Discussão de culpa

Limitar o divórcio não protege a família

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9 de julho de 2010, 9h39

O instituto do divórcio no Brasil vai mudar, acompanhando a modernização da sociedade. Teve aprovação no Congresso e agora depende apenas da publicação no Diário Oficial para valer como lei a chamada PEC do divórcio direto – Proposta de Emenda Constitucional que acaba com a exigência legal para que a confirmação do divórcio seja precedido por dois anos de separação de fato ou um ano de separação de direito (homologada pela Justiça ou celebrada em cartório de notas).

Trata-se de salutar mudança, já que os envolvidos na separação passam por doloroso processo psicológico durante as tratativas inerentes ao processo. E obrigá-los, após um ano da efetivação da separação, a remexer nas feridas para providenciarem a conversão da separação em divórcio é submetê-los a desnecessário sofrimento e impor-lhes o pagamento de novas custas processuais já que o divórcio é ação autônoma.

Pela lei hoje vigente, se o casal se arrepender da separação judicial já homologada, bastará uma manifestação ao Juízo ou ao cartório para retornar ao status de casados, sem maior burocracia. Todavia, se já divorciados, deverão voltar a se casar no cartório de registro civil após os trâmites burocráticos, tais como publicação de proclamas, etc.

Originalmente, tal regra tinha a finalidade de proteger a família acima de tudo e, para isso, dificultou o divórcio ao exigir prévia separação de fato por mais de dois anos, ou de direito por mais de um ano. Todavia, desde a promulgação da Lei do Divórcio em 1977 essa exigência temporal, que no início chegava a cinco anos, se mostrou ineficiente para atingir o objetivo primordial de proteção da família. E aos poucos foram sendo exigidos prazos menores pela lei ordinária. Com a Constituição Federal de 1988 a questão ficou consolidada no sentido de que se exige separação prévia de fato por dois anos, ou de direito por um ano, para que seja possível a celebração do divórcio, caso contrário não há de ser decretado.

Portanto, a maior parte dos litígios se inicia como separação judicial litigiosa, já que normalmente não há o lapso temporal exigido para se ingressar com o divórcio direto. Assim, os efeitos benéficos da emenda constitucional proposta não serão sentidos de imediato pelas partes litigantes já que o trâmite judicial de ambas as ações – separação judicial litigiosa ou divórcio judicial litigioso – é idêntico.
A lei do divórcio direto irá possibilitar ingressar desde o início com ação de divórcio litigioso. Para o litigante a única diferença será a desnecessidade de, através de novo processo e após longa batalha nos autos da ação de separação litigiosa, ter decretado seu divórcio.

Há, todavia, aqueles que defendem que como nos processos de divórcio não se admite a discussão da culpa, se aprovada a PEC do divórcio não seria mais permitido discuti-la ainda que desrespeitados pelos cônjuges os deveres do casamento. Ou seja, entendem referidos profissionais que culpado ou não, para o cônjuge sair do relacionamento bastaria requerer o divórcio e pronto.

De fato, pela legislação atual ordinária, não há possibilidade de discussão da culpa no divórcio – que deve ser decretado tão somente com base no lapso temporal.
Todavia, entendemos que o legislador não teve a preocupação de suprimir a discussão da culpa em caso de ruptura da vida em comum do casal, mas apenas de eliminar a figura da separação litigiosa permitindo que qualquer debate tenha lugar nos autos do divórcio. Não há como simplesmente proibir a discussão da culpa, da violação dos deveres do casamento, da conduta desonrosa. Do contrário, qualquer um, em rompante de mau humor, poderá destruir seu lar e se livrar de sua família com um simples requerimento judicial sem qualquer tipo de explicação ou punição, o que não se pode admitir.

O artigo 226 da Constituição Federal dispõe que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”; e afirma em seu parágrafo 6º que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

A PEC do divórcio modifica tal parágrafo para dispor, única e exclusivamente, que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Portanto, reputamos prematura a interpretação de alguns renomados juristas que afirmam que com a PEC do divórcio nunca mais se poderá discutir a culpa na ruptura da vida em comum. No nosso entender, a vedação da discussão da culpa no divórcio se aplica apenas aos casos de conversão de separação, judicial ou não, em divórcio. Nos casos de divórcio direto defendemos ser possível, sim, examinar a culpa e todos os demais temas próprios da separação, tais como alimentos, guarda de filhos, partilha, etc.

O próprio autor da PEC, deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), afirma que o divórcio direto nos termos por ele propostos só beneficiará aqueles que pretendem se separar consensualmente, uma vez que não serão mais obrigados a ingressar com separação consensual e somente após um ano pedir a conversão em divórcio, ou a aguardar dois anos após a separação de fato para só então poderem se divorciar.

É muito bem vinda esta mudança, uma vez que o Judiciário, já atolado de processos, não pode perder tempo com procedimentos burocráticos e desnecessários. Além do mais, limitar o divórcio aos casos de prévia separação nos parece protecionismo desnecessário e impertinente, pois não é dessa forma que o Estado conseguirá proteger a família enquanto instituição.

O cidadão não deve ser submetido a ônus pecuniários e psicológicos desnecessários tais como a contratação de novos advogados, pagamento de novas custas judiciais ou extrajudiciais e contato com a dolorida imposição de se deparar novamente com a destruição de seu lar.

Finalmente, entendemos que a redação do parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal deveria ser mais completa, para evitar as discussões e interpretações variadas sobre o tema. Ou seja, deveria ali constar expressamente que o casamento poderá ser dissolvido pelo divórcio “na forma da legislação”, de maneira que os artigos correspondentes do Código Civil sejam indubitavelmente recepcionados pela Carta Magna.

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