Conversa gravada

Suspeitas não podem permitir escutas em presídios

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7 de julho de 2010, 19h33

A polêmica quanto ao uso de câmeras e microfones ocultos para monitorar e gravar entrevistas de advogados com seus clientes nos presídios federais apresenta um ponto de convergência comum: tanto juízes, promotores e procuradores, advogados e demais membros do mundo jurídico, em geral, são unânimes – advogados envolvidos com o crime não merecem ser perdoados. Assim admite-se, com raríssima divergência, que os profissionais do Direito podem e devem ser monitorados caso estejam sendo investigados devido à participação em práticas criminosas, principalmente no que concerne ao crime organizado.

Decidida esta questão passamos ao segundo ponto, mais específico.

Juizes federais de Mato Grosso do Sul e do Paraná, designados como corregedores dos presídios federais de Campo Grande e Catanduvas, autorizaram o monitoramento de advogados nos parlatórios sob a alegação de que estavam a combater o “leva e trás” de mensagens entre criminosos de alta periculosidade recolhidos nas cadeias e seus comparsas que ainda se encontravam soltos e operando em várias frentes criminosas.

O juiz federal Odilon de Oliveira do MS, o magistrado que mais tem se exposto à mídia para defender suas próprias ações de determinar monitorar e gravar advogados assim como detentos que mantinham relações sexuais com suas companheiras nas celas íntimas têm, taxativamente, afirmado que as monitorações efetuadas eram legais pois estavam à serviço da coletividade e serviam para colher provas de “advogados que enlameavam a beca que vestem”. E mais, que essas monitorações teriam servido para evitar o seqüestro de um dos filhos do presidente da República, da Ministra Hellen Grace e demais autoridades bem como outras atividades violentas e “foras da lei”. O magistrado chegou a afirmar que se não fossem os monitoramentos dos advogados haveria ocorrido uma tragédia.

Até aí tudo bem, contudo estas afirmativas, alegações e desculpas podem não ser verdadeiras, senão vejamos:

1) Os advogados monitorados, segundo consta, não estavam sendo investigados. É desconhecida a existência de Inquérito Policial ou Processo Judicial instaurado legalmente com esta finalidade especifica (investigar o advogado A, B ou C) antes dos monitoramentos serem autorizados judicialmente. Se investigado é alguém sobre o qual o juiz de Direito simplesmente desconfia ou possui algum ressentimento, então estamos perdidos. Ai do advogado que bater em um carro de juiz, de sua esposa, filho ou parente, e mesmo vier a ter alguma “desinteligência” com Autoridade Judiciária rancorosa, poderá ser considerado investigado (sem inquérito, sem processo) e daí para diante monitorado, gravado, perdendo de pronto as prerrogativas constitucionais e até a sua intimidade.

2) Segundo a documentação divulgada pela revista ConJur, no caso específico do presídio federal de Campo Grande (MS) e do juiz federal Odilon de Oliveira, quem estava sendo investigado não eram os advogados e sim os presos. Os advogados (sem exceção) passaram a ser bisbilhotados pelo simples fato de se entrevistarem com clientes. Ainda com base em documentos oficiais disponibilizados pela OAB e pelos artigos publicados no site Consultor Jurídico e tomando como exemplo o caso do preso conhecido como Fernandinho Beira-Mar, o juiz Odilon de Oliveira autorizou: “escuta e gravação ambiental de conversas e imagens produzidas entre o nominado interno, suas visitas e advogados, no âmbito do presídio federal de Campo Grande (MS), enquanto durar a internação”. Questiona-se: quais advogados? Todos? Somente os investigados? Quais estavam sendo formalmente investigados? E assim foram com todas as autorizações expedidas judicialmente para monitoramento e gravações efetuadas no presídio federal.

3) A associação dos juízes federais, como não poderia deixar de ser, partiu em defesa de seu mais seleto e distinto associado, de fama nacional, de credibilidade incontestável. Na nota pública de 23 de junho de 2010 a Ajufe chegou a afirmar no primeiro item do manifesto: “O juiz federal Odilon de Oliveira e outros magistrados que autorizam judicialmente gravações de conversas entre presos e advogados em presídios federais agem estritamente dentro da lei e só o fazem quando há indícios de que o advogado tem envolvimento nos crimes praticados por seus clientes”; contudo, esqueceram de esclarecer (até para os demais associados) quais advogados monitorados pelos juízes possuíam indícios de envolvimento com crimes praticados por seus clientes vez que: todos os advogados que compareceram no parlatório para se entrevistar com seus clientes foram monitorados . E mais, qual o procedimento investigatório admitido pela legislação penal foi instaurado para apurar o envolvimento dos tais advogados com crimes praticados por seus clientes ao ponto de subtrair dos mesmos as prerrogativas legais e constitucionais?

