Operação Condor

Justiça isenta autor de livro de indenizar policial

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7 de julho de 2010, 15h47

Casos de violência e abusos cometidos na época da ditadura militar são de interesse público e podem ser revelados em livro. Isso porque, na democracia, o direito à liberdade de informação, à honra e à imagem não são absolutos e devem ser harmonizados. Com esse entendimento, a juíza Cláudia Maria Hardt, da 18ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, não aceitou o argumento do ex-policial do DOPS, da região Sul, João Augusto da Rosa, de que a publicação do livro Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios fere o seu direito à honra e à imagem. Segundo o militar, o livro omitiu sua absolvição durante inquérito policial de 1983. Cabe recurso.

O livro Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios conta a história do sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti, seus dois filhos menores e Universindo Díaz, ocorrido em Porto Alegre, em novembro de 1978.

O livro é de autoria do jornalista Luiz Cláudio Cunha, um dos protagonistas da história. Foi ele, em companhia do fotógrafo J. B. Scalco, já morto, que descobriu que o casal de exilados políticos uruguaios e seus dois filhos foram sequestrados em Porto Alegre pela polícia gaúcha. Mais tarde o casal foi entregue às autoridades policiais da ditadura uruguaia e permaneceu preso por cinco anos em Montevidéu. Lilian Celiberti depôs como testemunha no processo movido pelo policial contra o jornalista.

Os dois jornalistas trabalhavam, à época, na sucursal de Porto Alegre da revista Veja, que publicou uma série de reportagem sobre o sequestro, talvez a primeira denúncia concreta de atos ilegais do que mais tarde seria conhecido como Operação Condor, a cooperativa de repressão política montada em conjunto pelas ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970. 

A obra recebeu o troféu Jabuti e Menção Honrosa do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2009. E foi também agraciado em Havana no Prêmio Casa de Las Américas de 2010.

A juíza entendeu que não houve abuso por parte do jornalista ao escrever o livro porque não há como negar que existiram abusos cometidos pelas autoridades instituídas durante o período do regime militar brasileiro. “São inúmeras as compilações históricas e os relatos dos que vivenciaram a etapa em que o país esteve distanciado da democracia. Inegáveis as arbitrariedades, os excessos e as violências infligidas a muitas pessoas”, fundamentou a juíza.

Sobre a liberdade de imprensa, ela lembrou que o período foi marcado pela censura que impedia que tais fatos viessem a público. “Não se pode desconsiderar as restrições impostas à imprensa naqueles momentos em que muitos dos direitos irmanados com a dignidade humana e a liberdade foram deixados de lado”, ressaltou.

“Estes dois postulados, muitas vezes, entram em choque. Frente à colisão de dois importantes preceitos constitucionais, necessário proceder-se à harmonização principiológica, restando ao julgador a parcimoniosa atividade de realizar a ponderação destes no caso concreto”, disse. Segundo a juíza, “impera o interesse público, prestigiado o direito à informação consagrado nos artigo 5º, XIV, e 290, §1º, ambos da Constituição Federal”. 

Para a juíza, somente são toleráveis as restrições à liberdade de imprensa quando comprovado o abuso de direito, o que não é caso. "O texto foi produzido a partir do relato de vítimas, testemunhas oculares, fotografias e investigação, tencionando desvendar os acontecimentos prévios e posteriores ao ocorrido dentro do apartamento nº 110 do número 621 da Rua Botafogo em Porto Alegre".

E mais: "Aqui, não há que se reconhecer a intencionalidade por parte do jornalista réu de ter escrito esse livro com o exclusivo intuito de ofender a reputação do autor. A pretensão foi clara: a de expor ao público profunda pesquisa acerca de fatos ocorridos em época em que tais informações não poderiam ser publicamente difundidas sem retaliações. Assim, nos tempos atuais, tem-se que a liberdade de manifestação, quando exercida regularmente, não denigre o direito à imagem".

Velhas informações
A juíza reforçou, ainda, que não existe novidade nas informações e fotos publicadas pelo livro. Segundo ela, o próprio policial admitiu já ter visto o material em jornais e revistas. E ainda que na época da publicação isso não foi questionado na Justiça. “Aliás, consigno que das inúmeras personalidades citadas durante a narrativa, somente o autor, ao que se saiba, sentiu-se ferido em seu íntimo a ponto de promover demanda judicial ressarcitória”, disse a juíza.

Ela conclui que o Supremo Tribunal Federal tornou sem efeitos a Lei de Imprensa ao concluir que o texto se mostrava incompatível com a democracia e com a atual Constituição Federal. “Destarte, a pretensão não prospera, porquanto a obra literária questionada não vai além de uma narrativa dos fatos, com fundo crítico, amparada na liberdade de informação, não se consubstanciando em efetiva tentativa de ofender o demandante”.

