Desistência de processos

PGFN é autoritária ao restringir Refis

Autores

  • Rafael Capaz Goulart

    é advogado sócio do escritório Abreu Faria Goulart & Santos Advogados professor da Escola Superior da Advocacia (ESA) e membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários (CEAT) e da Comissão de Assuntos da Justiça Federal (CAJF) ambas da OAB-RJ.

  • Luiz Gustavo A. S. Bichara

    é Conselheiro Federal da OAB pelo Rio de Janeiro e Procurador Especial Tributário do Conselho Federal da OAB.

15 de janeiro de 2010, 5h38

Como amplamente noticiado, a Lei 11.941/09, dentre outras providências, instituiu diversos benefícios para pagamento à vista ou parcelamento de débitos de qualquer natureza junto à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou à Secretaria da Receita Federal do Brasil, vencidos até 30 de novembro de 2008, inclusive aqueles anteriormente parcelados com base no REFIS, PAES ou PAEX, ou nas Leis 8.212/91 e 10.522/02, ainda que tenha havido rescisão ou exclusão do respectivo programa.

Muito embora terminado em 30 de novembro de 2009 o prazo para adesão ao Programa de Parcelamento em questão — apelidado de “REFIS IV” — ou pagamento à vista de débitos, a Lei 11.941/09 e sua regulamentação pelas Portarias Conjuntas PGFN/RFB 6/09, 10/09, 11/09 e 13/09, ainda suscitam dúvidas e polêmicas quanto aos procedimentos necessários à sua execução.

Inicialmente, vale mencionar que, não obstante o fato de o artigo 12 da Lei 11.941/09 ter determinado a edição, no prazo máximo de 60 dias contados da data de publicação da norma, em 28 de maio de 2009, dos atos necessários à execução dos parcelamentos, diversos aspectos foram regulamentados em datas muito próximas do referido prazo, como é o caso dos procedimentos a serem adotados para apresentação dos pedidos de desistência das impugnações/recursos administrativos e ações judiciais — Portaria Conjunta PGFN/RFB 11, de 11 de novembro de 2009, posteriormente alterada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB 13, de 19 de novembro de 2009 —, bem como dos procedimentos pertinentes à utilização de depósitos administrativos ou judiciais para quitação de débitos — Portaria Conjunta PGFN/RFB 10, de 5 de novembro de 2009 —, o que colaborou para a não solução das polêmicas que serão apontadas.

Aspecto que merece destaque refere-se ao fato de que, nos termos da Portaria Conjunta PGFN/RFB 13/09, a desistência de impugnações ou recursos administrativos ou de ações judiciais deverá ser apresentada impreterivelmente até 28 de fevereiro de 2010. Entretanto, a informação sobre os débitos que serão parcelados deverá ser prestada somente no momento da consolidação do parcelamento, nos termos do art. 15, parágrafo 2º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB 6/09, etapa essa ainda sem previsão. Veja:

Art. 15 – Após a formalização do requerimento de adesão aos parcelamentos, será divulgado, por meio de ato conjunto e nos sítios da PGFN e da RFB na Internet, o prazo para que o sujeito passivo apresente as informações necessárias à consolidação do parcelamento.

§ 1º – Somente poderá ser realizada a consolidação dos débitos do sujeito passivo que tiver cumprido as seguintes condições:

I – efetuado o pagamento da 1ª (primeira) prestação até o último dia útil do mês do requerimento; e

II – efetuado o pagamento de todas as prestações previstas no § 1º do art. 3º e no § 10 do art. 9º até a data da consolidação.

§ 2º – No momento da consolidação, o sujeito passivo que aderiu aos parcelamentos previstos nesta Portaria deverá indicar os débitos a serem parcelados, o número de prestações e os montantes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL a serem utilizados para liquidação de valores correspondentes a multas, de mora ou de ofício, e a juros moratórios.

§ 3º O sujeito passivo que aderiu aos parcelamentos previstos nesta Portaria que não apresentar as informações necessárias à consolidação, no prazo estipulado em ato conjunto referido no caput, terá o pedido de parcelamento cancelado, sem o restabelecimento dos parcelamentos rescindidos, em decorrência do requerimento efetuado. (grifou-se)

Em outras palavras, o contribuinte deverá apresentar pedido de desistência nos processos administrativos e judiciais antes da consolidação, o que certamente causará séria polêmica acaso o parcelamento não seja deferido ou haja a rescisão do mesmo por falta de pagamento da parcela fixa, nos termos do art. 21 da Portaria Conjunta PGFN/RFB 6/09:


Art. 21 – Implicará rescisão do parcelamento e remessa do débito para inscrição em DAU ou prosseguimento da execução, conforme o caso, a falta de pagamento:

I – de 3 (três) prestações, consecutivas ou não, desde que vencidas em prazo superior a 30 (trinta) dias; ou

II – de, pelo menos, 1 (uma) prestação, estando pagas todas as demais. (grifou-se)

Ponto igualmente relevante refere-se à utilização de depósitos (administrativos ou judiciais) para quitação de débitos. Isso porque, conforme o disposto no art. 32, parágrafo 1º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB 6/09, com redação dada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB 10/09, os percentuais de redução previstos na Lei 11.941/09 serão aplicados sobre o valor do débito atualizado à época do depósito e somente incidirão sobre o valor das multas de mora e de ofício, das multas isoladas, dos juros de mora e do encargo legal efetivamente depositados, podendo o contribuinte, posteriormente, requerer o levantamento do saldo remanescente, se houver, conforme abaixo:

Art. 32 – No caso dos débitos a serem pagos ou parcelados estarem vinculados a depósito administrativo ou judicial, a conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo observará o disposto neste artigo.