4) O segundo item é ainda mais conturbado. A nota da Ajufe afirma com relação ao monitoramento indiscriminado dos advogados no PFCG: “A referida autorização a que a OAB nacional se refere publicamente foi realizada em 2008 e a investigação revelou que traficantes presos na prisão federal planejavam seqüestrar autoridades e seus parentes, entre eles o filho do presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva.”E aí pergunta-se: será que os responsáveis pela elaboração da nota em questão (que devem ser juízes experientes) realmente acreditam nisso? Ou melhor, antes de confeccionar e publicar a nota citada eles procuraram saber se foi encontrada nas investigações levadas a cabo pela denominada “Operação X” alguma gravação (no parlatório ou nas celas de encontro íntimo) de advogados trabalhando no Presídio Federal de Campo Grande envolvidos neste evento? Conhecem o cronograma das ações relativas à "Operação X"? Observaram se havia possibilidade de ser plausível o plano? Aventaram a hipótese de estarem sendo usados para acobertar outros interesses?

5) Segundo consta no artigo divulgado pelo site de notícias Campo Grande News em 05/08/2008 o único advogado envolvido seria Vladimir Búlgaro, responsável pela defesa do detento José Reinaldo Girotti, preso no interior de São Paulo. Será que nenhum dos que apóiam a medida extrema perquiriu: se ficou confirmado judicialmente o envolvimento do advogado? Se ele foi condenado e/ou continua preso? Se a descoberta de seu envolvimento se deu realmente através das monitorações efetuadas no PFCG ou de relatórios do Setor de Inteligência tipo "consta que…"? Se os demais advogados que foram monitorados quando atuavam no parlatório também estavam sendo investigados (de forma legal, formal e constitucional)? E finalmente, se o preso Girotti não é aquele preso que afirmava (e afirma) que autoridades importantes teriam exigido U$ 4 milhões de dólares do preso Juan Abadia para não atrapalhar sua deportação para os EUA (já autorizada pelo STF)? Refrescando a memória dos mais esquecidos: toda esta historia foi devidamente relatada ao MPF do MS e o procurador da República que tomou conhecimento da denúncia nada fez.

Voltando ao objetivo deste artigo, afinal de contas, como se define um advogado que está sendo investigado?

Se admitido o monitoramento e o não respeito às prerrogativas do advogado envolvido em crimes ou sob quem pairam indícios de ligação marginal com seus clientes, como saber se os indícios são alicerçados em bases sólidas ou são somente fruto da imaginação fértil de alguém desesperado para ficar “na crista da onda”, de alguém que quer continuar sendo o alvo dos holofotes midiáticos, ou interessado em lançar-se politicamente, se inexistir procedimento apuratório anterior à autorização judicial para o monitoramento? É só dizer que este ou aquele advogado é investigado, e pronto?

Inexistindo inquérito policial pré-instaurado ou processo judicial ajuizado e, pelo menos, apurado no bojo dos autos o mínimo de veracidade quanto às suspeitas levantadas, a autorização judicial para monitoramento de advogado para tentar alguma prova (inexistente até o momento) tem que ser considerado pratica de improbidade administrativa de quem abusou do poder de autoridade que lhe foi confiado pelo povo.

De forma diferente, caso admita-se o desrespeito à legislação vigente, a simples suspeita de que um juiz tenha se locupletado de dinheiro de preso ou percebido vantagem para sentenciar favoravelmente a esta ou aquela pessoa ensejará, imediatamente, o monitoramento velado de tudo o que acontece em seu gabinete, das mensagens que troca por e-mail, das conversas que tem ao telefone, até de seus momentos íntimos com suas companheiras e/ou companheiros.

O fato de um indivíduo, cidadão brasileiro, ter escolhido a profissão de advogado não pode servir para taxá-lo de bandido, enlameador de beca, criminoso. Em todas as profissões (não importa qual área) será possível encontrar pelo menos 10% de corruptos e indivíduos que atuam na marginalidade. Não é o fato de uma pessoa prestar concurso público para juiz que o transforma em honesto, probo, ético e honrado. Da mesma fo rma o fato de alguém ser admitido nos quadros da OAB e autorizado a advogar não converte o honesto, probo, ético e honrado em delinquente.

Finalmente, ante a dúvida que me atormenta, peço socorro aos leitores: como se define um advogado investigado? Precisa formalizar o procedimento ou basta o “disse-me-disse”?

Na tentativa de encerrar o tema desde já sabendo ser impossível a hipótese devido a enormidade de dúvidas e falácias propaladas, enquanto cidadão e advogado afianço que o esperado de um juiz, com “J” maiúsculo é que ele seja imparcial, garantista e radicalmente legalista. Se for para agir às margens da lei já bastam alguns delegados, diretores de presídio, procuradores/promotores e até advogados. Também posso garantir que de nada serve à sociedade um juiz agindo policialescamente, se envolvendo com atos administrativos e defendendo interesses não suportados legalmente. De um juiz se espera a decisão mais justa, de lisura impar, às claras, no estrito limite de seu dever legal e não uma atuação subversiva e contrária às expectativas de toda a nação brasileira.

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