Por fim, a juíza afirmou que a obra não visou exclusivamente degradar a honra do autor como um dos personagens participantes do relato. Por isso, ela julgou improcedente o pedido do policial para ser indenizado. E determinou, ainda, que o autor pague R$ 2.000 de custas processuais e honorários.

Leia a decisão:

Processo nº: 001/1.09.0102774-3 (CNJ:.1027741-24.2009.8.21.0001)
Natureza: Ordinária – Outros
Autor: João Augusto da Rosa
Réu: Luiz Claudio Fontoura da Cunha e  L&PM Editores
Juiz Prolator: 
Juíza de Direito – Dra. Cláudia Maria Hardt
Data: 06/07/2010

Vistos etc.

JOÃO AUGUSTO DA ROSA, devidamente qualificado e representado nos autos, aforou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS contra LUIZ CLÁUDIO FONTOURA DA CUNHA e L&PM EDITORES, também identificados na inicial. Disse ser funcionário público estadual pertencente aos quadros da Secretaria de Segurança Pública desde 30/01/1978.

Relatou ter tido carreira ilibada, com condecorações por mérito. Referiu ter conduta honrada em sua carreira profissional e vida particular. Narrou que, há trinta anos, teria visto seu nome lançado em uma série de denúncias supostamente feitas pelo segundo réu, acerca de participação no sequestro de Lílian Elvira Celiberti Rosas de Casariego, em caso conhecido como “sequestro da Rua Botafogo”. Apontou a repercussão internacional do incidente. Referiu que teria sido denunciado criminalmente por abuso de autoridade. Alegou ter sido “achincalhado” de diversas formas pelo primeiro requerido.

Esclareceu ter sido absolvido em processo criminal, com fundamento no art. 386, VI, do Código Penal, em decisão proferida pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul (processo nº 11.775), com relatoria pelo MM. Dr. Pedro Henrique P. Rodrigues. Apontou o trânsito em julgado da demanda mencionada sem recurso voluntário do Ministério Público.

Afirmou que, trinta anos após o referido julgamento, o primeiro réu, supostamente visando ao lucro e a vantagens pessoais, com a colaboração da primeira demandada, escreveu o livro “O Sequestro dos Uruguaios”. Alegou que na obra o jornalista requerido o estaria ridicularizando e culpando pelo sequestro ocorrido. Asseverou a utilização de palavreado ofensivo e repugnante.

Novamente referiu o julgamento criminal de absolvição com trânsito em julgado. Salientou que a decisão de segunda instância não teria sido consignada no livro, noticiada apenas a decisão de primeiro grau. Defendeu que tal atitude tencionaria a omissão de fatos processuais posteriores. Afirmou o tom de deboche que teria sido utilizado pelo repórter demandado, e que este buscaria “vingança mesquinha e desmedida”. Fundamentou a pretensão indenizatória no art. 186 do Código Civil, e no art. 5º, X, da CF. Referiu o art. 49, §3º, da Lei 5.250/1967 (legislação reguladora da liberdade de manifestação do pensamento e de informação). Protestou que as informações contidas na obra seriam inverídicas, ultrapassando os limites do direito e da livre manifestação.

Alegou que o jornalista réu estaria se utilizando de uma “pretensa imunidade” para agredir a sua reputação. Disse que o segundo requerido estaria confundindo os conceitos de “liberdade de expressão” com “irresponsabilidade”. Relembrou as restrições à liberdade ocorridas na época do regime militar brasileiro, momento em que atitudes ordinárias eram consideradas “subversivas”. Relatou a existência, naquela época, de severa censura prévia às manifestações jornalísticas, composições musicais, ensaios cinematográficos e livros.

Arguiu restrições constitucionais ao livre pensamento, mesmo em momento posterior ao do referido regime. Teceu considerações acerca do art. 5º, IV, da CF – expressão de pensamento livre quando exteriorizada a autoria deste, para fins de responsabilização. Falou sobre o art. 5º, V, da CF, que garante o direito de resposta proporcional ao agravo. Discorreu sobre as restrições existentes ao direito de imprensa, consignadas no Código Penal, na Lei de Imprensa e no art. 186 do Código Civil. Asseverou o dever de as informações serem veiculadas de forma correta, adequada, imparcial, pertinente e sem distorções, mencionando o respeito ao sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, inciso XIV, da CF).

Citou doutrina dos autores José Afonso da Silva e Celso Ribeiro Bastos. Colacionou jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça. Desenvolveu o tema relacionado ao dano moral citando os arts. 5º, X, e 37, §6º, ambos da CF e art. 186 do Código Civil, bem como a doutrina de Silvio Rodrigues. Apontou que as agressões ao autor estariam consignadas às páginas 307/315, 321, 332, 462 da obra fustigada. Referiu a não autorização quanto ao conteúdo das fotos publicadas nas páginas 256 e seguintes.

