Benefícios da mudança

Lei do Inquilinato melhora relações entre as partes

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21 de janeiro de 2010, 7h06

Em um país com um déficit habitacional de quase 6,3 milhões de domicílios (famílias sem condições econômicas de viabilizar a compra de um imóvel) com recursos próprios, ganham força e importância as legislações abrangendo as relações de locação residencial e, em virtude do crescimento e desenvolvimento recente do Brasil, também as comerciais.

A busca do aperfeiçoamento contínuo dos mecanismos da completa e dinâmica Lei do Inquilinato (8.245/1991) — aniversariando quase duas décadas — desaguou no final de 2009, na publicação da Lei 12.112/2.009, modificando e complementando algumas questões que foram surgindo nas relações entre locadores e locatários, durante estes 18 anos de vigência da Lei do Inquilinato.

Alguns meios de comunicação, entretanto, vêm alardeando tais alterações como verdadeira revolução nas locações, sugerindo que mudanças essenciais ocorreram na fiança, nas multas e até na duração da ação de despejo. Ocorre que, apesar de extremamente positivas e benéficas, as mudanças da nova lei não possuem o condão de mudar a substância global das relações locatícias. Em outras palavras, há benefícios, mas não o “milagre” novo que se noticia.

Algumas alterações chegam a ser simples regulamentações de posições que há muito já vinham sendo adotadas pela jurisprudência dos tribunais de nosso país. Passemos então a analisar as principais mudanças trazidas pelo novo diploma legal e os reflexos que poderão causar nas regras entre os senhorios e seus inquilinos.

A nova redação do artigo 4º, por exemplo, faz previsão expressa a proporcionalidade no cálculo da multa de rescisão nos casos em que o inquilino entregar o imóvel antes do término do prazo contratual. Na versão atual do dispositivo, a expressão “proporcionalmente ao período de cumprimento do contratual” vem sacramentar uma posição já há tempos adotada pelos diversos tribunais da Federação e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Logo, pouca mudança prática nesta questão, apenas a transformação da posição jurisprudencial maciça em letra de lei propriamente dita.

O artigo 12º trata de alterações nas questões inerentes à fiança locatícia, contrato acessório de garantia do pagamento por terceiros, nos casos em que o inquilino não honrar com o adimplemento dos encargos contratuais em dia. Alguns noticiários veicularam a notícia de que o advento da nova lei traria a possibilidade do fiador exonerar-se de seu encargo quando bem entendesse desde que notificando previamente o locador. No entanto, tomar essa regra como genérica é equivocar-se. O referido artigo visa proteger hipótese específicas e não a locação em geral.

Reza o texto Artigo 12.  Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel”.

 

Ora, de plano já é possível observar que a aplicação da regra é limitada aos casos de locações residenciais (novidade da redação atual) e que seu objetivo inquestionável é o de proteger a moradia do cônjuge ou do companheiro nos casos do término da relação conjugal. O dever de informação ao locador e a fiador previsto no parágrafo 1º deste artigo também é medida salutar, pois traz mais transparência, cautela e lisura às alterações ocorridas no curso da locação.

Mas a maior modificação deste artigo veio no parágrafo 2º com a possibilidade do fiador em eximir-se de sua obrigação nos casos previstos no caput (dissolução da sociedade conjugal) por simples ato notificatório, merecendo transcrição o referido texto: “Parágrafo 2º. O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.”


Não se pode perder de vista que o contrato de fiança é um contrato acessório ao contrato de locação e, ao mesmo tempo, que suas bases decorrem da pura e simples relação de confiança entre afiançado e fiador. A natureza deste contrato é benéfica e alterações no principal não podem piorar a situação do fiador.

A palavra fiança decorre de fidúcia (confiança) ou, na melhor definição do Dicionário Michaelis: “1 Obrigação assumida por terceira pessoa, responsabilizando-se total ou parcialmente pelo cumprimento da obrigação do devedor, quando este não a cumpre ou não a possa cumprir; caução. 2 Quantia correspondente a essa obrigação. 3 Abonação. 4 Ato de fiar ou caucionar uma obrigação alheia”.

