Gravação em parlatório

Escutas afrontam direito de defesa do acusado

Autor

  • Luíz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM). Mestre e doutor em Direito Penal pela USP. Conselheiro Federal da OAB e foi Presidente da OAB/SP por três gestões.

2 de julho de 2010, 7h56

Ainda hoje se interpreta erroneamente, de forma restritiva, o conceito de sigilo profissional do advogado. Na verdade, trata-se de um dever ético fundamental, que deve ser observado, mesmo sem um pedido formal de confidencialidade do cliente.

Assim sendo, não poderia ser diferente a reação de repúdio veemente da Advocacia diante da revelação da existência de aparelhos de gravação de áudio e vídeo em parlatórios – salas destinadas a conversas reservadas entre advogados e clientes presos – nos presídios federais no Brasil.

O episódio é gravíssimo e afronta a Constituição Federal, que estabelece no artigo 133, ser o advogado “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos da lei”; assim como o Estatuto da Advocacia (Lei Federal). É garantido ao advogado o direito de se comunicar com seu cliente de forma pessoal e reservadamente, quando ele estiver preso, ainda que considerado incomunicável. Quando isso não ocorre a cidadania está sendo usurpada e privada de seus direitos fundamentais.

Quem vê no sigilo profissional do advogado apenas um dever contratual está equivocado, é muito mais do que isso. É um dever ético, uma obrigação voltada à função social de interesse público da profissão. Em síntese, o sigilo é condição essencial para o advogado garantir ao cidadão o amplo direito de defesa e o contraditório.

A obrigação do sigilo profissional do advogado abarca todos os fatos de que ele tenha conhecimento ao longo do exercício profissional e envolve – até mesmo – os casos que não aceitar patrocinar, assim como é extensiva a todos os demais colegas que integrem a sociedade de advogados. Advogado que violar sigilo profissional fica sujeito a processo disciplinar e responde pelo crime de violação de segredo profissional, tamanha a importância que o legislador destinou ao sigilo, que não poder ignorada pelos demais operadores do Direito.

Assim sendo, não se pode aceitar como legal a escuta da conversa entre advogado e cliente nem mesmo com ordem judicial, da mesma forma que repudiamos as invasões de escritórios de advocacia para buscar provas contra cliente nos arquivos dos advogados. Para impedir aquelas invasões, foi proposto o PL 36/2006, que reiterou a inviolabilidade dos escritórios de advocacia. Em nome da liberdade de defesa, o novo diploma legal proibiu que juízes determinassem busca e apreensão em escritórios para colher provas contra clientes. Essa proibição já estava expressa no Estatuto da Advocacia sendo, portanto, reforçada.

Quando alguma autoridade pública afirma que esse tipo de escuta entre advogado e cliente preso é eficiente contra o crime organizado, está-se afrontando o Estado Democrático de Direito, porquanto fala pouco para se justificar que a tortura é eficaz para se evitar crimes. Essa comunicação entre advogado e cliente é tão inexpugnável quanto a confissão do fiel ao padre. Da mesma forma que é inaceitável que o advogado quebre o sigilo e torne pública qualquer informação de que tenha tomado conhecimento em decorrência do exercício de sua atividade.

O sigilo profissional é uma das mais importantes prerrogativas profissionais dos advogados no exercício profissional, mas é muito mais que isso, é fundamental para assegurar as garantias civis do acusado. Assim sendo, a escuta ou interceptação de conversas reservadas entre advogados e clientes são práticas inconstitucionais e criminosas, costumeiras apenas em ditaduras e regimes totalitários, absolutamente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.

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