Defendeu a ocorrência de litisconsórcio entre a editora e o jornalista constantes do polo passivo da demanda. Ao final, postulou a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais – pelo uso não autorizado de fotografias do autor. Pleiteou a incidência de correção monetária e juros legais a partir do evento danoso. Requereu, também, a condenação dos demandados aos ônus sucumbenciais, na forma do art. 20, §2º, do CPC, bem como a concessão do beneplácito da AJG. Juntou procuração e documentos (fls. 14/106).

Acostado exemplar da obra objeto da presente lide à fl. 107.

Deferido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita ao autor e determinada a citação dos demandados (fl. 108).

Citada, a ré L&PM EDITORES ofertou defesa (fls. 115/118). De início, esclareceu que, mediante o direito de livre expressão, consubstanciado no art. 5º, IX, da Constituição Federal, teria publicado o livro “O Sequestro dos Uruguaios”, de autoria do primeiro requerido.

Asseverou que a obra retrataria episódio público e notório, ocorrido há trinta anos, quando imperava “os tempos de regime militar”. Apontou passagem da obra em discussão acerca do período histórico mencionado. Caracterizou a época da ditadura como de “chúmbeos tempos”. Impugnou a afirmação feita pelo autor de que existiriam restrições à liberdade, apontando os dizeres do art. 220 da Constituição Federal.

Mencionou que o livro teria apoio cultural do Banco do Estado do Rio Grande do Sul. Alegou que a obra conteria a versão do jornalista Luiz Cláudio Cunha sobre fatos passados que teriam movimentado a mídia à época. Mencionou que as fontes fundamentais do trabalho seriam as matérias jornalísticas publicadas na Revista Veja quando da ocorrência dos fatos. Referiu que a expressão “criminosos” não teria sido empregada como artifício retórico e sim com base no acórdão trazido aos autos pelo demandante.

Disse que o jornalista se reportou a fatos que à época não teriam sido esclarecidos. Afirmou que a obra seria a versão do repórter demandado e que a publicação do livro consubstanciaria a narração de uma das vítimas do episódio. Defendeu o direito subjetivo constitucional à informação. Aduziu ser dever daqueles que lidam com os instrumentos de comunicação informar os fatos em todas as suas versões. Trouxe à baila os termos dos prefácios esboçados pelos jornalistas Roberto Guzzo e Juca Khfouri.

Alegou que a editora teria se limitado a publicar os fatos narrados pelo autor do livro. Defendeu a inexistência de demonstração de nexo de causalidade entre a responsabilidade da editora e do autor do livro. Disse que teria o ora demandante se limitado a explicar as razões de necessidade de formação de litisconsórcio sem explicitar por que motivos caberia a condenação pretendida. Pugnou pela improcedência da demanda, ante a inexistência de responsabilidade civil quanto ao conteúdo da matéria publicada na obra. Juntou procuração (fl. 113).

Citado, o corréu Luiz Cláudio Fontoura da Cunha apresentou peça contestacional (fls. 119/125). De início, alegou a inépcia da peça exordial (art. 295, II, parágrafo único, do Código de Processo Civil), porquanto esta não teria indicado nenhuma expressão capaz de infringir dano moral ao autor. Defendeu que a inicial seria vaga e imprecisa. Registrou, exemplificadamente, que a expressão “meganha” teria sido empregada em reportagem da Revista Veja, em edição recentemente publicada. Disse que a notícia veiculada na revista mencionada não teria causado nenhum dano moral ao autor, já que não fora objeto de processo judicial. Asseverou que a expressão “meganha” não teria sido lavrada na obra.

Afirmou que o jornalista, ora réu, não teria vínculo empregatício com a revista Veja há vinte e quatro anos, não possuindo responsabilidade em relação à matéria e ao adjetivo utilizado. Alegou o não esclarecimento de qual conduta – culposa ou negligente – teria sido cometida pelo ora demandado.

Aduziu que as fotos colacionadas à obra teriam intuito de mostrar as constantes mudanças de imagem do autor para pretensamente embaraçar a sua presença no local do crime. Ressaltou que a imprensa à época dos fatos teria publicado todas as fotografias reproduzidas no livro, sem que o autor considerasse estas ofensivas à sua imagem. Disse ser inepta a peça exordial eis que não apontaria com precisão o evento ou fato que pretensamente ocasionara dano moral ou de imagem ao autor.

No mérito, postulou a improcedência do pedido, reafirmando os argumentos tecidos na peça contestacional da Editora. Fundamentou a pretensão do art. 5º, IX, e art. 220, ambos da Constituição Federal. Novamente houve considerações acerca dos prefácios apresentados pelos jornalistas José Roberto Guzzo e Juca Khfouri. Disse que em momento algum o autor teria negado a sua participação no evento criminoso.