Isto posto, o que se percebe é que a alteração no pólo contratual do locatário por força de separação, ou dissolução conjugal de qualquer outra sorte, altera também a relação de confiança original entre o fiador e o casal.  Assim, caso o fiador que tomou ciência da alteração familiar decidir não mais ser o garantidor da locação para apenas um dos cônjuges, poderá exonerar-se com notificação direcionada ao locador, ficando responsável pelos 120 dias subsequentes à entrega deste documento.

De qualquer forma, a jurisprudência já vinha interpretando alterações nos pólos do contrato de locação como justificadores a exoneração da fiança, o que vem de encontro a esta alteração. Importante repisarmos o fato de que esta regra não se aplica a todos os casos de fiança, mas somente às hipóteses previstas no caput do artigo 12º, ao revés do que muito vem se propagando.

O artigo 39º também trouxe em seu corpo um acréscimo importante: “Artigo 39.  Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.

A redação originária deste artigo nunca foi duvidosa ou mesmo polêmica, entretanto, as relações sociais e situações advindas de alguns entraves judiciais acabaram em decisões jurisprudenciais opinando pela duração das garantias contratuais somente até o último dia do prazo contratual e não até a devolução do imóvel em si.

A nova redação sedimenta o entendimento de que as garantias, sejam elas de fiança ou de qualquer outro tipo, responderão pelas obrigações contratuais até a efetiva entrega de chaves (devolução de imóvel). Algumas decisões judiciais entendiam que a natureza benéfica do contrato de fiança autorizaria o entendimento da garantia somente até o fim do prazo contratual. A partir de agora, nenhuma dúvida mais nesse sentido: mesmo terminado o prazo locatício e prorrogada a locação, as garantias se estenderão até a efetiva entrega do imóvel.

É no artigo 40º onde identificamos uma das mais interessantes inovações desta “modernização”da Lei do Inquilinato. Este dispositivo traz o rol de hipóteses em que o locador pode exigir a apresentação de novo fiador ou de substituição da garantia já existente e dentre os casos que já existiam, foi incluído o inciso X, cuja redação prevê que na “prorrogação da locação por prazo indeterminado, uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador”.

Assim, duas constatações merecem relevo: (1). No término do prazo contratual, o fiador pode notificar o locador e exonerar-se da fiança, ficando responsável ainda por 120 dias pelas obrigações contratuais de seus encargos e (2). O locador de sua parte, nestes casos em particular, poderá exigir de seu inquilino um novo fiador ou outra garantia.

Para exercer este direito, o locador deverá notificar o locatário para cumprir a obrigação de apresentação do novo fiador no prazo de 30 (trinta) dias contados do recebimento deste documento. A consequência da inércia do inquilino a este pedido é a mesma de qualquer infração aos termos do contratual, ou seja, o direito do locador de requerer a rescisão do mesmo e, por conseguinte, obter o despejo do imóvel.


Este novo inciso do artigo 40º põe fim a uma lacuna nas situações envolvendo esta problemática, que era protegida antes pelo artigo 835º do Código Civil, que previa apenas a possibilidade de exoneração do fiador com 60 dias de responsabilidade posterior.

Por óbvio que a intenção do legislador civilista sempre foi a de evitar a que a fiança se eternizasse e que o fiador pudesse dispor de mecanismos legais a fim de exonerar-se quando assim entendesse conveniente (e apenas nos casos de contratos prorrogados por prazo indeterminado), no entanto, este artigo do Código Civil trazia um vazio grave: a situação das garantias do locador após a exoneração de seu fiador.

Além disso, não bastasse a clareza e a correção de possibilitar ao locador a exigência de novo fiador ou modalidade de garantia nos casos acima mencionados, sob pena de rescisão contratual, o prazo de extensão da responsabilidade pós-notificação do fiador que era antes de 60 dias pelo Código Civil, agora dobra e, será de 120 dias segundo a Lei 12.111/2009.

Ações judiciais
Merece relevo também, a inclusão de novas hipóteses aos casos de possibilidade de concessão de ordem liminar em ações de despejo. Por serem ações que tutelam habitação e moradia, resta evidente que as ações de despejo devem sempre ter acurada atenção do legislador e parcimoniosa interpretação e instrumentalização por parte dos operadores do direito.

Os efeitos de uma ordem liminar são notoriamente conhecidos. O pedido da parte autora é imediatamente antecipado e em um prazo bastante curto o imóvel pode ser despejado. O rol de situações que permite a concessão de liminar em ações desta natureza encontra-se no corpo do artigo 59º da Lei 8.245/91 e que recebeu o acréscimo com a lei nova dos incisos VI a IX, que basicamente regram situações que boa parte da jurisprudência já vinha aceitando como passíveis de concessão de liminar, dentre as quais, sobressai-se a do inciso VIII.

