecadação dos três últimos exercícios, pelo menos bem como as circunstâncias de ordem conjuntural e outras, que possam afetar a produtividade de cada fonte de receita”.

[38] Lei de Responsabilidade Fiscal, artigos. 1º, 4º, 5º, 11, 12, e 14 a 16: “Artigo 1º. Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. § 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. § 2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. (…) Artigo 4º. A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2º do artigo 165 da Constituição e: I — disporá também sobre: a) equilíbrio entre receitas e despesas; (…) § 1º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes. § 2º O Anexo conterá, ainda: (…) II — demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional; (…) V — demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado. § 3º A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem. (…) Artigo 5º. O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar: I — conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do documento de que trata o § 1º do artigo 4º; II — será acompanhado do documento a que se refere o § 6º do artigo 165 da Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado. (…) Artigo 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. (…) Artigo 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas. (…) Artigo 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (…) Artigo 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos artigos 16 e 17. Artigo 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: I — estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; (…) § 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se: I — adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício; II — compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições. § 2º A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas”.


[39] Lei 9.496/97, artigo 2º: “O Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, além dos objetivos específicos para cada unidade da Federação, conterá, obrigatoriamente, metas ou compromissos quanto a: I — dívida financeira em relação à receita líquida real — RLR; II — resultado primário, entendido como a diferença entre as receitas e despesas não financeiras; III — despesas com funcionalismo público; IV — arrecadação de receitas próprias; V — privatização, permissão ou concessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial”.

[40] Sobre o chamado dever de lealdade federativa, confira-se a seguinte manifestação do Tribunal Constitucional alemão, plenamente compatível com a realidade institucional brasileira: “No Estado federal alemão, toda a relação constitucional entre o Estado como um todo e seus membros, bem como a relação constitucional entre seus membros [entre si], é regida pelo princípio constitucional não escrito do dever recíproco da União e dos estados-membros, de comportamento leal ao princípio federativo (…). O Tribunal Constitucional Federal desenvolveu, a partir disso, uma série de deveres jurídicos concretos. (…) Esse limite jurídico baseado na idéia de fidelidade federativa torna-se ainda mais forte quando do exercício de competências legislativas: ‘Se os efeitos de uma regulamentação jurídica não estão limitados à área de um estado-membro, o legislador estadual deve, então, levar em consideração os interesses da União e dos demais estados-membros’ (BVerfGE 4, 115 [140]). (…) A jurisprudência até aqui revela que a partir desse preceito se desenvolveram tanto deveres concretos dos estados-membros em face da União e da União em face dos estados-membros, que vão além dos deveres expressamente normatizados na Constituição Federal, quanto [também] limites concretos no exercício de competências atribuídas à União e aos estados-membros pela Grundgesetz” (1. Rundfunkentscheidung — 1ª Decisão da Radiodifusão — BVerGE 12, 205. In: Jürgen Schwabe, Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, 2005, p. 823-4.

[41] André Elali, O federalismo fiscal brasileiro: algumas notas para reflexão, Revista Tributária e de Finanças Públicas 69:17, 2006: “A autonomia das entidades que constituem a Federação vai resultar exatamente do grau de ‘independência’ ou de ‘dependência’ em relação ao governo central das entidades que a formam”. V. tb. STF, DJ 5.set.2008, RE 572762/SC, Rel. ministro Ricardo Lewandowski: “(…) para que a autonomia política concedida pelo constituinte aos entes federados seja real, efetiva, e não apenas virtual, cumpre que se preserve com rigor a sua autonomia financeira”.

[42] Luís Roberto Barroso, Direito constitucional brasileiro: o problema da federação, 1982, pp. 22 e 27: “(…) só se pode conceber o Estado federal dentro de um regime de Constituição escrita, que além de ser a lei de organização de poderes é, também, de limitação desses mesmos poderes, o que realiza por meio da repartição de competências federais e estaduais, as quais não podem ser transpostas, nem pelos estados-membros, nem pela União”.

