Ações de massa

Acordo pode ser muito mais proveitoso que ação

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31 de janeiro de 2010, 6h39

Ainda é comum o raciocínio de que fornecedores não devem transigir em demandas propostas por consumidores, sob a escusa de evitar a formação de precedente.

Até se compreende esta forma de pensar, mas para isso, necessário fazer uma rápida viagem no tempo, mais precisamente para o princípio dos anos 90, quando a legislação consumerista ganhou as ruas e passou a ser instrumento de inclusão de cidadania.

Naquela época a formação de precedente era uma preocupação real. Por conta do boom de ações que ocorreu, legítimo pensar que a falta de resistência dos fornecedores implicaria na multiplicação de demandas, algumas legitimamente motivadas e outras tantas não, fomentando a famigerada "indústria das indenizações". O "precedente" era uma preocupação efetiva, mas que com o passar do tempo não vingou.

O consumidor tornou-se mais exigente, as empresas — na maior parte — responderam positivamente a evolução qualitativa do mercado, o respeito às normas protetivas passou a ser uma realidade — que sempre deve ser melhorada — e a propositura de ações voltadas a postulações desonestas e insinceras, consequentemente, tornou-se uma triste realidade, não porque há "precedentes", mas por culpa do mau emprego dos mecanismos legais que acabam por facilitar esse proceder.

Propor uma ação para perseguir o enriquecimento sem causa é e sempre será uma questão de índole e não de "precedente". Aquele que se utiliza dos meios jurídicos para tentar obter dinheiro fácil não se espelha em precedentes, mas na falta de moral e de ética.

É fato que esse tipo de litigante tem todas as oportunidades, contra o notório cerceamento de defesa que a malversação do instituto do dano moral, do CDC e da Lei dos Juizados Especiais provocam à defesa do direito dos fornecedores.

A Lei 9.099/95, por exemplo, que dentre outras providências criou os Juizados Especiais Cíveis, sem dúvida é um importante instrumento para a efetivação da satisfação dos direitos dos consumidores em Juízo, em consonância com os termos do artigo 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), porque permite, nas causas até 20 salários mínimos, que o consumidor proponha a ação independente de estar ou não assistido por advogado, não arcando com custas judiciais, ou honorários de sucumbência caso venha a ser a parte vencida no processo.

Contudo, a malversação dessa "facilitação" introduzida pela Lei 9.099/95 faculta a propositura de ações que não tem por objeto a busca de uma reparação moral ou material legítima, mas que são motivadas pelo interesse do litigante de promover o seu enriquecimento sem causa.

Não sei se é possível afirmar a existência do "litigante profissional", pois me faltam dados estatísticos confiáveis para tal afirmação. Mas não duvido da sua existência, até porque a lei confere àquele que movimenta a máquina do Judiciário apenas para tentar obter uma vantagem econômica a vantagem de que não sofrerá qualquer prejuízo econômico ou sanção caso seja a parte vencida ao final.

O desvirtuamento da intenção da lei por conta desses "litigantes profissionais" teve como consequência imediata o abarrotamento dos Juizados Especiais, que já perderam há muito a sua essência, qual seja, a de promover a rápida e eficiente distribuição da justiça, especialmente aos mais necessitados.

Porém, cumpre observar que não apenas a lei que cria os Juizados Especiais facilita o surgimento desse tipo de litigante, mas também a lei de assistência judiciária. Todos esses mecanismos legais de facilitação de acesso a justiça são necessários e garantidores dos direitos individuais dos cidadãos. Garantir as mesmas oportunidades de acesso ao Poder Judiciário ao hipossuficiente é dever do Estado, inclusive.

Entretanto, é preciso reconhecer que esses mecanismos de garantia têm sido desvirtuados de suas finalidades, permitindo que aqueles que agem com má-fé se valham do instrumento da ação para perseguir o enriquecimento sem causa, sem ônus e riscos dessa atividade, em detrimento da efetiva reparação de um prejuízo, de um dano.

Em alguns casos, essa forma de litigância — de má-fé, diga-se — é agraciada com a "cortesia feita com o chapéu alheio", pela farra autorizada da alegadas hipossuficiência e vulnerabilidade e do princípio da "informalidade" na instrução das "pequenas causas".

Não será absurdo concluir que ao fornecedor, nesses casos, cabe apenas o dever de pagar por indenizações mal intencionadas, sem direito a ampla defesa, porque a interpretação míope da lei retira do consumidor-oportunista o dever mínimo de instruir o processo com razões e provas plausíveis e verossímeis.

Nada disso, contudo, significa "precedente", mas desvirtuamento da lei material e adjetiva.

Diante desse cenário, no qual o sucesso processual do fornecedor é quase uma obra do acaso, transigir numa demanda de natureza consumerista não apenas evita o "precedente", como também barateia os custos que o processo irremediavelmente acaba por ter, ademais quando a ampla defesa é minorada em face de um consumidor presumidamente vulnerável, hipossuficiente e sincero.

Os Juizados Especiais, que são inegavelmente a via de acesso mais rápida e sem custos para os litigantes, espalham-se pelo país e os custos com o acompanhamento de processos, cada vez mais desestimulantes.

Num processo, cujo limite legal alcance os 40 salários mínimos (R$ 18.600), um acordo pode trazer um resultado econômico muito mais proveitoso para o fornecedor, do que investir na perseguição de uma sentença de improcedência.

Claro que isso se aplica a casos e casos. Há aqueles em que o acordo é impensável, quando a hipótese é muito especial e específica (pílulas de farinha, cigarros, etc). Afora esses casos mais evidentes, nos quais o precedente importa, nas demais ações, que são tratadas como de massa, o acordo é uma saída que pode ser economicamente mais viável.

Enquanto não se repensar as vias de acesso à Justiça, que têm sido utilizadas como meio de facilitação do enriquecimento sem causa, prejudicando àqueles que realmente necessitam da prestação jurisdicional, criando-se mecanismos mais eficientes para a constatação efetiva do grau de incapacidade do litigante de arcar com os ônus do processo, de maneira a evitar o mau uso dos relevantes e indispensáveis serviços do Poder Judiciário para a validação de uma sociedade baseada no Estado Democrático de Direito, bem como passando a efetivamente exigir dos consumidores que cumpram, ao menos no que interessa à demonstração do direito, a legitimidade moral da demanda, o acordo nas ações de massa passa a ser um importante fator a ser bastante sopesado pelo gestor do contencioso consumerista.

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