Mercado de telefonia

Governo italiano escoltou propina no Brasil

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25 de janeiro de 2010, 9h55

Uma mala de euros com a finalidade de comprar um senador, agentes de espionagem, policiais federais e inocular vírus informáticos nas maiores empresas de telefonia do mercado brasileiro. Mais: para garantir o transporte da propina, o pessoal da Telecom Italia contou, no Brasil, com proteção e escolta de agentes do serviço secreto italiano, o Sismi, para evitar que fossem revistados por autoridades brasileiras — o Sismi (Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Militare) mudou de nome para Aise, em agosto de 2007. As afirmações constam de depoimento de Fabio Ghioni, um dos ex-executivos da Telecom Italia (TI), em processo que corre em Milão e cita dezenas de brasileiros. (Leia o depoimento mais abaixo)

Uma parte da papelada com as acusações já chegou ao país. A outra está sendo aguardada. No depoimento, ele menciona também o investidor Naji Nahas. De acordo com a revista Veja, "a Telecom Italia fez pelo menos um saque de 3,25 milhões de reais em dinheiro vivo em nome do investidor Naji Nahas, personagem central da crise que abalou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989". Segundo Ghioni, o dinheiro dado a Nahas serviu para "corromper políticos para obter concessões em nível local que servissem à TIM Brasil para o exercício da telefonia" e "recompensar funcionários da Telecom pela maneira como utilizaram em favor da Telecom o material extraído da Kroll", entre outras finalidades.

Em 2006, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu pela requisição do material. Em dezembro de 2009, a juíza Adriana Zanetti, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, responsável pelo processo que apura atos ilegais de espionagem praticados pela Kroll, por encomenda de prepostos do banqueiro Daniel Dantas, decidiu suspender os trabalhos até que chegue da Justiça italiana o inquérito de Milão. Dele, fazem parte as acusações de Fabio Ghioni.

Ghioni, Giuliano Tavaroli, e Angelo Jannone, ex-executivos da Telecom Italia, foram denunciados pelo Ministério Público de Milão, com outros 31 envolvidos no caso, por violar sistemas de informática e fazer escutas ilegais contra pessoas na Itália e no exterior em nome da Telecom Italia. O grupo de espiões da Telecom Italia foi batizado de Tiger Team.

Todos esses episódios investigados pertencem à primeira fase da privatização da telefonia no Brasil. Daniel Dantas, segundo seus desafetos, pretendia eliminar da disputa seus concorrentes. Estes, por sua vez, uniram-se contra ele. Os italianos acreditavam que se afastassem Dantas receberiam como troféu a Brasil Telecom — o que justificaria o investimento. Mas com a saída do governo de Luís Gushiken, fiador do negócio, os italianos ficaram apenas com o prejuízo.

Diante da demora da chegada dos papéis sobre a ação do Tiger Team ao Brasil, a defesa de Dantas habilitou-o na Itália como vítima da trama investigada e, nessa condição, ele próprio cuidou de trazer alguns capítulos dessa intrincada novela, com cópias certificadas e traduções juramentadas.

Tiger Team
As notícias da Itália dão conta de que o grupo conseguiu grampear a imprensa italiana, entrou nos computadores da CIA e da Kroll, de onde sacou a investigação contra ele, acrescentou o material que lhe interessava e entregou à imprensa brasileira como uma prova da desonestidade de Daniel Dantas. O Tiger era um grupo especial do setor de segurança da Telecom Itália. Seu papel era o de pavimentar a expansão da ex-estatal italiana no mundo. As interceptações eletrônicas no Brasil duraram de 2003 a 2005, no contexto da disputa pelo controle acionário da Brasil Telecom entre a Telecom Itália e o Banco Opportunity.

O Tiger Team contava com figuras de proa da espionagem italiana. Angelo Jannone foi tenente-coronel do corpo de carabinieri. Ele trabalhou ao lado do juiz Giovanni Falcone na luta contra a máfia siciliana. E fez-se chefe do setor antifraudes da Telecom Italia para a América Latina. Morou no Brasil em 2004. Mario Bernardini era dono de uma empresa de investigações. Foi contratado na época pelo grupo italiano, mas ao se tornar réu aderiu a um programa de delação premiada e se tornou a principal testemunha do Ministério Público italiano no inquérito sobre a rede de espionagem clandestina e subornos da Telecom Italia no mundo.

Fabio Ghioni era o “hacker de primeira linha” dessa trinca. Nascido em Milão em 26 de novembro de 1964, prestou declarações no Palácio da Justiça, em Milão, no dia 15 de novembro de 2007, às 9h35, na presença do procurador da República Nicola Piacente e do carabinieri sub-oficial Vincenzo Morgera. São essas declarações que agora prometem fazer uma reviravolta no caso todo em território brasileiro.

Os parceiros
No Brasil, a Telecom Italia é dona da operadora de telefonia celular TIM. Foi por muitos anos também acionista da Brasil Telecom, numa sociedade com Daniel Dantas e os fundos de pensão estatais (Previ, Petros e Funcef). Em 2005, os fundos de pensão, em acordo com o Citibank, conseguiram destituir o Opportunity da administração da Brasil Telecom. Foi então selecionada a consultoria Angra Partners para gerir a BrT.

Em 2004, a PF iniciou a Operação Chacal, que investigou suposta atividade ilegal da Kroll no Brasil, por encomenda de Daniel Dantas. Além do trabalho oficial da PF, os italianos promoveram uma série de ações contra os agentes da Kroll. Numa delas, em um hotel no Rio, invadiram o computador de um deles e roubaram vários arquivos, que depois foram selecionados e gravados em um CD entregue à PF.