§ 1º – Os percentuais de redução previstos nesta Portaria serão aplicados sobre o valor do débito atualizado à época do depósito e somente incidirão sobre o valor das multas de mora e de ofício, das multas isoladas, dos juros de mora e do encargo legal efetivamente depositados.

§ 2º A conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo dos valores depositados somente ocorrerá após a aplicação dos percentuais de redução.

§ 3º Após a conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo de que trata o § 2º, o sujeito passivo poderá requerer o levantamento do saldo remanescente, se houver, observado o disposto no § 13.

Entretanto, pela Lei 11.941/09[1], o correto seria o cálculo do montante devido aplicando-se as reduções sobre o valor atualizado do débito na data da consolidação, bem como com base no depósito atualizado nesta mesma data. Daí o sinal claro de que o referido art. 32 é manifestamente ilegal, pois, segundo o diploma: (i) o montante que será passível de redução terá como base débito atualizado pela Taxa SELIC até a data do depósito, e não até a data da consolidação, mitigando-se o valor a ser abatido pelo contribuinte; e (ii) o montante a ser levantado pelo contribuinte que depositou pontualmente o débito, para poder discuti-lo sem sofrer constrições pela Fazenda Nacional, poderá ser drasticamente reduzido, ou mesmo extirpado, bastando imaginar um depósito judicial feito há cinco anos atrás, por exemplo. Será caso mesmo de inaplicabilidade do benefício, criando-se, pois, um regime de exceção para quem optou pelo depósito judicial.

Na prática, isso significa que os débitos cujos valores foram depositados antes do vencimento da respectiva obrigação tributária não aproveitarão nenhuma redução prevista na Lei 11.941/09, a exemplificar: os juros de mora — que são calculados juntamente com a atualização monetária de acordo com a variação mensal da taxa SELIC —, porquanto tal parcela, segundo o art. 161 do Código Tributário Nacional[i], traz consigo a ideia de remuneração do capital em benefício do credor pelo tempo da indisponibilidade do dinheiro, i.e., aproximando-se da natureza compensatória, o que não se configura na hipótese ora cogitada de depósito tempestivo.

Veja-se, ainda, que a Portaria instituiu situação manifestamente anti-isonômica, na qual aquele contribuinte que agiu de boa-fé, depositando pontualmente o tributo, objetivando discuti-lo, não poderá se aproveitar dos redutores oferecidos pela Lei 11.941/09. Já aquele contribuinte que nada fez além de se esquivar da cobrança, causando inequívoco prejuízo ao erário, poderá aplicar tais redutores, vendo-se em situação substancialmente mais vantajosa.


Assim sendo, embora a Portaria Conjunta PGFN/RFB 10/09 tenha resolvido a dúvida a respeito do procedimento de amortização dos valores depositados administrativa ou judicialmente, por outro lado, trouxe inovação não contemplada na Lei 11.941/09, motivo pelo qual, a nosso ver, padece de ilegalidade e, por conseguinte, poderá ser contestada acaso o contribuinte formule pedido expresso de aplicação dos redutores sobre o respectivo montante atualizado e obtenha resposta negativa do juiz com base naquele ato normativo infralegal.

Além disso, a Lei 11.941/09 e sua regulamentação não esclareceram ponto de extrema importância, que se refere à possibilidade de desentranhamento das Cartas de Fiança Bancária oferecidas pelo contribuinte em garantia de execução fiscal.

Isso porque, o art. 12, parágrafo 11, da Portaria Conjunta PGFN/RFB 6/09[ii], determina genericamente a permanência das garantias já formalizadas antes da adesão aos parcelamentos por ela regulamentados. Todavia, muito embora os diplomas em tela sejam silentes quanto às Cartas de Fiança Bancária, parece pouco razoável sujeitar o contribuinte ao custo de manutenção dessa modalidade de garantia durante o prazo do parcelamento, que poderá ser de até 15 anos.

Em suma, a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional — esta última, a nosso ver, geralmente sob inspiração da primeira —, parecem querer exercer seu inconformismo com os termos da Lei 11.941/09, tentando, objetivamente, mitigar o seu escopo de abrangência via regulamentação.

É uma pena, pois, ao invés de se limitar a regulamentar a vontade do povo expressa pelo Poder Legislativo, os aluídos órgãos terminam por externar a opinião de uns poucos, que usam o poder que têm de forma transversa e arbitrária.


[1] “Art. 10 – Os depósitos existentes vinculados aos débitos a serem pagos ou parcelados nos termos desta Lei serão automaticamente convertidos em renda da União, após aplicação das reduções para pagamento a vista ou parcelamento. (Redação dada pela Lei nº 12.020, de 2009)

Parágrafo único. Na hipótese em que o valor depositado exceda o valor do débito após a consolidação de que trata esta Lei, o saldo remanescente será levantado pelo sujeito passivo.”


[i]Art. 161 – O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

§ 1º – Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

§ 2º – O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.

[ii]Art. 12 – (…)

§ 11 – Os parcelamentos requeridos na forma e condições desta Portaria:

I – não dependem de apresentação de garantia ou de arrolamento de bens, mantidos aqueles já formalizados antes da adesão aos parcelamentos de que trata esta Portaria, inclusive os decorrentes de débitos transferidos de outras modalidades de parcelamento ou de execução fiscal; e

II – no caso de débito inscrito em DAU, abrangerão inclusive os encargos legais e honorários devidos nas execuções fiscais dos débitos previdenciários.

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