A bem da verdade, tal incisivo regra a hipótese de locação residencial cujo prazo terminou e o locatário á encontra-se notificado há mais de 30 dias do interesse do locador em retomar o imóvel. A possibilidade de liminar nestes casos, certamente fará recair sobre locadores e locatários a obrigação de repensarem aqueles contratos cujo prazo se escoa e nenhuma renovação é feita. O comodismo da prorrogação por prazo indeterminado deverá finalmente dar lugar à premente urgência em se reunir para repactuar ou renovar a contratação por novo prazo determinado.

Ganha neste ponto, a segurança jurídica de ambas as partes. O inciso IX deste artigo é talvez um dos que traga a mudança mais significativa da nova legislação.

Trata-se da possibilidade de despejo com liminar para os contratos de locação que não tenham garantias do artigo 37º da Lei 8.245/91, ou que tenha tido fiança extinta ou pedido de exoneração consumado. Em outras palavras, nos contratos em que o locador estiver “descoberto” de garantias contratuais, a legislação compensará este desequilíbrio possibilitando que o juízo da ação de despejo conceda-lhe ordem liminar a fim de abreviar o resultado da demanda.

Com isso, premiar-se-ão os locatários classificados como bons pagadores e evitar-se-á, a demora na restituição do imóvel (posse) ao locador, gerando débitos de meses de encargos locatícios em aberto e que, certamente seriam inadimplidos pelo inquilino que nem mesmo condições reúne, para pagar o aluguel vigente em dia.

O locador mesmo sem garantias de pagamento poderá contar com um despejo rápido, fato este que pode facilitar na hora da contratação, que muitas vezes esbarra na dificílima tarefa de obter fiadores com patrimônio capaz de fazer frente aos possíveis débitos em caso de inadimplemento contratual. Também no campo das ações judiciais, mais especificamente da ação de despejo, a inovação do inciso II do artigo 62º inerente a purgação da mora, veio em boa hora.

Em termos didáticos e simplificados, a purgação da mora nada mais é do que o pagamento do débito, evitando as consequências da mora que, no presente caso, é dos alugueres e demais encargos gerados pelo imóvel locado. A redação antiga deste artigo falava que a purgação da mora seria possível se o locatário requisitasse ao juiz dentro do prazo da Contestação (15 dias), autorização para realizar o pagamento do débito, o que acabava por estender este debate por alguns meses diante dos trâmites cartoriais e prazos judiciais a serem aguardados.


A redação atual prevê que para que a purgação da mora seja validada, o inquilino deverá formular seu pedido ao juízo já fazendo-o acompanhar do depósito judicial pertinente, o que encurtará para o locador, o recebimento do montante devido. No caso de depósito incompleto, a novidade positiva é a possibilidade de intimação para complementação do valor na pessoa do advogado do réu (locatário) por publicação em órgãos oficiais, o que certamente agilizará sobremaneira a providência.

Outra alteração positiva, é que ao invés de poder utilizar a faculdade da purgação da mora por duas vezes (uma a cada intervalo de 12 meses), como previa a Lei 8.245/91, a nova sistemática prevista no parágrafo 3º deste artigo 62º limita o uso do benefício apenas 01 vez a cada 24 meses (anteriores ao ajuizamento da Ação de Despejo), o que pressionará ainda mais os inquilinos a manterem-se quites com suas obrigações contratuais nos prazos entabulados com seus locadores.

Importante alteração na busca de maior celeridade na ação de despejo é o chamado “Mandado único de Despejo”, que veio abarcado no artigo 63º. Na fórmula anterior, após a sentença favorável ao despejo, primeiro expedia-se mandado de notificação ao locatário para desocupação voluntária (variando de 15 a 30 dias dependendo da duração do procedimento judicial) e, somente na sua inércia, outro mandado para o despejo em si (imissão na posse).

Em razão do enorme volume de ações em trâmite no Poder Judiciário, essa duplicidade de mandados dava ao inquilino uma “sobrevida” de residência no imóvel locado de pelo menos mais dois meses. O novo mecanismo prevê um único mandado para desocupação voluntária e despejo em 30 dias, o que será benéfico do ponto de vista temporal, burocrático e público, pois economizará trabalho, papel e tempo dos cartorários e juízes.

