Segunda leitura

Bachareis enfrentam o polêmico Exame de Ordem

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

4 de julho de 2010, 9h48

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No dia 13 de junho passado a OAB realizou mais um exame, requisito indispensável para a inscrição em seus quadros. Desta vez, regulamentado pelo Provimento 136/2009 do Conselho Federal e com muitas inovações. O índice de aprovações na primeira fase foi baixo, 10,43 %. Os protestos aumentam a cada ano. Em estudo sobre o tema, registra Daiana Santos Silva o conceito de Paulo Luiz Netto Lobo, para quem “o exame da OAB é um exame de aferição de conhecimentos jurídicos básicos e de prática profissional do bacharel em direito que deseja exercer a advocacia”[1]

Ocorre que cada vez mais o teste seletivo aproxima-se dos realizados nos concursos para a magistratura e o Ministério Público, quiçá perseguindo um ideal de que as exigências sejam as mesmas para as três profissões que compõem os personagens do triângulo que define o resultado de um conflito.

Os exames, outrora estaduais, passaram a ter regulamentação única e a serem realizados em um mesmo dia. Aí uma primeira dúvida: será bom um único exame para os futuros profissionais de estados tão diferentes como o Amazonas e Santa Catarina e que, pelas peculiaridades culturais e econômicas, atuarão em causas predominantemente diferentes?

A meu ver, não. A Justiça Federal, com acerto, realiza concursos diferentes em cada uma das 5 regiões. É razoável que o Direito Tributário deva ser exigido mais na 3ª (SP, centro econômico), o Ambiental mais na 1ª (que abrange a Amazônia e o Pantanal), e o Tratado do Mercosul na 4ª. Região (estados fronteiriços).

Superado este aspecto, registre-se que o concurso único exige uma logística de rigor extremo e uma falha em qualquer dos 26 estados poderá gerar nulidade do certame. Mas, neste particular, a escolha da Cespe – Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da UnB dá garantia de idoneidade e a regulamentação feita pela OAB atende, praticamente, a todas as possibilidades de dúvida ou fraude (Edital Exame Unificado 2010.1, de 13/5/2010).

A Cespe, atualmente, realiza a maioria dos concursos públicos dos órgãos federais (por exemplo, IBGE, MPU e CEF). Quem formula questões e as aplica nos concursos públicos é que as fará no exame da OAB. É dizer, a prova da OAB passa a ter outra linha, distante da original preconizada por P. L. Netto Lobo (conhecimentos jurídicos básicos e de prática profissional ).

Esta nova via faz com que o conhecimento jurídico exigido não seja mais o básico e a prática profissional fique para a segunda fase. E entre as duas, são eliminados quase 90% dos inscritos. Por exemplo, sendo a Cespe de Brasília, tenderá a perguntar sobre a jurisprudência do STF. Mas a realidade e o estágio do estudante está ligada ao TJ e às Turmas Recursais. Este é o seu mundo.

Na primeira prova continuam as 100 perguntas objetivas. Todavia, elas não se limitam mais às matérias tradicionais (Constitucional, Penal, etc.). Podem incluir, agora, segundo estudo de Ingrid Schroeder Scheffel, Antropologia, Ciência Política, Ética, Economia, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia[2]

É evidente que estes conhecimentos são relevantes para o advogado. Mas, sendo bem claro, é possível conhecer todos os ramos do Direito e ainda todas estas áreas interdisciplinares?

Prosseguindo, observo que a prova prática não admite qualquer tipo de consulta. Todavia, para evitar arguições de nulidade, as respostas são baseadas na legislação ou jurisprudência consolidada. Vejamos todas as perguntas do Caderno Afonso Arinos que tenham o nº 1. Sete questões são baseadas na Constituição ou lei (1, 11 41, 51, 61, 71 e 91). Uma questão (21), na Carta da ONU. Três na jurisprudência de Tribunais Superiores (31 71 e 81).

Então se conclui que o candidato deve conhecer a CF, a legislação, eventualmente o regulamento (por exemplo, questão 4) e a jurisprudência predominante na cúpula. Sem dúvida, a tarefa é difícil. Imagine-se guardar na memória mais de 2.000 artigos do Código Civil, o Código Penal e 99 leis especiais penais (registro do Código da RT, 2010), todo o CPC com as modificações permanentes, mais outras leis especiais de toda ordem que surgem a cada dia.

Pergunta-se: é razoável exigir de um candidato tantos conhecimentos?

Advogados, como juízes e promotores não precisam ser gênios. Precisam ser éticos, ter conhecimentos básicos e saber como chegar às fontes para resolver os casos que lhe são submetidos. Muitos enveredam para ramos do Direito tão especializados, que necessitam, acima de tudo, saber a orientação de um órgão administrativo (por exemplo, infrações de trânsito/JARI)). Jamais em suas vidas terão necessidade de saber o posicionamento do Tribunal de Direitos Humanos da União Européia ou o pensamento de Max Weber ou Hannah Arendt. Estes respeitáveis autores, essenciais para os pesquisadores nas universidades, não serão a ferramenta de trabalho da maioria dos profissionais da advocacia.

Paralelamente a estas ponderações, discute-se sobre os cursos preparatórios. Atribui-se-lhes uma imagem negativa, porque buscam o lucro. Nisto, nada vejo de errado. Ninguém é obrigado a, neles, matricular-se. Se o faz, é voluntariamente. As falhas na formação do bacharel devem merecer outra discussão, muito mais complexa. Vêm desde a formação familiar, à deficiência do ensino fundamental, a algumas faculdades e, também muitas vezes, pelo descaso do próprio estudante que não se dedicou durante o curso.

Pois bem, em tema tão tortuoso e que leva ao desespero milhares de jovens, é possível chegar-se a algumas conclusões: a) o exame existe desde 1975 e é uma forma de selecionar pessoas habilitadas a advogar; b) a orientação das provas, mais recentemente, tem sido de elevar o grau de exigência a um patamar difícil e, muitas vezes, incondizente com a realidade cultural de nossas faculdades e de nossos estudantes de Direito; c) as perguntas da prova objetiva poderiam ser focadas mais na realidade prática da advocacia, permitindo-se, na primeira prova, a consulta à legislação não comentada (afinal, um advogado a tem no seu escritório), face à dificuldade de memorização dos milhares de textos legais existentes.

É preciso achar o meio termo, o razoável. Se assim não for feito, trilhando-se o caminho de rigor extremo, em desacordo com o padrão médio de conhecimento dos graduados em Direito, teremos um grau de insatisfação cada vez maior e que resultará, mais cedo ou mais tarde, na revogação da exigência do exame da OAB.

 


[1] http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1277).

 

[2] http://forum.jus.uol.com.br/154449/novas-regras-para-o-exame-da-oab-2010/.

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