Asseverou que apenas teria relatado, com base em experiência pessoal, fato ocorrido na recente história do Brasil. Apontou a sua não responsabilidade pela narração literária que não lisonjearia o demandante. Mencionou julgado do Superior Tribunal de Justiça que decide pela improcedência do pleito indenizatório quando este é baseado em fatos reais (RESP 531335/MT). Ressaltou que os fatos narrados no livro seriam aferíveis e que em nada ofenderiam a moral do demandante, uma vez que as informações já teriam sido amplamente publicadas em vários meios de comunicação, consoante notícias acostadas ao final da defesa. Referiu que o autor não teria processado os meios de imprensa que originalmente publicaram as notícias que agora seriam reputadas como ofensivas.

Mencionou que enquanto vigorava a Lei de Imprensa – declarada inconstitucional pelo STF – o autor não teria suscitado danos a sua imagem com as publicações, apenas pretendendo reparação com a obra ora discutida. Teceu argumentos sobre o acórdão que proferiu decisão absolutória do autor. Referiu que tal pronunciamento não teria negado a participação deste na ocasião narrada no livro. Mencionou que à época do julgamento os sequestrados (Lilian e Universindo) estariam presos no Uruguai, o que impossibilitara a livre oitiva destes.

Referiu que, após o fim da época ditatorial naquele país, estes dois teriam confirmado a presença do autor no evento criminoso. Defendeu que aquela absolvição proviria de julgamento produzido em “tempos obscuros”. Novamente mencionou a não existência de negativa por parte do autor na participação do evento criminoso. Ao final, postulou a declaração de inépcia da inicial, ou, alternativamente, a improcedência da demanda, eis que o réu não teria praticado nenhum evento danoso à honra ou à imagem do autor. Juntou procuração (fl. 114) e documentos (fls. 126/130).  

Instado, o demandante apresentou réplica (fls. 133/141). Novamente informou a sua boa conduta profissional. Reafirmou a absolvição criminal ocorrida pela imputação do crime consubstanciado no sequestro de Lilian Celiberti. Disse que o jornalista demandado o teria acusado de ser participante do sequestro mencionado, induzindo o público. Argumentou que o livro teria reaberto injusta revolta popular. Afastou a alegada inépcia da inicial, referindo que a obra literária seria o próprio “fato gerador” do dano.

Apontou que os trechos em que o nome do autor fora colacionado estariam grifados no exemplar acostado aos autos. Evidenciou as páginas discutidas, também apontando o índice onomástico. Salientou trechos do livro. Esclareceu que a demanda não se dirigiria à Revista Veja. Referiu que a expressão “meganha” não teria sido de autoria do jornalista requerido, mas a sua reprodução teria decorrido em razão da publicidade do livro. Mencionou que o pedido indenizatório seria decorrente do “deboche e das acusações” de fatos não provados e contidos na obra literária.

Esclareceu que não teria demandado contra a imprensa à época da ocorrência dos fatos, porque isto ensejaria maior repercussão do caso. Afirmou sempre ter negado ditos fatos que lhe foram imputados. Alegou que a presente demanda teria sido proposta pelo fato de terem reacendido as alegações de envolvimento do autor no sequestro narrado, produzindo-lhe abalo moral e psicológico. Defendeu que na presente obra teria sido expressamente referido o autor como criminoso. Apontou que o texto literário não teria mencionado a decisão absolutória do Tribunal de Justiça, apenas referindo a sentença a quo, assim induzindo os leitores a erro, passando visão errônea dos fatos acontecidos, o que se distanciaria do intuito de relatar a realidade.

Novamente mencionou a suposta omissão proposital da sentença criminal absolutória. Colacionou jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Frisou que não estaria negando a ocorrência do sequestro e de outras restrições à liberdade à época da ditadura. Disse tencionar “que a história seja contada até o final” (quando ocorrida a absolvição), para fins de preservação de sua imagem. Afirmou que diante da absolvição por falta de provas não poderia ter sido referido como criminoso.

Apontou conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito de imagem do autor, fazendo nascer a necessidade de ponderação. Citou doutrina que entenderia que a liberdade de informar não elidiria a responsabilidade decorrente do dolo ou culpa do veículo comunicativo que publicaria informação falsa. Disse não existirem provas quanto à acusação que lhe fora imputada, bem como apontou o acórdão absolutório. Defendeu que a liberdade de expressão, no presente caso, teria ultrapassado os limites do aceitável, atingindo a integridade moral do autor, haja vista que o jornalista réu teria conduzido sua obra de maneira a fazer crer que o demandante seria um criminoso.

Citou o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho. Defendeu a presença dos pressupostos da responsabilidade civil: conduta humana do réu (culpabilidade), nexo causal que teria se produzido pela publicação do livro e dano (danos morais/ emocionais e psicológicos gerados). Impugnou o pedido de oitiva de Lilian Celiberti e Universindo Dias. Requereu o julgamento antecipado da lide.

