Lugar ao sol

OAB deve regulamentar participação de pequenos escritórios

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30 de janeiro de 2010, 17h09

Os pequenos escritórios exercem fundamental papel no acesso aos direitos e ao Judiciário. A rigor, falta um critério técnico para se definir o que seria um pequeno escritório (se pelo faturamento ou pelo número de advogados), porém vamos usar aqui o critério de até cinco advogados integrantes da banca, principalmente na área cível. Na área criminal ainda é normal uma personalização, quase que individualizada, do advogado. Com isso podemos afirmar que provavelmente 80% dos escritórios de advocacia ainda atuam desta forma, em um modelo de trabalho mais artesanal do que gerencial.

Estes escritórios espalham-se pelas cidades e bairros mais distantes e fazem um atendimento descentralizado que permite a inclusão social e direito de escolha por parte do cliente. Notoriamente são muito mais importantes para a população do que a maioria dos grandes escritórios, muitos destes ainda com visão palaciana e aristocrática de justiça, os quais acabam focando em pessoas jurídicas e pessoas físicas com alta renda (classe A1).

No entanto, falta uma política para estruturação aos pequenos escritórios. A última pesquisa que a OAB fez foi em 1996 (parece que foi a primeira e única) e não tinha centrado o foco nos pequenos escritórios. Nos Estados Unidos o próprio governo estimula estes pequenos escritórios em bairros distantes, o que é conhecido como Programa Escritórios de Vizinhança.

No Brasil, parece que parte da OAB, integrada por advogados com mercado já assegurado, ainda vê os pequenos escritórios como uma espécie de concorrentes, principalmente se atuarem através de mecanismos de popularização e conseguirem um crescimento que possa mudar os paradigmas, como os planos de assistência jurídica (comuns na Europa e Estados Unidos).

Somos o terceiro país do mundo em quantidade de advogados por habitantes, ficamos atrás apenas da Índia e dos Estados Unidos. Temos uma média de um advogado para cada trezentos habitantes (Isso varia para cada Estado, por exemplo em SP é um advogado para cada 150 Habitantes). Ora, se temos oferta e temos demanda, o que estaria dificultando o acesso ao serviço? Afinal, advogados reclamam que não têm cliente e clientes reclamam que falta advogado. É fácil identificar o que estaria criando estes obstáculos, basta observar as regras.

As Classes sociais E, D e C, conforme critérios do IBGE, estão tendo sua renda aumentada anualmente e desejam consumir produtos e serviços. Noutro giro, pesquisas do Instituto Análise demonstram que os pobres querem é menos servidor público e menos impostos para que possa ter mais dinheiro livre para gastar. Logo, precisamos repensar este modelo de estatização de assistência jurídica, o qual deve ser subsidiário e sem substituição processual ou do direito de escolha, pois advogado é relação de confiança. Em regra, a assistência jurídica deve ser uma iniciativa privada.

A pergunta é: quem pode pagar um advogado? Será que quem recebe três salários mínimos pode pagar um advogado? Ainda que parceladamente? Por exemplo, a Tabela de Honorários da OAB do Rio de Janeiro estipula que o valor mínimo de uma Consulta VERBAL é de R$ 600,00. Está este valor condizente com o mercado ou acaba sendo um meio de evitar que novos advogados consigam entrar no mercado?

Conforme regras da OAB, sem previsão legal, mas apenas em seus atos administrativos, um escritório de advocacia não pode fazer publicidade real e em hipótese alguma usar a TV e rádio para tal, nem mesmo se organizar em cooperativa e nem cobrar abaixo da tabela de honorários fixada pela própria OAB. Em muitos países isso já não existe mais.

Ou seja, se seguir a regra, no Rio de Janeiro ( e em outros Estados também), ou cidadão paga R$ 600,00 por uma consulta verbal ou vai para a Defensoria Estatal, o que acaba criando uma espécie de duopólio, impede a concorrência, a livre escolha, onera o Estado em nome de se beneficiar os carentes, mas estes não estão sendo beneficiados.

Os Escritórios pequenos não podem ser impedidos de exercer o seu papel político de transformação social e nem deixarem de exercer sua função social.