[43] V. Cláusula Sétima: “A amortização referida no caput será realizada mediante cessão dos direitos de crédito a que faz jus o ESTADO, relativamente à participação governamental obrigatória na modalidades de royalties e participação especial, de que trata o artigo 8º da Lei 7.990, de 1989, com redação dada pela Medida Provisória 1.913-8, de 26 de outubro de 1999, na forma do que dispõe o Contrato de Cessão de Créditos celebrado nesta data entre as Partes, e que integra o presente Contrato”.

[44] V. Cláusula Décima-Terceira: “O ESTADO, devidamente autorizado pela Lei Estadual 2.674, de 1997, transfere à UNIÃO, mediante cessão, condicionada à ocorrência de inadimplemento das obrigações ora pactuadas, a título pro solvendo, os recursos provenientes das receitas de que tratam os artigos 155, 157 e 159, incisos I, alínea “a”, o II, da Constituição, até os montantes devidos e não pagos, inclusive encargos, e, neste ato, confere poderes, em caráter irrevogável e irretratável, à UNIÃO, por si ou por intermédio do AGENTE, para (…)”.

[45] V. Cláusulas Décima-Sexta, Décima-Sétima e Décima-Nona: “CLÁUSULA DÉCIMA-SEXTA – O descumprimento pelo ESTADO de qualquer das obrigações assumidas neste Contrato, ou nos contratos que lhe são integrantes, incluindo atraso de pagamento e a não observância das metas e compromissos constantes do Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, a que se refere a Cláusula Décima-Terceira, implicará, durante todo o período em que persistir o descumprimento, a substituição dos encargos financeiros mencionados na Cláusula Sexta por encargos equivalentes ao custo médio de captação da dívida mobiliária interna do governo federal, acrescido de juros moratórios de 1% a.a, e a elevação do limite de dispêndio fixado na Cláusula Quinta para 17% da RLR do ESTADO, sem prejuízo do disposto na Cláusula seguinte. CLÁUSULA DÉCIMA-SÉTIMA – Na falta de cumprimento de qualquer das obrigações do ESTADO assumidas neste Contrato, ou pela ocorrência de qualquer dos casos de antecipação legal de vencimento, poderá a UNIÃO considerar vencido este Contrato e exigir o total da dívida dele resultante, independentemente de notificação extrajudicial ou interpelação judicial. (…) CLÁUSULA DÉCIMA-NONA – Na hipótese de a UNIÃO necessitar recorrer a meios judiciais para satisfação da dívida decorrente deste Contrato, está será acrescida de multa de 2% sobre o valor da dívida objeto do processo judicial. PARÁGRAFO ÚNICO – Considerar-se-á ‘recurso a meios judiciais’ a citação válida do ESTADO”. V. tb. a Cláusula Vigésima-Sexta, incluída por Termo Aditivo datado de 31.out.2001.

[46] Como se sabe, a ordem jurídica veda que as condições contratuais possam ser alteradas livremente por uma das partes, ainda que isso decorra de previsão expressa (Código Civil, artigo 122). Em se tratando de contratos administrativos, a mesma lógica dá origem à exigência de que seja preservado o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste (Lei 8.666/93, artigo 65, § 6º), Na jurisprudência, registrando o princípio geral de que as condições contratuais não podem ficar ao arbítrio de uma das partes, v. STJ, DJ 15 abr. 2002, REsp. 291.631/SP, Rel. ministro. Castro Filho: “(…) o conteúdo puramente potestativo do contrato impôs a uma das partes condição, apenas e tão-somente, de mero espectador, em permanente expectativa, enquanto dava ao outro parceiro irrestritos poderes para decidir como bem lhe aprouvesse. Disposições como essa agridem o bom senso e, por isso, não encontram guarida em nosso direito positivo. Entre elas está a chamada cláusula potestativa. É a estipulação sem valor, porque submete a realização do ato ao inteiro arbítrio de uma das partes”.

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