Limites da consciência

Definir inimputabilidade é desafio para Direito Penal

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31 de janeiro de 2010, 4h56

Uma das grandes dificuldades do Direito Penal é classificar réus como inimputáveis. Não só no Brasil, mas também em outros países do mundo. Na teoria, é bastante simples. O artigo 26 do Código Penal define os inimputáveis como aqueles que, por conta de doença ou deficiência mental, são incapazes de compreender o caráter ilícito do fato. Estes são isentos da pena. Já aqueles que, por conta de perturbações mentais não compreendem inteiramente a ilicitute dos seus atos, a pena pode ser reduzida de um a dois terços. Na prática, no entanto, as coisas são diferentes.

Não há exames eficazes capazes de comprovar com exatidão o discernimento do réu quanto ao crime cometido. “As perícias médicas são feitas em dez minutos”, conta o advogado criminalista Thiago Gomes Anastácio, que faz parte do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Há teorias de que um serial killer, por exemplo, por mais doentia que possa parecer sua atitude, deve ser devidamente punido já que o fato de tentar esconder dos outros os crimes que comete é sinal de que sabe do seu caráter ilícito. “O psicopata é semi-imputável porque compreende parcialmente o que cometeu”, explica o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Consenzo. O chamado psicopata sabe o que fez, mas não vê problemas em sua ação, complementa o advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira. Neste casos, ele é condenado, mas sua pena é reduzida.

Reconhecer, no entanto, quando se está diante de um psicopata continua sendo um grande desafio. Em 1966, Francisco Costa Rocha, que ficou conhecido como Chico Picadinho, matou e esquartejou uma bailarina, sem qualquer motivo aparente. Foi considerado imputável e passou oito anos e dez meses na prisão. Dois anos depois, cometeu o mesmo crime contra uma prostituta. Desta vez, foi considerado semi-imputável, condenado e cumpriu pena máxima. O Ministério Público, então, conseguiu comprovar que Chico Picadinho era um psicopata e ele foi encaminhado para um hospital psiquiátrico. 

Thiago Anastácio cita o caso do Maníaco do Parque, que foi condenado como imputável pelo assassinato de várias mulheres. “Ele estuprava, matava a vítima e no outro dia voltava para ter relações sexuais. Isso não é ação de gente normal.” Depois de cumprir a pena e pagar sua dívida com a sociedade, Francisco de Assis Pereira terá de ser solto.“Ele foi condenado como assassino imputável e, em 15 anos, pode ser libertado.” Para Anastácio, existe uma incongruência na decisão. O advogado acredita que o Maníaco tem consciência dos seus atos, porém não tem controle sobre elas. "É como se existisse um impulso dentro dele que o levava a cometer os estupros", diz. Sua conclusão se dá no atraso presente na legislação, em relação à psiquiatria. Explica que mesmo diante dos evidentes distúrbios mentais, a legislação não possui uma determinação específica para ele, já que o Maníaco tinha consciência dos seus atos. "Ele vai sair e pode voltar a cometer os crimes", afirma.

As medidas aplicadas aos inimputáveis também deixam a desejar. O advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira conta que, uma vez reconhecida a inimputabilidade do réu, ele permanece por tempo indeterminado em tratamento psiquiátrico e passa por exames constantes para detectar a evolução do quadro psicológico. Muitas vezes, passa a vida internado em hospitais psiquiátricos sem poder sair.

Inimputabilidade temporária

 

No meio da confusão sobre imputáveis e inimputáveis, o artigo 27 do Código Penal é o mais simples e facilmente aplicado. Menores de 18 anos são inimputáveis. Aqui, não há discussão. O problema acontece, no entanto, quando um menor comete um crime digno dos chamados psicopatas. Foi o que aconteceu com o garoto que ficou conhecido no país como Champinha. Ele matou friamente um casal de namorados, depois de estuprar a menina, em Embu-Guaçu (SP). Foi enviado para a Fundação Casa para cumprir medida socioeducativa. Três anos depois, prazo máximo de internação, e já maior de idade, ganharia o direito de voltar para as ruas. Por enquanto, o Ministério Público conseguiu provar que o já adulto tem distúrbios mentais e ele está em tratamento em um hospital psiquiátrico.

A discussão sobre quem é ou não inimputável cai em mais uma lacuna: crimes cometidos em momentos de surto psicológico. “Estes são bem difíceis de se avaliar”, diz o advogado criminalista Fábio Tofic. O importante é a capacidade de discernimento do indivíduo no momento do crime. Se ele não estava consciente, por um surto isolado, é visto como inimputável, explica. No entanto, não faz sentido ser encaminhado para tratamento psicológico, já que não possui qualquer transtorno mental. É o caso da mulher que esfaqueou e matou, dentro da delegacia, o homem que estuprou seu filho. De acordo com o advogado Thiago Gomes Anastácio, a atitude foi considerada instintiva e de defesa contra a agressão psicológica que ela sofreu. Ela foi absolvida pelo júri popular.

Thiago Anastácio conta que, nos Estados Unidos, existe o legaly insane para casos assim. Trata-se da absolvição do réu, diante de sua atitude ter sido motivada por provocação psicológica extrema. Ele explica que é como um surto isolado. "É como se uma pessoa chegasse no momento seguinte ao assassinato de sua mãe, perdesse o controle e matasse o assassino", exemplifica.

O artigo 28 fala que não excluem a imputabilidade penal a emoção, a embriaguez voluntária ou a perda da consciência por conta do uso voluntário de drogas, mas, quando o acusado estava sob efeito de remédios no momento do delito que alteraram seu discernimento, ele é visto como consciente parcial dos seus atos. O ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal, Sérgio Salomão Shecaira, conta o caso de um criminoso que conseguiu provar que, quando cometeu o delito, estava em meio a um tratamento com remédios que causavam a perda de discernimento. Por isso, ele foi considerado inimputável. De acordo com o Código Penal, ele deveria ser encaminhado a tratamento psiquiátrico. Porém, quando parou de tomar os remédios, os sintomas desapareceram e ele ficou livre de qualquer medida judicial.

 

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