Fisco estadual

Multa para mercadoria sem documento é inadmissível

Autor

  • Deivison Roosevelt do Couto

    é advogado sócio no escritório Prado Advogados Associados de Cuiabá mestrando em compliance pela Ambra University (Orlando EUA) e compliance officer de uma grande cooperativa agroindustrial em Campo Novo do Parecis (MT). ESG riscos governança e compliance no agronegócio.

10 de julho de 2010, 6h03

Conforme o disposto no artigo 113, caput, do Código Tributário Nacional, a obrigação tributária é principal ou acessória. Esta, também conhecida como dever instrumental, decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2º, CTN).

A obrigação acessória, vale a pena averbar também, é imposta, via de regra, ao contribuinte, com o objetivo de instrumentalizar a atividade do Fisco. Seu descumprimento, saliente-se, acarreta a imposição de uma penalidade pecuniária (multa).

Muito bem, superados os ligeiros — mas oportunos — esclarecimentos iniciais, adentremos, então, no ponto fundamental deste breve ensaio jurídico.

Nesta Unidade Federativa, a apresentação da nota fiscal, em todas as Unidades Operativas de Fiscalização/Postos Fiscais por onde transitar a mercadoria, para aposição do carimbo e visto do servidor competente, ou quando for o caso, para a retenção de uma de suas vias, constitui um exemplo de obrigação acessória, imposta, evidentemente, no interesse da arrecadação ou da fiscalização do ICMS, cujo descumprimento caracteriza infração ao disposto no art. 10-B do RICMS, sujeitando o infrator à penalidade (multa equivalente a 20%, 30% ou 50% do valor da operação) prevista no art. 45, III, alínea “a”, da Lei 7.098/98.

Constituía…

Com o advento do Ajuste Sinief 07/05, que instituiu a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), que é o documento emitido e armazenado eletronicamente, de existência apenas parcial, com o intuito de documentar operações e prestações, cuja validade jurídica é garantida pela assinatura digital do emitente e autorização de uso pela administração tributária da unidade federada do contribuinte, antes da ocorrência do fato gerador (Cláusula Primeira, § 1º, Ajuste Sinief 07/2005), aquela obrigação acessória e, via de consequência, a multa por seu descumprimento, deixaram de subsistir, especialmente a partir de 1º de abril de 2008, quando, no Estado de Mato Grosso, a emissão daquela documentação fiscal eletrônica tornou-se obrigatória para alguns segmentos de contribuintes.

É que, como a NF-e foi criada para desburocratizar as relações de compra e venda, simplificar as obrigações acessórias dos contribuintes e facilitar o controle do Fisco, não há mais interesse público na apresentação da nota fiscal para aposição do carimbo e visto do servidor competente, ou quando for o caso, para a retenção de uma de suas vias, pois, inquestionavelmente, aquele documento eletrônico já contém todos os dados necessários para a verificação da regularidade da operação envolvendo o transporte de determinada mercadoria, principalmente para fins da arrecadação e fiscalização do ICMS.

Não obstante a isso, o Fisco Estadual, inadvertidamente, continua lavrando termos de apreensão e depósito (TADs) e aplicando multa por descumprimento de obrigação acessória, com supedâneo nos arts. 10-B do RICMS, e 45, III, alínea “a”, da Lei 7.098/1998, só que, agora, em virtude de o transporte das mercadorias estarem desacompanhadas do chamado Danfe (Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica), que é uma representação simplificada da NF-e.

Essa conduta, contudo, não pode continuar prosperando, a uma, porque, por ser o Danfe um documento auxiliar, não está incluído no rol taxativo de documentos fiscais elencados no art. 90 do RICMS, não havendo, portanto, que se falar em infração à legislação tributária, mormente por esta não admitir interpretação extensiva, tudo sob o influxo da tipicidade cerrada; a duas, porque por estar a operação já documentada por meio da NF-e, basta o acesso ao sistema pelo servidor da Sefaz-MT para que seja verificada, então, a regularidade do negócio, especialmente a arrecadação e fiscalização do ICMS, o que prestigia o princípio da eficiência segundo o qual a Administração Pública deve exercitar a atividade administrativa com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Não bastassem esses argumentos, ressalte-se, por estar a NF-e umbilicalmente ligada ao Danfe, ou seja, ser emitida, de rigor, em conjunto com este documento auxiliar, a sua ausência momentânea por qualquer motivo na barreira fiscal, por exemplo, em virtude de extravio pelo transportador, pode ser sanada com o seu envio posterior ao posto fiscal, o que prestigia a verdade material, não acarretando nenhum prejuízo ao Fisco Estadual.

E inexistindo prejuízo, a relevação da penalidade pecuniária pela Administração Pública é medida que se impõe, conforme se observa do seguinte precedente do colendo Tribunal da Cidadania: REsp 728.999/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 12/09/2006, DJ 26/10/2006 p. 229.

Com efeito, por representar a NF-e a vanguarda fiscal, não há mais motivo para que o transporte da mercadoria esteja acompanhada da nota fiscal. Por conseguinte, não há falar-se em multa por descumprimento de obrigação acessória, mormente em apreensão da mercadoria.

Sem dúvida, a multa pelo transporte de mercadoria desacompanhada do Danfe é uma matéria que logo, logo, será apreciada pelo Judiciário Mato-grossense que, insofismavelmente, a afastará pelos motivos alinhados precedentemente, sobretudo por, dada a sua impertinência, caracterizar odioso e inadmissível confisco. Conquanto incipiente, está lançada a reflexão.

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