Rateio das verbas

Nova redistribuição deve ser analisada com cautela

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13 de julho de 2010, 14h19

Em março do corrente ano, foi proposta a emenda número 387 objetivando a alteração no Projeto de Lei 5.938/2009 que traz em seu bojo novas modalidades de arrecadação dos chamados “royalties do petróleo”.

O conceito de royalty foi devidamente esboçado no Decreto 2.705/1998 como “compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo e gás natural”. Assim, os exploradores de recursos minerais ligados ao petróleo são responsáveis por indenizar os locais mutilados em decorrência do procedimento de extração.

O tema em voga ganhou grande repercussão com a descoberta de petróleo na camada pré-sal. A grande exposição dos recursos encontrados incitou nos demais entes federativos um sentimento de insatisfação com relação à atual distribuição dos royalties.

Hoje, a distribuição dos royalties concentra substancialmente os recursos recebidos nos estados e municípios produtores o que ocasiona uma imensa desproporção financeira em relação aos demais entes da federação, que, apesar não serem produtores, sofrem ações ambientais tão impactantes quanto aqueles. Rio de Janeiro e Espírito Santo são os estados mais beneficiados com o rateio proporcionado pela Lei 9.478/1997.

Assim, no intuito de suprir as deficiências inerentes à distribuição atual e promover uma uniformidade no rateio das verbas derivadas do pagamento dos royalties, os Deputados Ibsen Pinheiro e Humberto Souto, propuseram o fim do tratamento diferenciado para os estados produtores de forma que 30% dos royalties sejam destinados aos Estados outros 30% aos Municípios e 40% à União.

No caso de contratos envolvendo a camada pré-sal, o substitutivo apresentado pelos Deputados, aumenta os royalties a serem pagos pelas petrolíferas com base no total produzido para 15%, representando um aumento de 5% em relação aos 10 fixados na legislação atual.

Com objetivo de demonstrar a importância que o tema em questão atingiu nos últimos anos, importante repassar os marcos históricos da regulamentação dos royalties que se iniciaram em 1953 com a edição da Lei 2.004 responsável pela criação da Petrobras.

Nessa época, os royalties, de uma maneira sucinta, foram fixados sob a alíquota de 5%, sendo destinados 4% aos Estados e 1% aos Municípios.

Frise-se que, inicialmente, a exploração do petróleo e seus derivados se davam apenas em terra, o que facilitava o rateio dos valores arrecadados, na medida em que a extensão territorial era fator determinante para alocação de verbas.

Em 1985 em razão da exploração decorrente de atividades realizadas no oceano, os municípios e os estados se viram prejudicados na medida em que o afastamento do critério de repartição territorial poderia desencadear impactos financeiros de maior proporção.

Assim, a legislação, apesar da manutenção da alíquota de 5%, modificou a sistemática de distribuição dos rendimentos de forma que os estados limítrofes passaram a ter direito a 1,5% assim como os municípios limítrofes e àqueles pertencentes às áreas geoeconômicas desses; Além disso, regulamentou-se a destinação de 1% ao Ministério da Marinha e 1% para constituir um Fundo Especial destinado aos Estados e Municípios da Federação.

A Constituição da República de 1988 promoveu alterações significativas ao passo que determinou a distribuição dos royalties aos estados e municípios. Desta forma, os municípios detentores de instalações para embarques e desembarque de petróleo passaram a ter direito a uma participação na arrecadação dos royalties de 0,5%.

Nesta ocasião, a arrecadação não representava os valores expressivos que representa hoje, cuja progressão foi marcada pelo aumento da alíquota incidente sobre as atividades exploratórias, de 5% para 10% em 1997, ocasião em que se promulgou a lei 9.478/1997, conhecida também como “Lei do Petróleo”.

Desse modo, com intuito de beneficiar os estados e municípios costeiros, aqueles detentores de poços petrolíferos foram agraciados com parcela robusta da divisão derivada do pagamento do royalty pelas concessionárias.

Além disso, a nova legislação instituiu uma participação especial, a ser definida pela Agência Nacional do Petróleo – ANP, direcionada aos poços destacados pela maior produtividade. Noutro giro, a base para cálculos dos royalties deixou de ter como referência o preço nacional das refinarias e passou a ser mensurada pelo preço internacional do petróleo.

Essas modificações promoveram alterações substanciais na economia nacional. Segundo dados da ANP, em 1996, valor total distribuído em royalties foi de duzentos e dezesseis milhões de reais, correspondentes a apenas 1% do montante distribuído nos fundos de repartição de receita. Após o advento da Lei do Petróleo (Lei 9.478/1997), o montante arrecadado a título de royalties alcançou a cifra de setecentos e oito milhões de reais, resultando em um aumento de 227%.

O aumento desproporcional dos royalties em relação às demais receitas públicas pode ser atribuído não só ao aumento da alíquota como também as commodities e a alteração da base de cálculo que passou a ter por referência os preços internacionais, além da variação cambial significativa de 35%ocorrida no período.

