Segunda Leitura

Oficiais de Justiça: ontem, hoje e amanhã

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

11 de julho de 2010, 9h49

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Nos tempos da Colônia os oficiais de Justiça eram chamados de meirinhos e, quando da instalação da Relação da Bahia, em 1609, o primeiro Tribunal do Brasil, havia em cada corregedoria ou ouvidoria um meirinho “que executava todas as sentenças e penas, tanto pertencentes à ouvidoria como às partes, e se o não fizesse, fosse negligente, seria privado do Officio” (Organização e distribuição da Justiça no Brasil, Revista do STF, v. XLIX, fev. 1923, p. 310).

Manuel Antonio de Almeida, em obra de 1854, assim se refere aos meirinhos do Rio de Janeiro: “Trajavam sisuda casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado ao lado esquerdo, aristocrático espadim, e na ilharga direita penduravam um círculo branco, cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto por um grave chapéu armado” (Memórias de um Sargento de Milícias, W. M. Jackson Ed., p. 4).

Proclamada a Independência, o Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de 1832, previa no artigo 20 que os oficiais de Justiça (não mais meirinhos) seriam nomeados pelo juiz de Paz, cumprindo-lhes fazer pessoalmente citações, prisões e mais diligências, bem como executar todas as ordens do seu juiz. Na República, o Decreto 848, de 1890, que organizou a Justiça Federal, previa no artigo 32 a existência de oficiais de Justiça junto a cada juiz de Seção, que eram demissíveis ad nutum.

Em um passado não tão distante, os oficiais de Justiça eram homens simples, muitas vezes de pouca cultura, fiéis aos seus juízes, a quem muitas vezes deviam a nomeação, cumpridores intransigentes dos seus mandados. Do site “Caminho para Pasárgada…” [1], extraem-se passagens jocosas do Rio Grande do Sul, sobre certidões que lavravam. História, folclore, realidade ou ficção por aqueles que apreciam um bom “causo”, várias delas merecem menção. Vejamos.

a) Certidão lançada por um oficial de Justiça, em Passo Fundo, após efetuar uma penhora: “Penhorei uma mesa de comer velha de quatro pés";

b) Informação de oficial de Justiça, não tendo encontrado o réu: "O mutuário foi para São Paulo melhorar de vida. Quando voltar, vai liquidar com o Banco"

c) Descrição da penhora feita por um oficial de Justiça de Porto Alegre: "… um crucifixo, em madeira, estilo colonial, marca INRI – sem número de série…"

Ao início de minha vida profissional, convivi com inesquecíveis oficiais de Justiça. Um, na comarca de Registro, São Paulo, certa feita ofereceu-se para lutar com uma mulher em um circo e acabou tomando uma surra e sofrendo gozações por anos. Outro, em Caraguatatuba, SP, adorava dar susto nos funcionários, até que um dia, 8h da manhã, saiu detrás de uma porta e deu um grito para assustar quem se aproximava. Ao ver que era o juiz de Direito, saiu correndo e, temeroso, voltou dias depois para se desculpar. Na Justiça Federal, em Curitiba, 1981, havia um que me dizia, com um olhar triste, que sentia saudades dos tempos em que os juízes eram bravos, mandavam prender e não tinha “conversa fiada”.

Mas o mundo mudou. E os oficiais de Justiça também. Os concursos tornaram-se difíceis, disputados. Os vencimentos melhoraram, principalmente na Justiça da União (Federal e do Trabalho). Os tipos folclóricos passaram de exceção a inexistentes. Uma nova safra surgiu, cientes de suas responsabilidades, tecnicamente bem preparados e com nível social mais elevado. Alguns passaram a escrever artigos, como Fabiano Caribé Pinheiro, que comenta “A autonomia dos oficiais de Justiça no exercício dos atos próprios do seu ofício”.[2] No dia 6 de julho passado, uma oficial da Justiça Federal obteve o título de mestre, em defesa de dissertação junto à Universidade Federal do Paraná.[3] Aí estão os novos tempos, uma nova realidade.

Na busca da união, reivindicações e do aprimoramento de seus serviços, os oficiais de Justiça valem-se da internet e dos mais modernos meios de comunicação. Assim é no Brasil, onde há uma Federação das entidades representativas dos oficiais de Justiça estaduais do Brasil[4] e também em Portugal.[5]

Visto o ontem e o hoje, resta imaginar como será a profissão no futuro. Os concursos exigirão diploma de nível superior, conforme Resolução 48/2007 do Conselho Nacional de Justiça. O nome do cargo, agora já oficial de Justiça Avaliador em muitos órgãos judiciários, tende a ser este ou outro que alcance novas e mais complexas funções. Citar e intimar, ainda tarefas clássicas, cederão lugar ao uso mais intenso de mensagens eletrônicas, testemunhos tomados por videoconferência, o uso do Correio e atos praticados pelos advogados, sob a fé de seu grau.

Técnicos bem capacitados, profissionalmente reconhecidos, tecnicamente bem preparados, serão oficiais de Justiça do futuro absolutamente diferentes dos meirinhos do Brasil Colônia. Entre eles nada haverá em comum, exceto a história e recordações. Saber evoluir, adaptar-se aos novos tempos, enfrentar novos desafios profissionais, será o grande teste desta importante categoria profissional.


[1] http://www.fojebra.org/site/index.php?option=com_content&view=article&id=563:dia-nacional-de-lutas-dos-oficiais-de-justica-do-brasil&catid=31:noticias&Itemid=29

[2] http://www.ofijus.net/

[3]  http://nazabarcellos.multiply.com/reviews/item/98

[4] http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10096

[5] Gestão de Resíduos de serviços de saúde e meio ambiente: interface da legislação Brasil-Alemanha, UFPR em parceria com SENAI/PR e Universidade de Stuttgart, Alemanha.

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