Além da polêmica

Repercussão Geral não traz utilidade prática

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29 de janeiro de 2010, 11h01

A Repercussão Geral é um requisito a ser observado para interposição de Recurso Extraordinário, o qual é interposto contra decisões que, em suma, contrariam a Constituição Federal.

O instituto da Repercussão Geral do tema, previsto no artigo 102, inciso III, parágrafo 3º da Constituição Federal, sempre foi objeto de discussão entre os profissionais do direito. A discussão reside no fato de tal requisito limitar a interposição do Recurso Extraordinário.

Para melhor compreensão, o instituto da Repercussão Geral tem o condão de levar ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, apenas Recursos Extraordinários que tratam de matérias com relevância social, política ou econômica.

Entretanto, a necessidade de demonstrar que a matéria abordada em RE não seja de interesse apenas das partes litigantes, mas de interesse da social, político ou, ainda, seja de interesse econômico, não é simples, além de ser bastante subjetiva.

Temos, então, a discussão da inconstitucionalidade deste instituto por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade — 4175, 4149, 4371 — bem como de sua utilidade e aplicabilidade em artigos disponíveis em sites de pesquisas, e em tantas outras publicações.

Algumas ADIs já foram julgadas, mas a inconstitucionalidade da Repercussão Geral não foi analisada pelo Supremo, ora porque a petição inicial da ADI foi indeferida, ora porque foi reconhecida a ilegitimidade do requerente que ingressou com a ação.

Ocorre que o instituto foi incluído na Constituição Federal há anos e passou a ser exigido nos REs interpostos a partir de 3 de maio de 2007, mas não trouxe muita utilidade prática porque os objetivos visados com a introdução desse pressuposto de admissibilidade do RE não foram alcançados.

O objetivo da repercussão geral é, além de submeter ao STF a análise de questões constitucionais com relevância social, política e econômica, uniformizar a interpretação constitucional.

Na prática, não há como se ter a dita delimitação ou uniformização do entendimento constitucional, visto que os juízes e desembargadores não estão obrigados a acompanhar o entendimento jurisprudencial da Corte Suprema e, até mesmo, a apreciação dos casos práticos leva a entendimentos diversos.

Para melhor visualização da problemática podemos citar o artigo 100 da Constituição Federal, o qual prevê que os precatórios serão pagos em ordem cronológica. Então, se um cidadão ingressa com uma ação porque foi pago o crédito de outra pessoa que estava em lugar posterior na dita ordem de precatórios, em detrimento do seu, caso o juiz e desembargadores não lhe confiram o direito a receber o crédito, é bem possível que este cidadão, ao interpor RE, tenha seu recurso denegado, porque a matéria discutida nos autos é de interesse apenas intrínseco às partes que demandam em juízo, especialmente do cidadão que tem direito ao crédito, mas não o recebeu.

Entretanto, se for possível demonstrar que as decisões foram proferidas com abuso de poder, ou, ainda, porque o órgão federal, estadual ou municipal, na verdade, não feriu a ordem de pagamento dos precatórios, mas não o pagou por falta de recursos, certo é que a matéria passará a ter relevância social, política e/ou até mesmo econômica.

Temos, então, que a análise da Repercussão Geral nas matérias recursais é demasiadamente subjetiva e, por isso, muitas vezes limita a interposição do RE – que poderia ser a derradeira opção do cidadão fazer valer seu direito.

Tal delimitação esbarra, então, no exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, princípios previstos no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, e que significam que todos têm direito, em processos judiciais ou administrativos, a realizar o contraditório – apontar pontos de divergência – e a ampla defesa.

Ora, o contraditório e a ampla defesa são princípios inseridos no capítulo que trata dos direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão, são de interesse individual e coletivo, além de estarem entre as ditas cláusulas pétreas de nossa Carta Maior, o que significa que não podem sofrer alterações – a não ser por plebiscito. Nesse contexto, é inegável que os princípios da ampla defesa e do contraditório devem ser resguardados em qualquer situação.

Ao lermos o preâmbulo da Constituição Federal verificamos que esta foi promulgada pelos cidadãos brasileiros com o fito de “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Neste caso, tudo que da Constituição Federal consta é de relevância social, visto que é um conjunto de princípios e institutos que caracterizam o Estado Democrático, e tudo ali disposto deve ser sempre protegido.

Portanto, sendo a proteção da Constituição Federal de relevância social e, ainda, dever do Supremo Tribunal Federal resguardá-la, certo é que havendo qualquer indício de que a Constituição Federal foi violada cabe à Corte Suprema apurar.

Por fim, é salutar notar que o instituto da Repercussão Geral não viola apenas princípios constitucionais, mas, também, vai de encontro com a própria função do Supremo Tribunal Federal como guardião de nossa Carta Maior, uma vez que deve apurar qualquer indício de que esta foi violada.

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