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Arbitragem impulsiona negociação das partes

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29 de janeiro de 2010, 6h36

Os ADRS — Sistemas Alternativos de Solução de Conflitos, em português: MASCs, Métodos Alternativos de Solução de Conflitos — são siglas de um movimento que propõe um novo tipo de cultura na solução de litígios, divergente do antagonismo agudo dos clássicos combates entre o autor e réu no Judiciário e mesmo no processo consensual. É também diferente da arbitragem, pois tem maior centralização nas tentativas para negociar, harmoniosamente, a solução desses conflitos. É, em certo sentido, em realidade, direcionado à pacificação social, quando visto em seu conjunto, em que são utilizados métodos cooperativos.

Tais métodos compreendem:

1) A negociação direta entre as partes, evidentemente, o mais eficaz e radical método para solução de quaisquer problemas, pois, em primeiro lugar, sendo personalíssimo, preserva a autoria e a autenticidade dos negociadores na solução de seus próprios conflitos, não existindo nada mais adequado e duradouro do que uma solução autonegociada;

2) Após, surgem os métodos que, embora tenham a negociação como base, aproveitam a participação de terceiros facilitadores, que auxiliam as partes a atingir o estágio produtivo das negociações e a chegarem a um acordo.

A mediação, a conciliação e as diversas combinações desses métodos constituem, por assim dizer, os ADRS ou MASCs.

Muitas vezes, as partes envolvidas em negociações, tentando superar conflitos, sem utilizar os métodos adversariais estruturados, não conseguem desenvolver processos eficazes, superar as barreiras psicológicas que impeçam o acordo, ou desenvolver suas próprias soluções integradas. Necessitam de ajuda para solucionar, harmonicamente, essas diferenças. Tal ajuda vai desde a informação e o treinamento prévios das técnicas de negociação até a participação de um terceiro neutro, que atua como organizador e facilitador para as partes chegarem, por elas próprias, a um acordo negociado, através da mediação. Pode tratar-se também do auxílio de peritos ou experts neutros na avaliação do problema e na sugestão de rumos para a composição, como nos mini-trials. Ou, ainda, a delegação pelas partes a um ou mais árbitros da responsabilidade pela emissão de uma sentença, a qual as partes se obrigam fielmente a cumprir. O último método se insere no espaço alternativo da arbitragem, pois substitui a etapa de cognição do processo judicial, através de um método, certamente, mais rápido, informal e flexível.

Também é comum nos contratos as partes celebrarem cláusulas escalonadas, em geral, fixando períodos de tempo para isto acontecer. Há fases para tentativas de negociação direta entre elas, e alguma modalidade de mediação logo após, antecedendo a arbitragem, que só se realiza se a mediação não atingir seus objetivos, que é o acordo entre as partes.

Neste sentido, existe no jargão desses sistemas os métodos mistos, dentre eles a MED-ARB, método pelo qual se inicia a mediação atuando um terceiro neutro, como mediador. Não sendo resolvido o conflito, ele passa a atuar como árbitro.

Este método, nesta acepção, pode gerar certa insatisfação, inclusive aos usuários e seus advogados, pela atuação da mesma pessoa como mediador e árbitro, mediante uma simples “troca de chapéu”. Essa troca pode sugerir inibição inicial das partes ante o mediador, por saberem que o mesmo poderá vir a atuar como árbitro.

Então, para solucionar esta inibição, há uma variação, denominada no sistema norte-americano como Med-then-Arb, na qual se utilizam neutros diferentes. No entanto, neste caso, com críticas também para a perda da vantagem obtida acerca do conhecimento que o mediador e, após, árbitro único, teria adquirido do caso.

Em verdade, a MED-ARB, em sua acepção clássica ou variações, é interessante pois pode ser utilizada em todos os casos em que as partes estejam procurando uma solução definitiva e compulsoriamente exigível para sua controvérsia. Caso, como poderá ser, seja o acordo homologado pelo árbitro como — como previsto no artigo, 21, parágrafo 4º da Lei de Arbitragem, referido a seguir — acordo arbitral, bastando para isto que subscrevam um acordo que preveja a aplicação deste método.


Possibilidades compositivas
Os franceses, em especial, consideram a arbitragem, acertadamente, um método fora das alternâncias extrajudiciárias para a solução de conflitos. Um método que é, assim, ainda adversarial, pois a arbitragem não prescinde do contraditório, já que a função da emissão das sentenças arbitrais é delegada pelas partes a um ou mais árbitros, que exercem essa função sem estarem investidos para tanto de poderes pelo Estado. No entanto, essas decisões são emitidas imantadas por certa dose de jurisdicionalidade, pois tais sentenças equiparam-se às judiciais e podem ser executadas como títulos executivos judiciais. Além disso, as sentenças são reconhecidas e executadas por outros Estados fora do território daqueles em que são exaradas.

A arbitragem, sabemos, é um método de solução de controvérsias, previsto entre nós na Lei 9.307/96, a Lei de Arbitragem, envolvendo de um lado o consenso entre as partes e, de outro, certo grau de jurisdição. Neste último, as partes delegam a terceiros a solução de suas controvérsias. Agindo estes terceiros, que são os árbitros, como julgadores, não investidos desta função pelo Poder Público, mas sim pela escolha e o ajuste contratual entre as partes. No entanto, suas sentenças têm valor de coisa julgada e, para este efeito, o artigo 18 da Lei de Arbitragem dispõe ser, o árbitro, juiz de fato e de direito e a sentença que proferir não está sujeita a recurso[1] ou homologação pelo Poder Judiciário.