Esta arrecadação recorde proporcionou um abismo entre os valores destacados junto ao Estado do Rio de Janeiro (54%) e aqueles destinados aos demais entes federados. No ano de 2000, os valores destinados ao Rio de Janeiro alcançaram 94% dos recursos em razão dos créditos relativos às participações especiais[1].

Nesse momento surge o impasse travado pela emenda 389. O que se discute é se os entes federados, não produtores, deveriam receber, tal como os produtores, idêntica porcentagem sobre numerário vultoso arrecadado com o pagamento dos royalties.

O fato é que o critério utilizado para determinação do produto arrecadado, qual seja a proximidade dos blocos exploráveis, ocasiona a hiper-concentração de receitas, impossíveis de serem realocadas dada a rigidez das localizações geográficas.

O sistemática atual causa um disparate no federalismo brasileiro na medida em que, o modelo de repartição dos royalties contribuiu para o aumento das discrepâncias regionais por valer-se de um critério retributivo pautado na proximidade dos poços ao invés de rogar por um critério solidário que avalie as carências dos entes federativos.

Diferentemente do alegado em discursos políticos, a distribuição de forma preferencial, vigente desde 1997, não, necessariamente, acarreta maiores benefícios a população localizada nesses territórios.

Tome-se por base o Estado do Rio de Janeiro. Oito dos dez municípios mais beneficiados com a distribuição dos royalties está no Estado. Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras e São João da Barra acumulam mais de 50% de royalties e participação especial que são distribuídos a todos os demais.

Lado outro, estudos[2] demonstram que o Rio de Janeiro apesar de ocupar o segundo lugar no tocante ao índice consumo, em relação ao índice bem-estar populacional o Estado ocupa a penúltima posição do ranking dos estados.

Desta feita, em prol de uma melhor distribuição de receitas, a nova emenda aprovada na Câmara dos Deputados determina que 40% dos recursos apurados sejam direcionados para a União, enquanto os 60% restantes, deverão ser distribuídos entre Estados e municípios em conformidade com o Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios.

Assim, a emenda excluiu dos estados produtores a preferência no recebimento dos royalties e deixando-os os gestores apreensivos quanto à possibilidade de perda significativa na receita estadual e municipal.

Se a indignação mostrada pelos Estados produtores por um lado é justa, na medida em que os valores vultosos compõem um contexto orçamentário maior, por outro não encontra respaldo no ordenamento brasileiro. A exploração realizada em alto-mar não remete a patrimônio de nenhum estado específico, mas sim da União, logo a redistribuição dos royalties é condizente com os princípios do pacto federativo.

Exemplificando a matéria, a exploração do patrimônio da União origina pagamentos de ordem indenizatória tais como os royalties do petróleo e a Compensação Financeira pela Exploração Mineral. Ambos visam o ressarcir os investimentos ocasionados pelas explorações, tais como adequação de infra-estrutura, saúde, transporte e urbanismo.

Sendo assim, considerando a similitude da maneira como os royalties são destacados, temos que a exploração da atividade mineraria causa danos ambientais tão significativos quanto a exploração de petróleo junto aos produtores.

Isto porque, ao sofrer a atividade degradatória da extração mineral, o Estado explorado participa de toda a etapa produtiva necessária, ao posto que para a extração do petróleo localizado em bacias marítimas (diga-se as maiores fontes produtoras do petróleo brasileiro), este estado sofre somente com a receptação e distribuição do produto.

Destarte, a modificação na legislação deve ser sopesada com o intuito de impedir que os maiores produtores de petróleo tenham suas receitas drasticamente reduzidas, contraposto ao imediato enriquecimento do restante da federação.

A revisão na redistribuição dos royalties do petróleo é medida que impera, entretanto, deverá ser realizada com cautela e de maneira balanceada a fim de impedir um déficit e uma possível crise federativa.

Neste contexto, a alteração legislativa da sistemática de cobrança dos royalties encontra conforto legal. Todavia, nem sempre uma visão simplista da legalidade da forma da lei deve ser considerada única e exclusivamente. A retirada imediata de uma forte fonte de receita de um Estado gera transtornos sociais, políticos e principalmente econômicos, medidas estas que são completamente rechaçadas pelo ideal que temos de República Federativa.


[1] Vaz. Flávio José Tonelli. A distribuição federativa das compensações financeiras pela exploração do petróleo.

[2] BRUNET, Julio Francisco Gregory; BERTE, Ana Maria de Aveline e BORGES, Clayton Brito. Estudo Comparativo das Despesas Públicas dos Estados Brasileiros: um índice de qualidade do gasto público. Brasília: ESAF, 2007. Monografia premiada com o terceiro lugar no XII Prêmio Tesouro Nacional – 2007. Qualidade do Gasto Público. Porto Alegre (RS).

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