Pacote da discórdia

OAB de São Paulo critica Plano de Direitos Humanos

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30 de janeiro de 2010, 3h44

Decreto 7.037/9, assinado pelo presidente Lula em dezembro para criar o chamado 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, nem ameaçou sair do papel e já soma uma infinidade de críticas. Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, Martim de Almeida Sampaio, o plano é uma “aberração jurídica” e merece ser refeito imediatamente.

O decreto prevê, entre outras coisas, a descriminalização do aborto; a censura à mídia nacional, com a proposta de monitorar o conteúdo editorial das empresas de comunicação e punir os veículos que o governo considerar que violam os direitos humanos; mudança na reintegração de posse em invasões de terra, apontado como estímulo para invasões do MST; e a criação da Comissão da Verdade, com o objetivo de apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985) e ajuizar processos no Judiciário para punir os culpados.

Na última quinta-feira (28/1), o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, admitiu que houve erros na elaboração do programa e que o governo deve voltar atrás em um ponto: a defesa da descriminalização do aborto. A redação do trecho deve mudar. De acordo com o ministro, os recuos são saudáveis na democracia. “A maneira como o aborto está colocada deve ser reformulada. Ela responde a um ponto de vista das mulheres. Essa é uma bandeira feminista”, disse. A nova redação do texto sobre o aborto deve ficar pronta em duas semanas, prometeu Vannuchi.

Para a procuradora do Estado de São Paulo e estudiosa dos direitos humanos, Flávia Piovesan, o programa nada mais é que o reflexo das complexidades da realidade brasileira no campo dos direitos humanos. Já Almeida Sampaio, da OAB, acredita que as inúmeras polêmicas só confirmam que as soluções apontadas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos não foram suficientemente debatidas e não passaram pela devida reflexão do povo brasileiro. Para ele, o programa é positivo em muitos tópicos, mas traz insegurança jurídica em outros, como quando, por exemplo, propõe que um juiz de Direito decida sobre uma reintegração de posse a partir de uma audiência pública, instituindo uma espécie de “justiça popular”. “Essa proposta passa por cima de outras instituições e é inadmissível num Estado Democrático de Direito, com instituições sólidas.”

Sobre a Comissão da Verdade, o advogado afirma que ela precisa ser melhor detalhada para afastar o que vem sendo compreendido como “revanchismo pelos militares”. Para ele, essa comissão será criada em vão. Sampaio sugere que o presidente Lula simplesmente revogue decreto que garante sigilo aos documentos da época da ditadura. “É uma medida muito simples." Ele também lembra que a OAB já está no Supremo Tribunal Federal questionando a anistia para os torturadores. "Basta o Poder Judiciário se posicionar.”

Para o advogado, medida “abominável” são as licenças ambientais que poderão ser emitidas com controle de sindicatos. Ele esclarece que sindicatos são órgãos classistas e não têm capacidade técnica e específica para tal atribuição. “Não é demérito, mas não conheço nenhum sindicato com capacidade para dar um parecer ambiental.” Para por fim a essas contendas, o advogado sugere que haja um amplo debate nacional sobre cada um dos complexos temas contemplados pelo plano.

A OAB Federal já divulgou nota afirmando que consultará sua Comissão de Direitos Humanos para fazer um parecer sobre o Decreto 7.037/09. Com o estudo pronto, o Conselho Federal da entidade deverá fazer uma manifestação definitiva sobre a questão. Consultada pela Consultor Jurídico, a OAB explica que ainda não se posicionou por conta da troca de direção na entidade.

Sim à diversidade
A procuradora Flávia Piovesan comemora pelos menos um ponto do decreto. O programa mostra o seu apoio à união civil entre pessoas do mesmo sexo, assegurando os direitos dela decorrentes, como adoção de crianças, como tem acontecido nos países desenvolvidos. Flávia lembra que, em 2008, a Corte Europeia de Direitos Humanos, de maneira inédita, condenou a França por ter impedido uma professora francesa, que vive com sua companheira desde 1990, de fazer uma adoção. A corte entendeu que houve afronta ao direito de igualdade e reforçou a proibição da discriminação.

Segundo a procuradora, desde 1996 essa corte tem dado decisões reiteradas que repudiam práticas discriminatórias baseadas em orientação sexual, por constituir flagrante discriminação e indevida ingerência no direito ao respeito à vida privada, injustificável em uma sociedade democrática. Flávia ainda lembra que, no último dia 8 de janeiro, Portugal virou o sexto país da Europa a permitir casamento entre homossexuais. Aceitam a união gay Bélgica, Holanda, Espanha, Noruega e Suécia.

Para Flávia, mesmo com diversas falhas, o plano do governo Lula desde já presta uma especial contribuição, pois amplia e intensifica o debate público sobre os direitos humanos, “acenando a ideia de que não há democracia, tampouco Estado de Direito, sem que os direitos humanos sejam respeitados". 

Clique aqui para ler o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos

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