Os redatores da Lei de Arbitragem previram, no parágrafo 4º do artigo 21, competir ao árbitro ou ao tribunal arbitral — que é o conjunto dos árbitros nomeados para julgar por arbitragem — “no início do procedimento, tentar a conciliação[2] das partes, aplicando-se, no que couber, o artigo 28 desta lei.”

Diz o artigo 28 que, “se no decurso da arbitragem as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o árbitro ou tribunal poderá, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do artigo 26 desta lei[3].”.

A arbitragem comporta a modalidade de ser feita por equidade, a critério das partes, nunca em contrário à lei aplicável, mas sim, quando conveniente, em benefício da melhor Justiça, fora da estrutura legal dos ordenamentos jurídicos estatais. Deve perseguir um ideal medieval que deu surgimento à “equity” na common law, em que, na ausência de competência — autolimitada — dos tribunais reais ingleses, o Lord Chancellor e seus assistentes respondiam às consultas dos não assistidos judicialmente, resolvendo suas controvérsias através de cartas denominadas “decretos de equidade”.

As partes baseiam a arbitragem em posições por elas ajustadas livremente, envolvendo uma miríade de pontos a serem negociados. Primeiramente, o próprio contrato em que se insere a convenção arbitral — a cláusula compromissória —, que pode ter formatos e dispositivos mais ou menos abrangentes e detalhados e mais ou menos complexos. Depois, as várias etapas que deverão ser, a seguir, desenvolvidas; a escolha e contratação dos árbitros, a redação do compromisso arbitral, que pode, aliás, ser a etapa inicial do procedimento arbitral, quando as partes não tiverem convencionado a arbitragem anteriormente. A escolha da lei de regência — lei de fundo — é a disposição eventual para que os árbitros possam julgar por equidade, ou como “amiable compositeurs”; as etapas de desenvolvimento ou produção de provas, perícias, etc. A arbitragem observa uma estruturação de contrato privado, dando margem a grande flexibilidade de escolha das partes.

Existe uma tendência em tratar a equidade, aplicada pelos árbitros, como quando eles são autorizados pelas partes a atuar como "amiables compositeurs" — em espanhol: "amigables componedores", em italianao: "compositori amichevoli", em alemão: "Schiedsrichter" e em inglês: “ex aequo et Bono”.


Na verdade, as cláusulas infracontratuais, na arbitragem, permitem ao árbitro decidir a disputa de acordo com princípios legais que acreditar mais justo, sem se limitar a qualquer lei nacional. É o que traz a particularidade de que as sentenças, daí resultantes, sejam frequentemente baseadas na “equity” ou na chamada “lex mercatoria”, em que os usos e práticas dos costumes do comércio internacional se colocam em benefício da solução da contenda.

As cláusulas para a atuação dos árbitros como “compositores amigáveis” que buscam trazer a suavização, por meio de um tratamento menos formal, ao conflito, evitando tecnicalidades e construções rígidas, estão expressamente permitidas de acordo com o artigo 28 parágrafo 3 da Lei Modelo da UNCITRAL, aAssim como em outras regras procedimentais internacionais e domésticas.

Dois processos arbitrais, em que fomos chamados a atuar como árbitro, serviram ao propósito de apontar, quase pressionar a via para a negociação das partes. A intenção foi motivada pelo valor envolvido, os custos da arbitragem e uma ou outra característica que imporia a uma das partes discutir, fora da arbitragem, a aplicação de multas vultosas. A multa era em razão do descumprimento de prazos para a construção de grandes obras de concessão de serviços delegados pelo Estado.

Portanto, deve-se levar em consideração que, quando as partes ingressam na arbitragem, estarão mais distantes de adotarem técnicas de cooperação e entendimento que as levem à solução pessoal. Tampouco, predispostas a cumprir uma decisão imposta ao conflito. Entretanto, o método é permissivo às tentativas das partes e, principalmente, dos árbitros imbuídos da boa fé e da ideologia da solução pacífica de conflitos, que não persigam o litígio como método.


1. Embora comporte correção de erro material e pedido de esclarecimentos — Artigo 30, Lei de Arbitragem — e sua nulidade possa ser alegada em ação direta, nos casos previstos no artigo 33 “caput” da Lei de Arbitragem, ou em embargos à execução, segundo o Artigo 33 parágrafo 3º da Lei de Arbitragem.

2. Em livro que escrevi, “Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem” – Editora Lúmen Júris, RJ, tentei dissociar os conceitos de conciliação e mediação, fazendo agora notar que, entretanto, eles guardam entre si uma certa fungibilidade para alguns efeitos. Para evitar continuar a aditar ou mesmo comentar o que escrevi, sirvo-me da fórmula mais fácil, a de copiar: “Especialmente no exterior, em algumas legislações e em regras de algumas entidades administradoras de métodos alternativos e arbitragem, o termo conciliação é utilizado como sinônimo de mediação. No Brasil a expressão conciliação tem sido vinculada principalmente ao procedimento judicial, sendo exercida por juízes, togados ou leigos, ou por conciliadores bacharéis em direito, e representa, em realidade, um degrau a mais em relação à mediação, isto significando que o conciliador não se limita apenas a auxiliar as partes a chegarem, por elas próprias, a um acordo, mas também pode aconselhar e tentar induzir as mesmas a que cheguem a este resultado, fazendo-as divisar seus direitos, para que possam decidir mais rapidamente. No processo civil, conforme o artigo 125 do CPC, com a modificação consistente no acréscimo do inciso IV, pela Lei 8.952/94, ficou prevista a tentativa de conciliação das partes pelo juiz, a qualquer tempo.

3. O artigo 26 da Lei de Arbitragem dispõe sobre os requisitos obrigatórios da sentença arbitral.

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