Regra de lado

Fórum da Barra Funda ignora súmula das algemas

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18 de janeiro de 2010, 12h57

No maior centro criminal da América Latina, o Fórum da Barra Funda, em São Paulo, a aplicação da súmula das algemas, que limitou o uso do instrumento a casos excepcionais, é ignorada. No Fórum, circulam mais de mil presos por mês. A reportagem é da Folha de S. Paulo.

O jornal percorreu os corredores do prédio e constatou que os presos, de calça bege, camiseta branca, chinelos e algemas nos pulsos, circulam escoltados por policiais em meio aos 2,5 mil visitantes diários. Dois policiais militares que conversaram com a reportagem, sob a condição de terem suas identidades preservadas, disseram nunca ter ouvido falar sobre a norma. Afirmaram que, em cinco anos, nunca viram um preso sem algemas.

Em agosto de 2008, a súmula, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, definiu o caráter "excepcional" no emprego das algemas e vinculou todos os juízes do país a esse entendimento. Segundo o STF, o emprego da súmula deve ser decidido pelo juiz e explicado por escrito, sob risco de o processo ser anulado.

O advogado Wanderley Francisco Cardoso, que acompanhou uma audiência ao lado do cliente algemado, diz nunca ter invocado a súmula. "As algemas são uma garantia de segurança. Acabei de sair de uma audiência em que meu cliente foi condenado a 18 anos de prisão por sequestro-relâmpago e roubo. Você nunca sabe como a pessoa pode reagir", disse.

"Se no maior fórum da América Latina ninguém cumpre, imagine no resto do país. Essa súmula não existe de fato no país, onde os pobres continuam sendo algemados indiscriminadamente. A aplicação da súmula, infelizmente, é feita a partir de critérios de discriminação socioeconômica", disse o juiz Sérgio Mazina Martins, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Para o juiz federal Ricardo de Castro Nascimento, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, a norma das algemas, ao contrário da maioria das súmulas do Supremo, dá espaço para a interpretação individual do juiz. "É preciso avaliar as condições e reais necessidades de seu uso e a realidade de cada fórum do país", disse.

Exemplo disso foi o que ocorreu em Petrópolis (RJ). Em novembro, um preso recorreu ao Supremo dizendo que, durante a audiência em que foi acusado pelo crime de furto, lhe foi negada a possibilidade de ficar sem as algemas. Ao rejeitar o pedido de anulação do processo, o STF levou em consideração o fato de o Fórum de Petrópolis operar com poucos policiais.

Desde a edição da súmula, esse foi um dos 28 casos que chegaram ao Supremo com reclamação sobre o uso de algemas. Na maior parte dos pedidos, os autores disseram ter sido algemados de forma abusiva e sem justificativa por escrito no processo. Dos 17 pedidos já julgados, todos foram negados.

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