Convenção de Viena

Direito dos Tratados afeta Direito interno

Autor

  • Luis Alberto Alcoforado

    é advogado com atuação nas áreas de direito internacional e tributário membro efetivo da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/SP e da Associação dos Advogados de São Paulo conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda de 2003 a 2009 pela Confederação Nacional do Comércio.

27 de janeiro de 2010, 5h12

Por meio do Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009, o Presidente da República promulgou a Convenção sobre o Direito dos Tratados, celebrada em Viena na data de 23 de maio de 1969.

Esse ato executivo era sobremaneira aguardado pela comunidade jurídica, máxime pelos internacionalistas, porquanto, como cediço, do decreto presidencial decorrem três importantes efeitos: I) o tratado internacional é efetivamente promulgado, II) seu texto é publicado oficialmente e III) sua executoriedade passa a vincular e a obrigar no plano do Direito interno.

Tal ato normativo difere daqueloutro — o decreto legislativo — de competência do Congresso Nacional e que se refere exclusivamente à aprovação do texto do tratado — Constituição Federal, artigo 49, inciso I.

Tem-se, portanto, a etapa derradeira no processo de ultimação do tratado internacional, nos termos das diretivas do ordenamento pátrio.

A convenção vienense marca um divisor de águas no processo de elaboração dos tratados, visto que, além de positivar normas costumeiras aceitas e eficazes, busca harmonizar os procedimentos de elaboração, ratificação, denúncia e extinção desses atos jurídicos internacionais.

Tendo aderido ao acordo, o Estado brasileiro ressalvou os dispositivos encartados nos artigos 25 e 66 do ato.

O texto convencional havia sido aprovado pelo Decreto Legislativo 496, de 17 de julho de 2009, e o respectivo instrumento de ratificação foi depositado perante o secretário-geral das Nações Unidas, em 25 de setembro do mesmo ano.

Importa salientar que a convenção encontra-se em vigor no plano internacional desde 27 de janeiro de 1980, entered into force.

Não se pode olvidar a tamanha magnitude e importância do Acordo de Viena, haja vista que acarretará uniformidade na disciplina normativa de tema tão impactante na seara do regramento internacional: o Direito dos Tratados, Law of Treaties, expressão usual e legítima de como os Estados manifestam seu assentimento quanto aos compromissos pactuados, tratado-contrato, e na elaboração das normas aplicáveis às relações jurídicas internacionais, tratado-lei ou tratado-normativo.

Com efeito, muitas das regras constantes da convenção explicitam costumes já consagrados entre as nações. Dito isso, infere-se a razão pela qual tais preceptivos revestem-se de obrigatoriedade, inclusive para aqueles Estados que não participaram das tratativas, em virtude da força cogente das normas de natureza consuetudinária no Direito Internacional Público.

Três princípios jurídicos basilares são prestigiados no texto da convenção: o do livre consentimento, o da boa-fé e o da regra do pacta sunt servanda, conforme o artigo 26. Tais postulados são inerentes a todo procedimento volitivo formante de normas autônomas ou convencionais.

Uma observação oportuna: o acordo em comento aplica-se apenas no âmbito das relações entre Estados, reconhecidos como tais pelo DIP.

Outrossim, os tratados celebrados entre Estados e demais sujeitos de Direito Internacional, ou mesmo entre esses últimos, estão fora de sua abrangência normativa — artigo 1° —, permanecendo regidos pelas práticas costumeiras.

Essa exceção, diga-se de passagem, não prejudicará a força jurígena dos tratados celebrados por esses entes não estatais — artigo 3° —, como verbi gratia, I) as organizações internacionais e suas agências, II) as administrações locais autônomas, III) os territórios internacionalizados, IV) as nações e os povos não autônomos, V) as comunidades beligerantes e insurretas e VI) os indivíduos.

Em nosso entendimento, há uma excepcionalidade em relação à Autoridade Nacional Palestina, pois, conquanto a nação palestinense não ostente a forma de Estado soberano, pode, todavia, ser reconhecida como uma coletividade autônoma quase estatal. Logo, os tratados internacionais em que seja parte devem ter o pleno reconhecimento e a proteção outorgada pela Convenção de Viena, inclusive para os efeitos de responsabilização internacional. No mesmo sentido devem ser albergadas as coletividades que estejam em processo de reconhecimento de Estado.

Especificamente quanto às organizações internacionais, há convenção própria, celebrada em Viena, inclusive com a participação do Brasil, em 21 de março de 1986, mas que ainda não vige no plano internacional.

Ponto de suma importância que merece registro é o conteúdo da regra do artigo 27: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu Direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Ou seja, deve ser obstado o procedimento de o Estado celebrar um tratado e depois, por meio de mera alteração em sua legislação interna, derrogar ou ab-rogar as regras convencionadas externamente.

Caso o faça, o Estado infrator será plenamente responsabilizado perante a sociedade internacional.

Por mais, o artigo 46 impede a Parte de afastar a aplicabilidade das normas do tratado, com arrimo na tese de que o seu consentimento para a avença fora externado com violação das regras do Direito interno respeitantes à competência para a celebração da norma, salvo em caso de descumprimento manifesto de norma de importância fundamental.

A 3ª Seção da Parte III da convenção trata das normas hermenêuticas, cumprindo ressair aquela prevista no artigo 31, 1: “Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”.

O artigo 38 cuida de norma relativa à força de um costume internacional: nada impede que um preceito enunciado num determinado tratado se torne obrigatório para terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito público externo, assim reconhecida.

A nulidade parcial ou integral de um tratado, a sua extinção, a sua denúncia, a suspensão do mesmo ou a retirada de uma das partes não afetam o dever jurídico de um Estado de cumprir qualquer obrigação convencionada que ele estaria, ainda assim, sujeito em virtude da incidência de normas imperativas de Direito Internacional, artigo 43.

Quanto à ocorrência dos vícios de consentimento, o tratado pode ser anulado com base em erro, dolo, corrupção ou coação.

A invalidez também pode ser arguida quando as disposições do tratado violarem regras cogentes de Direito Internacional geral, o jus cogens, inclusive no caso de superveniência de uma norma dessa estatura, artigo 64: “Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se”.

As normas inseridas no conceito jurídico de jus cogens são aquelas que veiculam postulados que visam primacialmente a proteção dos bens e valores fundamentais na sociedade internacional e que não podem ser derrogadas por meio de tratados ou demais manifestações volitivas. São aqueles preceitos que, v.g., vedam o uso da força, o genocídio, os crimes contra a humanidade, a pirataria, a discriminação, entre outros.

Doravante, a Convenção de Viena terá obrigatoriedade no plano do nosso Direito interno, com as ressalvas feitas pelo Brasil quanto ao artigo 25: aplicação provisória de um tratado enquanto o instrumento carece de vigência internacional e ao artigo 66: obrigatoriedade do processo de solução judicial, Corte Internacional de Justiça, de arbitragem ou de conciliação junto ao Secretário-Geral da ONU nos casos de querelas e objeções formuladas por um Estado quanto ao descumprimento das cláusulas do tratado por outro signatário da avença.

Aguardemos o pronto e almejado adimplemento da convenção pelas partes, tudo com o fito de promover a efetividade do direito internacional.

Autores

  • é advogado, com atuação nas áreas de direito internacional e tributário, membro efetivo da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/SP e da Associação dos Advogados de São Paulo, conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda de 2003 a 2009 pela Confederação Nacional do Comércio.

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