Oportunizada a produção de provas (fl. 142), o réu Cláudio requereu a produção da oral (fl. 144), ao passo em que o autor se manifestou pelo julgamento da lide no estado em que se encontrava, juntando documentos referentes à demanda indenizatória ajuizada pela Sra. Lilian e Universindo contra o Estado do Rio Grande do Sul (fls. 145/147), tendo a Editora demandada se quedado inerte (certidão de fl. 148).

Das informações processuais juntadas pelo autor, foi dada vista à parte ré (fl. 149), que se manifestou às fls. 151/152, referindo termos já esboçados em peça contestacional.

Deferida a produção de prova oral, foram instadas as partes para apresentar róis testemunhais (fl. 153), não havendo manifestação (certidão de fl. 155).

Instado o jornalista réu para que dissesse sobre o interesse na oitiva das testemunhas arroladas (fl. 156), este veio aos autos reafirmar a intenção pretendida (fl. 158).

Designada (fl. 159) e realizada audiência (fls. 173/194), foi colhido o depoimento pessoal do autor e do réu Luiz Cláudio, bem como inquiridas as testemunhas arroladas. Foram consignados dois agravos retidos por parte do procurador dos requeridos (o primeiro quanto às indagações em relação ao depoimento do autor ; o segundo referente ao não compromisso da testemunha Lilian), sendo mantidas as decisões pelo juízo. Foi declarada encerrada a instrução e convertidos os debates em memoriais escritos.

As partes apresentaram ditas peças (autor, fls. 195/202; réu Luiz Cláudio Fontoura da Cunha, fls. 203/213).

Certificada a não apresentação de memoriais pela ré L&PM (certidão de fl. 215), vieram-me, após, conclusos os autos para sentença.

É O RELATO.

  PASSO A DECIDIR.

Trata-se de apreciar Ação de Indenização por Danos Morais intentada por João Augusto da Rosa contra Luiz Claudio Fontoura da Cunha e L&PM Editores.

Tenciona o autor o recebimento de reparação pecuniária pelos supostos danos causados a sua imagem com a divulgação da obra literária “Operação Condor – O Seqüestro dos Uruguaios – Uma reportagem dos tempos da ditadura”, de autoria do primeiro réu e de publicação pela editora demandada.  

Alega o requerente ter sido absolvido (em Segunda Instância – acórdão de fls. 46/106) das acusações que lhe foram imputadas – referente ao sequestro da uruguaia Sra. Lílian Celiberti Rosas, ocorrido em 1978, época em que a nação brasileira, bem como a uruguaia, estavam imersas em regimes ditatoriais. Assevera que tal julgamento teria sido omitido da obra, intencionalmente, a fim de distorcer a sua imagem. Também aponta a utilização de fotos desprovidas de autorização e de expressões pejorativas quanto a sua pessoa no decorrer da narrativa apresentada na obra.

De outra banda, em sua defesa, o autor da obra, o jornalista Luiz Cláudio Cunha, defendeu o direito (de liberdade) de expressar a versão dos fatos por ele experimentados, levantando questão acerca da não oitiva das vítimas do sequestro relatado à época do julgamento criminal aqui suscitado.

Em sede de contestação, aduz a editora ré que a obra versaria sobre episódio público e notório ocorrido há mais de trinta anos. Referiu que sua atuação se teria limitado à publicação dos fatos segundo a narrativa do autor do livro (primeiro demandado), não tendo sido demonstrado o nexo de causalidade entre este agir e os danos alegados pelo autor.

Pois bem, de início, passo ao exame da preliminar de inépcia da inicial suscitada na peça defensiva do jornalista réu.

Tenho por afastar tal alegação, eis que a exordial preenche os requisitos legais exigidos.

Ainda, em que pese a não expressa remissão de quais seriam as expressões inseridas na obra literária que o demandante teria julgado ofensivas, houve a menção das páginas em que as mesmas estariam contidas (conforme se denota da fl. 11 da peça de abertura processual). Querendo, bastava aos réus folhear o exemplar do livro acostado aos autos (fl. 107) nas folhas salientadas e observar o conteúdo assinalado.

Ademais, a não discriminação pormenorizada das declarações supostamente ultrajantes em nada obstaculizou a defesa esboçada pelos demandados, eis que as contestações apresentadas se mostram bastante qualificadas e coerentes com o que foi lançado na pretensão derradeira.

Por fim, no decorrer da instrução processual ocorreram exemplificações de adjetivações e trechos constantes do livro – que teriam denotação agressiva – que bem calharam para o esclarecimento do tópico aqui levantado.

Também tenho por esclarecer a total plausibilidade de formação de litisconsórcio passivo entre o autor do livro e a editora responsável pela publicação deste na presente ação. Em sendo a circulação de obra literária somente viável por meio do auxílio material (impressão e distribuição dos exemplares) de editora, possível que esta tenha alguma participação no suposto dano ocorrido ao autor, o que, a priori, não pode ser determinado.