As cooperativas não são entidades comerciais, pois previstas no Código Civil, e são uma excelente forma, de redução de custos, sistema que mais cresce no mundo e facilita entrada no mercado de trabalho. As cooperativas apenas são registradas na Junta Comercial, mas interpretando o Estatuto da Advocacia bastaria que fossem registradas na OAB. Logo, a OAB não poderia vetar as mesmas.


Aliás, foi assim que se permitiu a figura da criação do advogado associado, a qual inexiste na Lei 8906-94, mas foi criada pelo Regulamento Geral da Advocacia (norma da OAB). Então, a Lei 8906-94 não é a única forma de reger as estruturas advocatícias. Novamente os grandes escritórios foram beneficiados, pois ficaram livres dos encargos trabalhistas e também da incömoda necessidade de se ter como sócio alguém estranho. Dessa forma, criou-se, por regulamento, a figura do “advogado associado”, sem direitos trabalhistas e sem a segurança da estabilidade no escritório.

Também existe a figura do “sócio” com menos de 1% de cotas, o que indica ser mais um empregado sem direitos do que efetivamente um sócio.

Diante deste cenário o jovem que se forma e passa no Exame da OAB enfrenta um grande desfio que é ocupar espaço no mercado, sem poder fazer publicidade, sem atender publicamente, com uma tabela alta para muitas cidades, assim após algum tempo resta apenas duas opções: fazer concurso público ou trabalhar para algum escritório já estruturado (mas sem piso salarial, sem garantias trabalhistas e sem ser sócio), afinal não consegue ser profissional liberal para concorrer com os escritórios mais antigos em razão de regras impostas pela OAB.

Sofre ainda a concorrência da “familiocracia” em que filhos de advogados mais antigos podem usar os sobrenomes e nomes até mesmo depois do falecimento dos genitores, enquanto os demais devem iniciar do zero. A Lei 8906/94 proíbe que se use nomes empresarias como fantasias. E isto acaba beneficiando novamente quem já tem escritório mais antigo (art. 16, §1º, do Estatuto da Advocacia).

Praticamente quase 80% dos Julgamentos pelos órgãos da OAB referem-se a questões de publicidade, captação de clientela e pagamento de anuidade. Há poucos julgamentos sobre qualidade técnica do advogado. Ou seja, a OAB foi criada na década de 30 para fiscalizar a qualidade dos serviços advocatícios e atualmente acabou se tornando um Tribunal Anti-Publicidade e Anti-concorrência.

Lado outro, estes pequenos escritórios acabam sofrendo efeitos de uma concorrência com a Defensoria, a qual pode fazer publicidade, atender sem comprovar a carência e atuar em nome próprio, enquanto eles não.

Sem dúvida é importante o trabalho da Defensoria, mas sem monopólios e sem que os pequenos escritórios de advocacia sejam impedidos de exercer a sua profissão e ter os mesmos direitos e prerrogativas que a Defensoria.

Por exemplo, no dia do Aniversário de São Paulo a Defensoria fez atendimentos em praça pública, mas se um escritório de advocacia fizer isto, ainda que gratuitamente, certamente será processado por captação de clientela, mercantilização e outros termos bem subjetivos.

Não se trata de uma crítica à OAB, mas apenas uma constatação, afinal o fato de a função de Conselheiro da OAB ser não remunerada e ocupar grande parte do trabalho, acaba isso impedindo que advogados de pequenos escritórios e advogados empregados (privados, ou seja, de outros advogados) participem da importante Corporação Profissional. Dessa forma, acaba sendo comum que temas de interesse dos grandes escritórios ou de categorias de advogados públicos acabem prevalecendo, pois estes integram em maioria os órgãos diretivos da OAB. Por exemplo, nenhum escritório de advocacia que atende pobres foi invadido pela policia, logo a blindagem dos escritórios era um tema de interesse de escritórios maiores. Porém, temas como definir qual o carente a ser atendido pela Defensoria, pois tem invadido o mercado dos pequenos escritórios, isto não tem sido uma prioridade, ao menos ostensivamente. Outro fato também que não há um movimento por parte da OAB para que se fixe o piso salarial do advogado empregado, pois quem pagará será o advogado patrão e provavelmente ocupa cargos diretivos na OAB.

Em vez de criar barreiras concorrenciais talvez fosse melhor que a OAB criasse mecanismos para avaliação permanente dos advogados a cada dez anos na função, uma espécie de Exame Periódico da OAB, bem como criação das especialidades na advocacia como existe na área médica no Brasil, bem como na advocacia em Portugal desde 2004, além de implantar meios similares ao ISO.