Em 6 de novembro de 2007, Giuseppe Ângelo Jannone, o homem que denunciou a Kroll de fazer espionagem no Brasil, foi preso na Itália por fazer espionagem. Junto com Jannone, ex-integrante de um grupo de elite dos carabineiros e ex-chefe de segurança da Telecom Itália no Brasil, foram presos Alfredo Melloni e Ernesto Preatoni, dois técnicos de informática que trabalhavam no setor de segurança da matriz da Telecom Itália. Era outro núcleo duro do Tiger Team.

O depoimento de Ghioni
Fábio Ghioni, o guru informático do Tiger Team, prestou declarações no Palácio da Justiça, em Milão, no dia 15 de novembro de 2007. Veja os principais trechos:

Arapongas do governo italiano protegem mala no Brasil:

“Em 2004, quando Bonera estava ainda na Latam no Brasil, Buora chegou escoltado por dois agentes do Sismi e com uma valise cheia de dinheiro. A presença de funcionários do Sismi, explicou-me Bonera, devia servir para passar sem controles nos espaços alfandegários do aeroporto. Para atender Buora e os agentes Sismi havia dois automóveis. Buora e Bonera se acomodaram em um deste, colocando a valise cheia de dinheiro no porta-malas. Os agentes do Sismi no outro. Depois de terem passado pela empresa na Avenida Chile, no Rio, Buora e Bonera deviam se dirigir ou ao hotel ou ao aeroporto para ir a Brasília onde a valise cheia de dinheiro devia ser entregue. Buora e Bonera entraram no carro precedentemente ocupado por aqueles do Sismi, onde não havia sido colocada a valise. Deve-se observar que os dois carros eram absolutamente iguais. No momento em que chegaram a seu destino, ou ao hotel ou ao aeroporto, e Buora disse para retirar a valise, não a encontrando devido à troca de automóveis, preocupou-se e enraiveceu-se muitíssimo a ponto de humilhar Bonera. É provável também que Bonera tenha me indicado a pessoa a quem aquele dinheiro estava destinado, mas tenho problemas de memória e escassa familiaridade com os nomes brasileiros”.

Corrupção de políticos no Brasil:

“Pelo que sei o dinheiro dado a Nahas assumiu um duplo propósito: Primeiro: corromper políticos para obter concessões em nível local que servissem à TIM Brasil para o exercício da telefonia; a componentes da Anatel, para que permitissem à Telecom Italia voltar a ocupar o controle acionário sobre a Brasil Telecom, a Eloy Lacerda e ao chefe da “Polícia Postal” no Brasil e depois dos serviços de segurança, que haviam dirigido a atividade da Polícia Federal contra Dantas e Kroll; segundo: recompensar funcionários da Telecom pela maneira como utilizaram em favor da Telecom o material extraído da Kroll… Jannone foi recompensado com um aumento de salário que lhe permitiu ganhar até 400 mil euros por ano e fomentar campanhas da imprensa contra a Kroll; pagar componentes dos fundos de pensão Previ, acionistas da Telecom Brasil, para que se posicionassem contra Daniel Dantas na disputa que este tinha contra a Telecom.”

Demarco remunerado:

“Antes do fim de 2004 participei com Jannone de um encontro com dois expoentes do Fundo Previ, com o único fim de informá-los sobre as investigações que a Kroll estava realizando sobre o fundo de pensões. Demarco não recebeu dinheiro destinado a pagamentos de propinas, pelo que sei, mas as suas controvérsias contra Dantas nas Ilhas Caymam foram pagas por Telecom Itália”.

O ataque do vírus “Animaletto”:

“No curso do ataque informático à Angra Partners, que foi ordenado por Jannone, descobriu-se que Demarco estava entrando em acordo com a Angra sem o conhecimento da Telecom Itália. O material subtraído da Angra foi verificado por Verdicchio. Jannone ocupou-se de informar a Tavaroli sobre os acordos de Demarco, mas Tavaroli não lhe deu crédito, mesmo porque sabia das invasões contra a Angra Partners. Antes de operar a invasão na Angra pedida a mim por Jannone, pedi expressa autorização dela a Penna e Bracco, que então foram informados das modalidades com que o ataque seria feito. Latam pagou-me por tal atividade 160 mil euros, soma que foi depositada no UBS de Lugano, isenta de percentual, exorbitante, que me foi exigido por Maltraversi. A referente fatura, se não me engano, mencionava como justificação uma atividade de “penetration test” informáticos por nós, já que se suspeitava que estivesse por trás das iniciativas de Dantas. Citicorp foi atacada com o vírus “animaletto”. Lembro de outros ataques informáticos, concentrados no âmbito da concorrência: a Vivo, a Telmex, Telefónica, Embratel e Telemar. Os ataques foram ordenados por Tavaroli e Jannone, entre o final de 2004 e início de 2005”.

Parlamentar comprado:

“No âmbito da invasão à Angra Partners, Jannone disse que estava interessado em monitorar dois dos seus consultores e um destes era um senador, que Jannone se ocupava de pagar com somas relevantes. Jannone pediu-me para entrar na caixa de correio eletrônico de um ex-parlamentar Salina ou Salinas, consultor na Telecom e antes na Pirelli, já que suspeitava que comunicando por e-mail com Demarco e Tavaroli, Salina ou Salinas o estivesse deslegitimando. Lembro que entrei em uma conta de correio eletrônico denominada Howlink. Howland deveria ser a sociedade em que trabalhava esta pessoa e com base no que me foi perguntado, recordo que o sobrenome exato é Savina…O pagamento pelo ataque informático à Angra incluiu a invasão em Savina e nos dois componentes do Fundo Previ”.

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