Assim, resta mantida a inclusão da editora, bem como do autor da obra, para que durante o desenlace processual seja perquirida a existência de dano advindo de conduta por estes praticada.

Passada a prefacial, passo ao exame do mérito da contenda, já adiantando que não prospera a pretensão esboçada pelo requerente.

Primeiramente, não há que se olvidar as abusividades cometidas pelas autoridades instituídas durante o período do regime militar brasileiro. São inúmeras as compilações históricas e os relatos dos que vivenciaram a etapa em que o país esteve distanciado da democracia. Inegáveis as arbitrariedades, os excessos e as violências infligidas a muitas pessoas. Também não se pode desconsiderar as restrições impostas à imprensa naqueles momentos em que muitos dos direitos irmanados com a dignidade humana e a liberdade foram deixados de lado.

Grandes compositores tiveram músicas vetadas, livros foram impedidos de circular, a imprensa vivenciou ressalvas em suas publicações. A genialidade de muitos dos nossos maiores artistas (Caetano Veloso, Chico Buarque, entre outros) foi restringida por meio do uso da força.

Porém, aqui, não se pretende (e nem se poderia) invadir o espaço da esfera criminal para julgar positiva ou negativamente quem teriam sido os participantes efetivos do triste episódio contado no livro (outro relato pertencente a um tempo “página infeliz da nossa história”, nas palavras do próprio Chico Buarque), até porque tal pronunciamento judicial, é sabido, já veio a ocorrer.

Atento o juízo aos limites da lide, cabe considerar, de início, a existência do direito (e do também dever) da imprensa de bem informar à sociedade como um todo. No tópico, impera o interesse público, prestigiado o direito à informação consagrado nos art. 5º, XIV, e 290, §1º, ambos da Constituição Federal.

O direito à informação e à comunicação vem sendo proclamado como fundamental desde as primeiras declarações de direito, v.g. em “A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789, que em seu Artigo XIX consigna: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Da leitura da obra questionada nos autos, tem-se um relato romantizado e de boa qualidade literária produzido por profissional da comunicação que desenvolveu intensa pesquisa sobre o incidente narrado. Importa salientar que, consoante as próprias palavras do autor, consignadas no livro à fl. 22, toda a narração parte da pesquisa e de sua perspectiva:

Parto de meu testemunho de vida e de minha visão como repórter, mas também construo episódios e cenários conforme me foram contados e descritos pelas personagens da narrativa, que tiveram voz, cara e coragem para me ajudar a reconstruir os acontecimentos.

No mesmo sentido, temos o depoimento do Sr. Ricardo de Leone Chaves, colhido durante a realização de audiência de instrução e julgamento (fl. 192):

T: … acho que o livro todo é uma reportagem muito bem feita, no meu ponto de vista jornalístico, mas sem emitir juízo de valor, ao tempo todo é uma opinião a respeito de um fato que aconteceu, é uma reportagem, … não lembro se tem algum adjetivo que classifique especialmente esta pessoa, mas eu acho que o livro todo é uma bela reportagem sobre um fato importante do estado aqui.

Como bem observou o autor em sede de réplica, está-se diante de dois princípios constitucionalmente protegidos, quais sejam, o direito à liberdade de informação e o direito à honra e à imagem. Ambos, todavia, não são absolutos, possuindo limitações razoáveis, devendo ser harmonizados.

Estes dois postulados, muitas vezes, entram em choque. Há autores que afirmam até mesmo que “a liberdade de imprensa e o direito à imagem a todo o momento estão em conflito, criando então um quadro em que, de um lado temos a sociedade clamando por informações e de outro a invasão e consequente lesão destes direitos” (em A Liberdade de Imprensa e o Direito à Imagem. Sydnei Cesar Silva Guerra – São Paulo: Renovar, 2004).

Frente à colisão de dois importantes preceitos constitucionais, necessário proceder-se à harmonização principiológica, restando ao julgador a parcimoniosa atividade de realizar a ponderação destes no caso concreto.

Sobre o tema, a doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

… ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Isso evidencia, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém; deve o intérprete procurar as recíprocas implicações de preceitos até chegar a uma vontade unitária na Constituição, a fim de evitar contradições, antagonismos e antinomias. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 129-130).

Só se mostram toleráveis as restrições à liberdade de imprensa quando comprovado o abuso de direito, o que não ocorre no presente caso. O texto foi produzido a partir do relato de vítimas, testemunhas oculares, fotografias e investigação, tencionando desvendar os acontecimentos prévios e posteriores ao ocorrido dentro do apartamento nº 110 do número 621 da Rua Botafogo em Porto Alegre.

Aqui, não há que se reconhecer a intencionalidade por parte do jornalista réu de ter escrito esse livro com o exclusivo intuito de ofender a reputação do autor. A pretensão foi clara: a de expor ao público profunda pesquisa acerca de fatos ocorridos em época em que tais informações não poderiam ser publicamente difundidas sem retaliações. Assim, nos tempos atuais, tem-se que a liberdade de manifestação, quando exercida regularmente, não denigre o direito à imagem.

