Destino incerto

Contribuição ao Incra é inconstitucional

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27 de janeiro de 2010, 5h12

Recentemente escrevi artigo enaltecendo o brilhantismo do posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no julgamento da Apelação Cível 2005.70.00.016118-4, em que foi relator o ilustre desembargador Otávio Roberto Pamplona.

A questão foi bem analisada pelo tributarista e juiz federal Leandro Paulsen, quando manifestou a sua divergência com a posição exarada pelo desembargador.

A conclusão foi pelo provimento, por maioria, do recurso do contribuinte, eis que a contribuição ao Incra pode ser enquadrada como uma Contribuição de Intervenção ao Domínio Econômico e que, nestas condições, não foi recepcionada pela Emenda Constitucional 33/01, e que não atende ao requisito da referibilidade, essencial para a instituição e cobrança das contribuições.

Logicamente, em decorrência do provimento por maioria, tanto o Incra quanto a União interpuseram embargos infringentes.

Os recursos foram acolhidos para se reconhecer a exigibilidade da contribuição ao Incra sob as premissas de que: (i) a EC 33/01 não alterou a exigência da contribuição; (ii) o requisito da referibilidade é dispensável em razão do fato de que todos são beneficiários da reforma agrária.

No acórdão condutor do entendimento acima exposto, a relatora juíza federal Vânia Hack de Almeida reconheceu: “quanto à definição da natureza jurídica específica da exação, inicialmente, estou de acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a contribuição ao INCRA caracteriza-se como contribuição de intervenção no domínio econômico (Primeira Seção, Embargos de Divergência em REsp 722.808/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgados em 25/10/06)”. (Apelação em Mandado Segurança nº 2003.36.00.008103-0/MT, rel. Juiz Federal. Convocado Rafael Paulo Soares Pinto. 07ª Turma, DJ 02.06.2006).

Ou seja, tanto o Tribunal Federal da 4ª Região quanto o Superior Tribunal de Justiça possuem posicionamento no sentido de que a contribuição ao Incra se trata de contribuição de intervenção no domínio econômico.

A Emenda Constitucional 33/01, que acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 149, prevê que a contribuição de intervenção no domínio econômico poderá ter alíquotas com base no faturamento, na receita bruta ou no valor da operação.

Notório é que a contribuição ao INCRA tem como previsão de incidência a folha de salários, o que notoriamente não está previsto no parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal.

A conclusão lógica que se tem é que a contribuição ao Incra não foi recepcionada pela EC 33/01.

No entanto, o que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região defende é que “a redação do dispositivo enuncia que tais contribuições ‘poderão ter alíquotas’ que incidam sobre o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e o valor aduaneiro; não disse que tal espécie contributiva terá apenas essas fontes de receitas. Uma interpretação restritiva não se ajustaria à sistemática das contribuições interventiva, pois o campo econômico, no qual o Estado poderá necessitar intervir por meio de contribuições, sempre se mostro ágil, cambiante e inovador, não sendo recomendável limitar, a priori, os elementos sobre os quais a exação pode incidir”.

Não obstante o posicionamento acima exarado, essencial se faz recordar que um dos princípios constitucionais primordiais é o da legalidade tributária que pode ser extraído do art. 150, inciso I, da Constituição Federal que prevê que é vedada exigência de tributo sem lei que o estabeleça.

Através do princípio da legalidade se leva a conclusão de que nenhum cidadão pode ser compelido a pagar tributo sem lei que o estabeleça.

Esse raciocínio deve ser aplicado à contribuição ao Incra, pois não há previsão constitucional no sentido de que é possível a incidência do tributo sobre folhas de salário.


Ora, repita-se que o parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal prevê que a contribuição de intervenção no domínio econômico deve ter por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação.

Então, aceitar a contribuição ao Incra como Cide incide induz a conclusão inafastável de que sua exigência é ilegal na medida em que a Carta Magna limita as hipóteses de sua incidência.

Nem se argumente de que deve haver uma interpretação extensiva, pois em se aceitar tal premissa estaria se abrindo o precedente para exigência de vários tributos ao livre arbítrio da Administração Pública, o que vem a atingir a segurança jurídica.

A ampla doutrina e a jurisprudência sempre defenderam que, em se tratando de matéria tributária, deve predominar o princípio da estrita legalidade. Em outras palavras, a interpretação deve ser feita de maneira restritiva.