Também deveria a OAB oferecer gratuitamente serviço de assessoria em gestão em escritórios de advocacia aos interessados.

Outrossim, um dos problemas é que a Defensoria concorre com os pequenos escritórios, mas não com os grandes, logo parece não haver uma prioridade da cúpula para resolver esta questão. A Defensoria pode e deve ocupar o seu espaço, mas não é crível que regras impeçam os pequenos escritórios de atuarem e atenderem os carentes.

A Defensoria pode atender por telefone (número 129), mas o advogado privado, em tese, não pode ter tele-atendimento, conforme regra da OAB. Noutro giro, os integrantes da OAB podem aparecer na mídia, mas os demais advogados não. Nem mesmo podem os advogados privados podem divulgar o seu trabalho e resultados ou cursos, pois é considerado “captação” de clientela ou mecantilização.

No Canadá a maioria dos canadenses trabalha 140 horas gratuitas e voluntárias na área social. Nos Estados Unidos a BAR (OAB de lá) estimula os advogados a exercerem a advocacia probono e até que divulguem isso, sendo em geral 50 horas ano por advogado. No Brasil se algum pequeno escritório fizer isto pode ser processado, pois seria captação de clientela. Os grandes escritórios dizem que fazem advocacia social, mas ninguém fica sabendo para quem e como, e nem se fazem mesmo.

Se algum advogado almeja fazer advocacia de movimentos populares teria que seguir a mesma regra dos escritórios elitistas e aristocráticos. Ora, dessa forma jamais teremos uma advocacia transformadora. E não faz sentido se criar monopólio de pobre pelo Estado, o que agravado, pois náo se define pobre pela renda, mas sim pelo fato de poder pagar, ou náo, um advogado particular à vista, conforme tabela da OAB, a qual entende no Rio de Janeiro que o valor mínimo da consulta verbal deve ser de R$ 600,00. Ora, quantos médicos no Brasil cobram esse valor de consulta?

Apesar de não haver regra expressa na Lei 8906-94, a OAB através do Código de Ética estipulou que se algum advogado quiser atender um pobre e abaixo da Tabela (em tese até mesmo gratuitamente) deve fazer um pedido prévio à Seccional na Capital e aguardar a autorização. Esta norma praticamente impede o atendimento aos carentes pelo advogado privado. Talvez fosse melhor que se definisse um critério para caracterizar o estado de carência com renda familiar não superior a dois ou três salários mínimos, bem como outras medidas de necessidade como doença grave e com tratamentos caros.

Por outro lado, tem se observado que a Defensoria alega falta de pessoal e recursos, mas tem atendido matérias que não são prioridades para carentes como pessoas que viajam de avião, temas de natureza ambiental, política, inclusive apostilas sobre crucifixos. Inclusive nos processos judiciais que a Defensoria atende não se tem informação acerca da renda do cliente ou seu núcleo familiar. Há casos em que nem juntam declaração de carência. Ou seja, tem prevalecido um modelo em que o Defensor é que passa a mandar nas prioridades do cliente em vez deste estabelecer as prioridades e sem opção de escolha, em um modelo excessivamente intervencionista e que existe apenas na América Latina.

No modelo atual, os pequenos escritórios estão asfixiados e muitos estão fechando as portas, em razão da concorrência com a Defensoria de um lado e as normas regulatórias feita pela OAB, do outro lado.

Portanto, observa-se que existe um conflito de interesses entre as posições de advogados, sendo que a OAB precisa resolver isto, talvez criando vagas específicas para serem ocupadas na OAB por advogados empregados privados e advogados de pequenos escritórios. A advocacia liberal de outrora, já é atualmente uma advocacia de classes internas e isto precisa ser analisado mais profundamente (conflito de classes dentre da classe da advocacia). É preciso reestruturar a OAB para que amplie a sua representatividade de classe e tenha espaço para todas as vertentes do exercício da advocacia, notadamente para incluir os pequenos escritórios e os advogados empregados de outro advogado, além de melhor regulamentar os direitos do advogado associado e em especial do Jovem Advogado, o que permitiria um maior acesso do povo ao advogado privado. 

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