É o que se infere do depoimento do jornalista demandado (fl.181):

J: Mas, então, pelo o que eu estou entendendo, o livro relata o que seria a verdade dos fatos na sua ótica, é isso?

D: … o que houve foi uma sequência de fatos, depoimentos e evidências, que foram se somando e constituindo um conjunto de obra absolutamente irretocável, no sentido de que retrata cabalmente a verdade. Não é um panfleto político, não é um panfleto partidário, é um relato jornalístico, de um repórter que viu a violência e retratou isso nas páginas da revista Veja na época, uma série de reportagens que ganhou os principais prêmios jornalísticos de 79, como Esso, Prêmio Abril, Embratel, e que ao longo do tempo foram desmentidos. … então se somou muitas informações, que se juntaram ao meu depoimento…

O fato de não ser mencionado o julgamento absolutório proferido em Segunda Instância não tem o condão de modificar o mote aqui evidenciado. Mesmo sem a expressa alusão ao julgamento, não se observa o dolo do repórter em atingir a imagem ou a honra do autor.

Neste sentido:

Indenização. Danos materiais e morais decorrentes de ato ilícito atribuído a empresa jornalística. Divulgação não abusiva dos fatos constantes de documento policial. Irrelevante a circunstância de posterior absolvição por falta de provas suficientes. Ausência de propósito doloso ou culposo de ferir a honra do acusado. Notícia que embora não reproduza o auto de prisão em termo técnico, se atém nos limites aceitáveis… (TJSP – 7ª C. Dir. Privado – Ap. 53.138-4 – Rel. Vasconsellos Pereira – j. 20.10.98 – JTJ – LEX 217/88).

Durante toda a narração, muitos nomes (de pessoas) são trazidos à baila. Fotografias, testemunhas e relatos são utilizados com escopo de descrever o episódio que tanto chamou a atenção dos leitores. Não há dizer que o livro foi produzido com intento de humilhar ou constranger os personagens e coadjuvantes citados.

Pode-se observar que a obra abordou as denúncias, notícias e os processos relacionados ao caso (sequestro) que estavam correndo à época. Sobretudo, impõe-se considerar que o jornalista utilizou informações de múltiplos participantes do episódio e de publicações que já haviam sido empregadas em reportagens distintas (vide a documentação juntada às fls. 126/130), que não foram objeto de questionamento ou mesmo de demanda judicial indenizatória.

Assim, referentemente ao pleito de indenização pelo uso não autorizado de fotografias do autor da demanda, tem-se que, pelo que restou apurado na instrução, aquelas que integraram o livro já teriam sido disponibilizadas ao público de há muito, constando de diversas revistas, periódicos e outros, caindo, assim, no que se pode denominar de domínio público.

O próprio demandante, em seu depoimento realizado em audiência, refere que já tinha visualizado tais imagens em momentos e reportagens distintas. Conforme as declarações do autor (fl. 174):

J: Essas fotos que aparecem no livro suas são fotos que o senhor desconhecia ou já tinha visto?
D: Já tinha visto no decorrer do processo, há 30 anos atrás ou mais, não lembro a data, já teria aparecido.
J: Em que locais o senhor teria visto essas fotos?
D: Em jornais, revistas.
J: Todas elas já tinham sido publicadas, então?
D: Sim, senhora.

Dito relato é corroborado pelo depoimento do sr. Cláudio Fontoura da Cunha (fls. 184/ 185):  

J: Essas fotos que aparecem no livro, referindo-se ao João Augusto, foram obtidas em que lugar?
D: Todas elas foram publicadas na época pela revista Veja. Quando eu descrevo de forma muito clara “o homem que me recebeu tinha bigode caindo sobre o canto da boca”. …
J: Sim. Resumindo, essas fotos já foram publicadas anteriormente?
D: Todas elas….

Durante os depoimentos pessoais e oitiva de testemunhas realizadas neste juízo, numerosas alusões são feitas com relação à utilização das informações policiais e investigações em torno do caso já ocorridas em outras ocasiões públicas: “… Isso foi dito na época através das minhas reportagens na revista Veja, na Justiça gaúcha, na CPI da Assembleia, em todas as instâncias de investigação eu repeti, reafirmei e descrevi fielmente …” (fls. 178/179); “… uma reportagem especial para a Zero Hora…” (fl. 180); “… e um repórter que viu a violência e retratou isso nas páginas da revista Veja na época, uma série de reportagens que ganhou os principais prêmios jornalísticos de 79, como Esso, Prêmio Abril, Embratel…” (fl. 181), “… Todas elas foram publicadas na época pela revista Veja…” (fl. 184); “… quando eu fui fazer a reportagem dos 15 anos, em 93, tenho gravado isso, documento da RBS, está a matéria do caderno especial de 08 páginas, editada pelo editor Eduardo Bueno…” (fl. 186); “… levaram para mim dois volumes de seleção de jornais de tudo que havia sido publicado no período…” (fl. 189); “…Eu fiz infinidades de testemunhos, eu voltei a Porto Alegre, fiz um depoimento lá na Assembleia Legislativa no ano 1984…” (fl. 189); “… isso foi muito público, saiu em todos os jornais e fiz uma palestra lá na Assembleia Legislativa; “… uma coletiva na Secretaria de Segurança…” (fl. 191); “… Eu o vi numa entrevista que foi apresentado pelos advogados… (fl. 193). Isso sem mencionar os documentários, as obras e as monografias acadêmicas acerca do tema não suscitadas nos presentes autos.