A forma de interpretação já foi objeto de discussão pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região conforme a ementa logo a seguir:

TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – SINDICATO – LEGITIMIDADE – AUTORIZAÇÃO OU RELAÇÃO NOMINAL DOS FILIADOS: DESNECESSIDADE – OPÇÃO PELO SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE – SIMPLES (LEI Nº 9.317/1996) – EQUIPARAÇÃO DA ATIVIDADE DE VENDA DE BILHETES DE LOTERIA (CASA LOTÉRICA) À ‘REPRESENTAÇÃO COMERCIAL’: IMPOSSIBILIDADE – 1. O Sindicato tem legitimação ativa, definida pelo STF como ‘legitimação extraordinária’, para atuar também em ação ordinária como ‘substituto processual’, pleiteando em nome próprio direito alheio, na defesa dos direitos e interesses dos seus filiados nominados ou mesmo de toda categoria, não lhe sendo devida a exigência de juntar autorização expressa e individual dos seus filiados. 2. ‘A Lei nº 8.073/1990 (art. 3º), em consonância com as normas constitucionais (art. 5º, incisos XXI e LXX, CF/1988), autoriza os sindicatos a representarem seus filiados em juízo, quer nas ações ordinárias, quer nas seguranças coletivas, ocorrendo a chamada substituição processual. Desnecessária, desta forma, autorização expressa ou a relação nominal dos substituídos (cf. STF, AgRg-RE 225.965/DF e STJ, RMS 11.055/GO e REsp 72.028/RJ)’ (STJ, REsp 511747/MA, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, ac. Un., DJ 13.10.2003, p. 00430 – grifei). 3. O STF assentou que não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a norma legal, por motivos extrafiscais, impõe tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, excepcionando da opção à sistemática do Simples aquelas cujos sócios tenham condição de se estabelecer no mercado sem assistência estatal (STF, ADIn 1.643-1/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 14.03.2003). 4. A interpretação de norma excepcionante, ainda mais em matéria tributária, regida pelo princípio da legalidade estrita, deve ser feita de maneira restritiva, não podendo o administrador público ou intérprete da norma alargar a sua extensão para alcançar atividade não explicitamente constante da norma legal ou aplicando-a a quem dela não é destinatário. 5. A atividade de venda de bilhetes de loteria não se equipara à de ‘representante comercial’. 6. Apelação e remessa oficial não providas. 7. Peças liberadas pelo Relator, em 23.05.2006, para publicação do acórdão”. (TRF 1ª R. – AMS 2003.36.00.008103-0/MT – (200336000081030) – 7ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Rafael Paulo Soares Pinto – DJU 02.06.2006) g.n.

Ou seja, o argumento da interpretação extensiva para justificar a legalidade da contribuição ao Incra é totalmente inconstitucional, na medida em que viola o princípio da legalidade tributária.

No que tange ao argumento de que não há necessidade de referibilidade porque todos são beneficiários da reforma agrária, cumpre pontuar que, a se aceitar tal tese, pode-se denominar a contribuição ao Incra de imposto com finalidade, o que é vedado em razão do prevê o art. 167, inciso IV, da Constituição Federal.


Isto porque imposto pode ser conceituado como tributo cuja hipótese de incidência independe da atuação estatal específica em relação ao contribuinte. É o que acontece com a contribuição ao Incra na prática, pois sua incidência está desvinculada de uma atividade estatal específica.

É sabido que a contribuição ao Incra deve ser destinada ao mundo rural para que seja cumprida a função social da propriedade. Mas a partir do momento em que se defende não ser necessário o requisito da referibilidade, pode-se dizer que o requisito legal de que deve ser destinado ao mundo rural não possui qualquer eficiência, eis que não se sabe realmente se os recursos provenientes da contribuição ao Incra estão sendo aplicados realmente ao mundo rural.

Dispensar o requisito da referibilidade para as contribuições em geral significa dizer que o Estado está isento de prestar contas ao contribuinte, o que também deixa ameaçada segurança jurídica e justiça tributária.

Para que sejam respeitados os princípios da segurança jurídica e da justiça tributária é necessário que todo cidadão tenha ao menos uma previsão do que será obrigado a contribuir.

As constantes imposições feitas pela Administração Pública e mudanças nos posicionamentos em nossos Tribunais Pátrios vêm causando uma insegurança jurídica total ao contribuinte.

O caso da contribuição ao Incra é uma situação que pode gerar precedentes para exigências de outras modalidades de contribuições que nada mais são do que impostos com finalidade, o que se repita é vedado pelo art. 167, inciso IV, da Constituição Federal.

Mas as esperanças ainda não acabaram, pois a matéria não foi levada a crivo do Supremo Tribunal Federal, onde se espera que seja restaurado o brilhante raciocínio desenvolvido pelo juiz federal Leandro Paulsen no julgamento da apelação cível nº 2005.70.00.016118-4/PR, que tramitou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Bibliografia

REGIÃO, Tribunal Regional Federal da Primeira. Trecho extraído do voto da Apelação em Mandado Segurança 2003.36.00.008103-0/MT, rel. Juiz Federal. Convocado Rafael Paulo Soares Pinto. 07ª Turma, DJ 02.06.2006.

REGIÃO, Tribunal Regional Federal da Quarta. Ementa extraída do voto dos Embargos Infringentes em Apelação Cível nº 2005.70.00.016118-4/PR, rel. Des. Federal Octávio Roberto Pamplona. 02ª Turma, DJ 17.03.2008.

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