 

Neste caso, o oficial de Justiça levará uma cópia do mandado ao locatário e conservará a outra em seu poder, retornando 30 dias após já para realizar o despejo, no caso de permanência do inquilino, é claro. A dispensa de um segundo requerimento de mandado por parte do locador ajudará a desafogar o incessante serviço judiciário e certamente agilizará a restituição do imóvel ao autor da ação de despejo. O juiz só precisará despachar uma vez, o cartório expedirá apenas um mandado e tudo será mais célere.

Finalizando os mecanismos alterados em relação a ação de despejo, o artigo 64º reduziu os valores de caução necessários nos caso de Execução Provisória. A Execução provisória se dá quando há pendência de recurso (recebido sem efeito suspensivo do procedimento) em face de sentença que acolheu o pedido de despejo. Como há o risco de alteração da decisão pelos Tribunais que julgarem estes recursos, a lei sabiamente prevê a obrigação de caução, com o propósito de reparar eventuais prejuízos causados ao locatário com eventual reforma da sentença.

 

Pois bem, a redução deste patamar de 12 a 18 vezes o valor do aluguel para seis a 12 significa a evidente tentativa de permitir acesso mais fácil a todos os locadores que desejarem utilizar-se do referido remédio jurídico. Afinal, se no caso do despejo com pedido liminar a caução prevista é de três aluguéis, por que razão na Execução Provisória haveria ela de ser tão superior?

A locação comercial também foi contemplada com algumas novidades, sendo a primeira delas referente aos casos de Renovação da Locação Comercial por força da Ação Renovatória. O texto anterior do artigo 71º fazia menção à necessidade de apresentação de documentação que comprovasse a idoneidade do fiador, tendo sido omissa aos casos em que o mesmo fiador é oferecido para permanecer na locação renovada.

O inciso V do referido artigo faz menção expressa a necessidade de comprovar a idoneidade do fiador na época em que a nova contratação será entabulada/renovada ainda que o fiador seja o mesmo. A exigência em benefício do locador é positiva, pois a condição patrimonial, econômica e financeira dos fiadores muitas vezes é alterada no transcurso das locações comerciais, uma vez que certamente estamos falando em prazos superiores a cinco anos da contratação original.

Por derradeiro, o artigo 74º da nova lei trouxe mudança preocupante aos locatários de imóveis comerciais, vez que nos casos em que a ação renovatória proposta pelo locatário não prosperar (improcedência), o prazo de desocupação foi reduzido de seis meses para 30 dias, desde que o locador tenha formulado pedido para fixação de prazo de desocupação em sua contestação.

Mais grave ainda é a exclusão da necessidade de aguardo do trânsito em julgado deste sentença, o que na fórmula anterior, garantia aos locatários anos no imóvel locado com recursos que mesmo sem efeito suspensivo, acabam por “amarrar” a possibilidade de retomada por parte do locador. A redação atual corrige esta distorção e prestigia a premissa de que nas ações que tutelam as relações de locação não se deve emprestar efeito suspensivo. Assim, com a simples sentença de improcedência, caso o locador tenha formulado seu requerimento na defesa, o juiz determinará a desocupação do imóvel em comercial em 30 dias daquela data.

A medida causa preocupação aos inquilinos comerciais, posto que o prazo substancial de seis meses sempre visou permitir que no caso de fracasso da renovação, o comerciante pudesse dispor de tempo suficiente a buscar novo imóvel onde estabelecer seu negócio. Agora, com apenas 30 dias contados da publicação da sentença de improcedência da renovatória, o locatário terá que apressar-se a obter novo local para estabelecer-se sob pena de fechamento, ainda que provisório, de seu negócio. A mudança é radical, mas estimula de mais a mais que as partes busquem a renovação contratual não pela via judicial, mas pela composição amigável extrajudicial.

O que se pode extrair destas mudanças trazidas pela Lei 12.111/2.009 é que não houve alterações ou inovações essenciais, mas sim proveitosas e coerentes, visando a celeridade do procedimento judicial, a consonância da legislação locatícia com a posição da jurisprudência nacional e a tão importante segurança e o equilíbrio social tão buscado em qualquer relação de direito.

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