Também foram acostadas aos autos cópias de reportagens referentes ao episódio (fls. 126/130). Ora, não se mostra razoável que o autor tenha se sentido ofendido de maneira especial com a obra aqui examinada, eis que o incidente abordado proporcionou grande repercussão nacional e internacional, com ampla difusão de informações em momentos múltiplos e por meio de variados veículos de informação.  

Aliás, consigno que das inúmeras personalidades citadas durante a narrativa, somente o autor, ao que se saiba, sentiu-se ferido em seu íntimo a ponto de promover demanda judicial ressarcitória.

Com efeito, não há falar em conduta (culposa ou dolosa) por parte da Editora L&PM, porquanto teve contribuição meramente material no caso, ou seja, a de edição, de impressão e de publicação do livro questionado, não se podendo imputar a ela desígnio de manchar o nome do demandante.

A absolvição criminal por insuficiência de provas, como ocorreu no julgamento do recurso pelo Tribunal de Justiça do Estado, não impede o reexame da culpa e sua demonstração para fins de responsabilidade civil. Tanto é assim que a demanda indenizatória movida pelos Sr. Camilo Casariego, Sra. Francesca Casariego, Sra. Lilian Elmira Celiberti Rosas e Sr. Universindo Rodrigues Diaz em face do Estado do Rio Grande do Sul foi julgada procedente, estando em fase de execução.

Com efeito, não se tolera a possibilidade de limitar a criatividade e a liberdade de escritores que, como o autor, dissertam sobre tema delicado e ainda marcado na historiografia brasileira, sob pena de estarmos igualmente constrangendo o espírito investigativo dos repórteres e de encobrirmos informações necessárias para a fundamentação de nossa consciência crítica.

Recentemente, houve pronunciamento pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF nº130) quanto à denominada Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), em que 7 dos 11 ministros do STF deliberaram de modo a tornar sem efeitos a totalidade da lei ao concluírem que o texto se mostrava incompatível com a democracia e com a atual Constituição Federal. Em tal julgamento, o Ministro Carlos Britto observou que tal legislação teria sido concebida e promulgada num longo período autoritário – os “anos de chumbo” ou o “regime de exceção”, regime esse patentemente inconciliável com os ares da democracia proclamada na atual Carta Magna.

Destarte, a pretensão não prospera, porquanto a obra literária questionada não vai além de uma narrativa dos fatos, com fundo crítico, amparada na liberdade de informação, não se consubstanciando em efetiva tentativa de ofender o demandante.

No ponto, colaciono o julgado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. LEI DE IMPRENSA. Não configura ato ilícito, a ensejar reparação por dano moral, a veiculação de matéria jornalística que não desbordou dos limites do direito de criticar. … Ausência de ilicitude no comportamento da empresa jornalística, pois apenas exerceu o direito de critica que é inerente a liberdade de imprensa. Verba indenizatória indevida. Sentença confirmada. DESPROVERAM O APELO. (Apelação Cível Nº 70025333014, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 25/03/2009)  

No caso dos autos, não se encontra prova de abuso, má-fé ou dolo por parte dos réus, ou seja, a obra não visou exclusivamente a degradar a honra do autor como um dos personagens participantes do relato. De outra banda, todas as fotografias nela utilizadas já seriam de domínio público, conforme, ademais, reconhecido pelo próprio ora demandante.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido contido na ação indenizatória, ajuizada por JOÃO AUGUSTO DA ROSA contra LUIZ CLAUDIO FONTOURA DA CUNHA e L&PM EDITORES, ambos qualificados, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil.

Sucumbente, o autor arca com as custas processuais e com os honorários advocatícios a cada um dos demandados que, ante o trabalho realizado, a celeridade imprimida ao feito e a ausência de complexidade da demanda, nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos pelo IGPM, suspensa a exigibilidade, por ora, ante o benefício da gratuidade de justiça deferido.

Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.

Transitada em julgado, nada sendo requerido, em 15 dias, pelos litigantes, baixe-se e arquive-se.

Porto Alegre, 06 de julho de 2010.

Cláudia Maria Hardt,
Juíza de Direito

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